Alma Imaculada
Capítulo 81: Réquiem
[Grim]
— Load!
Minha lâmina deslizou para fora da bainha, todo o poder abundante em energia Aether e Vitalis eclodindo em uma torrente fervorosa de energia pelo meu corpo.
Vush!
Incis se atirou as alturas no instante em que o som de minha Katana sendo sacada ressoou.
“Impossível!”, meus olhos se arregalaram.
Ela estava prestes a ser decapitada pelos milhares de cortes ao seu redor, porém chutou o chão abaixo de suas botas e com tal movimento ela disparou as alturas saindo da gaiola de cortes que produzi.
— Fala demais! Fala demais pra um traidor! — A voz agressiva de Incis se destorceu no que ela caiu sob mim como uma bala.
Afiando meu olhar em direção do verdadeiro meteoro que Incis se transformara lancei o fio de minha longa espada contra seu chute.
Bam! Quebra! Quebra!
Um impacto estremecedor que até mesmo foi capaz de esmagar o solo abaixo de meus sapatos rachando-o com sons quebradiços de metal e vidro.
— Nhgh. Sua parasita! — Rangi os dentes empurrando a lâmina contra a sola do sapato de Incis que mais se parecia com metal puro.
Faíscas deslizaram sob o material cinzento e rígido da espada no que os cabelos de Incis ondularam com seu segundo pulo.
O corpo esguio e ao mesmo tempo bem formado dela foi capaz de fazer o seu centro gravitacional se estabilizar de forma que um simples pulo a fez girar no ar e aterrissar em solo como um gato.
Um rastro vermelho riscou o ar, a única pupila carmesim que reluzira durante o movimento que a vampira fez em minha reta.
O ar ficou denso, a luz cor de sangue do núcleo em forma de arvore da sala irradiava sem parar sob nossos trajes negros.
Os ventos foram quebrados pelas duas mãos pontudas de Incis, semelhantes a duas adagas elas rasgaram o vazio prontas para perfurar meu pescoço e rasgar minhas artérias ao meio.
“Rápido demais.”, ponderei recuando mais um passo para trás antes de erguer os braços e segurar minha espada firmemente.
Cruzei meus braços fazendo a longa Katana virar em uma linha horizontal pra no fim ser empurrada pela pontiaguda unha de Incis.
Uma pequena faísca reluziu da aderência entre o metal e a mão da vampira.
A vibração que percorreu meus dois braços estremeceu meu coração por um segundo, porém foi uma defesa ótima, agora só restara sua segunda mão.
— Uhk! — Sangue foi abruptamente expulsado de dentro da minha garganta, molhando minha túnica.
Em um piscar de olhos Incis não estava mais a minha frente, mas sim na minha retaguarda, com apenas um passo e meio segundo ela girou ao meu redor e por fim desferiu um soco contra minha espinha.
Meu corpo se arqueou sendo jogado para frente.
Minha massa corporal sendo lançada aos ares.
Mas que merda de velocidade era essa afinal?
Eu, o espadachim principal da quarta divisão da guilda R.O.U.N.D.S ser golpeado por trás... isso era impossível!
“Droga, recomponha-se Grim, você nunca lutou contra algo tão sorrateiro quanto um vampiro antes, então é compreensível.”
Reorganizando meus pensamentos antes de me ralar no chão lancei a ponta de minha Katana contra ele fazendo assim um longo rastro de destruição dividir o solo rígido enquanto deslizei equilibrado habilmente sob a minha espada.
Quase parando totalmente equilibrado em cima de minha preciosa lâmina vi um vulto negro se deslocar destruindo os ventos.
Estreitei meu olhar diante do trajeto que a pirralha traçara até mim levantando poeira e o barulho pesado de seus passos.
“Incis usara suas duas mãos como se fossem dois espinhos rígidos, mas ao me atacar por trás fechou uma delas para dar um soco.”
Vupt!
Antes que meu raciocínio estivesse completo, ela se aproximou o suficiente.
O olho carmesim de Incis se destacou na sua pupila esquerda quando dobrei meus joelhos flexionando-os contra o chão pra no fim... pular contra ela.
— Mas o que?! — Os cabelos dela dançando ao vento enquanto seus olhos de cores distintas se arregalaram.
Puxando minha Katana que foi arrancada brutalmente do chão com meu pulo e me encontrei cara a cara com ela pra dizer disse: — Acabou.
Com minha lâmina sendo segurada ao contrário utilizei a parte onde a seguro para estocá-la contra o estômago de Incis.
Um impacto firme semelhante a uma coronhada colidiu contra o abdômen da vampira de cabelos negros, porém...
— Essa é sua estratégia? Ficar perto pra que eu precise fechar meus punhos? — Incis abriu sua boca como um lobo faminto e expondo seus caninos pontudos envolveu seus braços ao meu redor. — Vou arrancar sua garganta fora! — Lançou seus dentes contra meu pescoço agarrando-me em um abraço selvagem.
Como uma cartada final eu apenas soltei minha voz perto do ouvido dela: — Então você ainda tem coragem de falar de mim depois de se submeter a tal coisa.
Caímos sobre o chão e num mero segundo de hesitação a ponta de minha espada já foi puxada para dentro de sua boca.
— Gah!
Um gemido de desconforto, ela jogou as mãos agarrando-as a longa e curva lâmina prestes a se enterrar na sua garganta.
— Minha habilidade é diferente da sua e de seu pai ou seja de quem for. — Meus braços tremiam com a força que ambos fazíamos, eu para empalar minha espada dentro de sua boca e ela para tirar o metal cinzento de dentro dela. — De certo sou até meio semelhante a você, pirralha. A única diferença é que eu sou de uma raça que veio sendo usada como brinquedo por muito tempo e no fim foi descriminada até suas raízes. Assim como todos os Elkian eu também tive que cortar metade das minhas longas e pontudas orelhas, porém olha pra você...
— Ahngh! Ghnn...
Incis gemia em um desespero e agonia enquanto seus dedos continuaram firmes ao redor da lâmina prestes a se afundar em sua garganta.
As pupilas tremendo, o suor descendo, parece que sua adrenalina havia cessado finalmente.
— Devorou a carne de seres de sua mesma espécie, foi capaz de fazer até isso apenas pra sobreviver e agora fez isso de novo com um companheiro. Se rendeu ao que as trevas tinham a oferecer apenas pra continuar existindo. — Os olhos de Incis começaram a lagrimejar enquanto seu corpo estremecia apertando a minha espada firmemente. — Enquanto isso eu reneguei minha própria cultura, meus costumes e crenças, extinguindo até mesmo os traços do que poderia ter sido a raça mais próxima dos Myhtra! — Aumentei o tom de voz.
“Eu vou matar essa mulher, vou matá-la, vou destruí-la e com isso vou tomar a guilda para mim, a filha única de Kaylleon Katulis nunca poderá ser a líder, com um passado manchado de pecados e seu sangue perverso correndo em suas veias maculadas... essa mulher não tem direito algum de comandar essa irmandade.”, meus pensamentos se desabaram um sobre o outro quando rangi meus dentes forçando a ponta de minha espada para dentro da boca da vampira.
No fim eu só queria que o mundo fosse do jeito que deveria ser, assim como em Vesperia ou até mesmo em Zykron.
Foi por causa disso que me aliei aos Noct a 8 anos atrás, por tal motivo que fui capaz de ocultar minhas intenções.
O experimento que a garotinha chamada Incis sofreu a 8 anos atrás não era consequência de minha escolha, mas sim algo que estava predestinado a acontecer, porém agora que ela se tornara a falha perfeita e conseguiu fugir do próprio destino o único réquiem para o novo mundo que eu prezava era sua morte.
Incis sempre esteve predestinada a ser a besta que era, porém acabou no lugar errado, na hora errada e no momento errado.
A garotinha de cabelos negros e pupilas vermelhas estava enfileirada com mais algumas crianças de seu mesmo tamanho.
Passos calmos ressoaram pela sala branca, o quadril de Lumakina balançara suavemente enquanto ela caminhava com uma das suas mãos em sua cintura, seus olhos gatunos e o sorriso sutil meio debochado no canto de seu lábio.
“Estou com fome, onde foi o papai?”, os olhos de Incis começaram marejar.
A voz suave e maliciosa de Lumakina caiu sob as crianças: — Todos vocês estão aqui para serem as minhas criações perfeitas, serão aqueles que liderarão minhas principais frentes de dominação territorial, meus escolhidos.
Incis levantou os olhos molhados escorrendo lágrimas em direção ao soldado de preto ao lado de Lumakina.
— S-Senhor e-eu tenho fome. Minha barriga dói muito.
Os olhos carmesins de Lumakina se fixaram em Incis.
— Hmmm. — A mulher se aproximou dela com uma mão no queixo. — Se não é a pequenina Incis Katulis. — Lumakina se agachou até ficar cara a cara com Incis. — Sabe, a hora da refeição será como uma cerimônia de abertura, portanto trate de apenas esperar e seja uma boa garota.
— M-Mas e-está doendo. Ughn. — Incis envolveu os braços em sua barriga.
O soldado de preto ao lado de Lumakina virou o pescoço na direção de um grunhido que não era de Incis, mas sim de outra criança na ponta da fila.
— Ugh... Ghn... ta-também estou com fome Urhk!
Uma voz fraca e rouca tossia suas palavras quase as vomitando.
Foi então que Lumakina se levantou virando seus olhos na direção do garotinho loiro que reclamara.
— Uhk! Urhk! Uh! Gurgh! — Continuou tossindo tentando tapar sua boca com as mãos enquanto seu corpo pequenino tremia e lentamente...
— S-Senhorita Lumakina ele... — O soldado deu um passo na direção do garoto.
— Não se mecha.
Foi uma ordem absoluta, pelo tom calmo e frívolo dela Incis sentiu que esse soldadinho ao lado de Lumakina não era nada, apenas um subordinado qualquer, poderia ser destruído a qualquer momento por algo inexplicável que fazia a querer se ajoelhar ou se pudesse, fugir dali, havia algo nessa mulher que emanava uma aura assim.
Incis não conseguia nem pensar em ativar o seu Vitalis pelo medo absoluto e mesmo se tentasse, não conseguiria, sua vitalidade estava baixa demais e a fome fazia seu corpo querer desligar por qualquer mínimo esforço.
— A-Argk! Urghn! Unghmhm... — O garotinho loiro caiu no chão se retorcendo com uma tosse sem fim enquanto seu corpo frágil sob o piso gélido e branco se refletia nas pupilas carmesins sem vida de Lumakina. — Uh... — Sua tosse sessou, enfim seu corpo parou e os olhos azulados do pobre garotinho perderam o brilho.
“Ele morreu, eu tenho certeza, ele está morto, nós vamos morrer, fomos sequestrados, vamos acabar assim, nós vamos...”, Incis mordeu o lábio começando a chorar.
Palma! Palma! Palma! Palma! Palma!
Lumakina batia suas mãos com os olhos fechados e uma face sem expressão.
— Bravo, foi realmente estonteante ver uma vida se esvair assim tão de repente, mas ao mesmo tempo tão rápido. — Lumakina sorriu de forma cruel, um de seus dentes pontudos expostos. — De qualquer modo vamos ao que interessa, pequeninos, de agora em diante eu sou sua nova mãe e essa é a cerimônia do Vermiculus Lunae. Desde já peço perdão pelo clima pesado, vou pedir que meus subordinados recolham o pobrezinho que cedeu antes mesmo da cerimônia, tenham uma boa refeição.
Lumakina sorriu vilmente no que vários soldados saíram de uma porta de metal que se abrindo fez um som de engrenagens se movendo se expandir pela espaçosa sala branca.
Pratos embalados em um plástico transparente foram deixados diante de cada uma das 35 crianças que sobreviveram até o momento, não se sabia muito do que estava acontecendo, apenas que esse tal Vermiculus Lunae era um tipo de... teste?
A luz prateada das lâmpadas oscilou sob as pupilas douradas de Incis quando um dos homens revestidos por um traje negro e armaduras brancas com luzes Neon, se ajoelhou diante dela e por ventura deslizou o prato de comida sob o chão até bater no pé dela.
— Comida. — Murmurou a garotinha fungando entre suas lágrimas.
O resto das crianças, que consequentemente tinham aparências diversas com características das raças de Mythland, começaram a rasgar o plástico dos pratos e a pegar os talheres que vinham junto.
A face de Incis avermelhada pelas suas lágrimas e as olheiras cinzentas.
“Como eles estão simplesmente comendo assim? Nem sequer sabem o que tem nessa comida, mas c-cheira tão bem.”, pensou ela com uma expressão de descontentamento.
Incis se espantou quando avistou um pouco mais distante outra criança caída diante de seu prato de comida, sua mão se estendia para alcançar o alimento, entretanto ela parecia incapaz de sequer se manter de pé.
Um pequeno chifre vermelho dividia a franja carmesim de seu cabelo curto, era uma garotinha Daemon?
Impossível, essa raça havia sido extinta a milhões de anos quando o lorde dos demônios Ishkur foi selado no abismo perto da costa de Seraph.
Olhando a sua esquerda Incis avistou um menino com um tom de pele acinzentado e algumas pequenas escamas também, parece que muitas raças foram reunidas aqui.
Talvez essa mulher fosse realmente muito poderosa.
— Por que não para de analisar os possíveis fracassos ao seu redor e se concentra no seu sucesso, pequenina Katulis? — A voz brincalhona, porém ao mesmo tempo perversa de Lumakina caiu sob Incis fazendo-a sentir um calafrio.
O rosto pálido e os lábios rosados de Lumakina, aquelas pupilas cor de sangue profundas.
“Estou com medo, mas talvez eu precise ser forte e jogar o jogo deles, sejam quem for... vou sair daqui e descobrir o que aconteceu.”, Incis ponderou do fundo de sua alma ao se ajoelhar e pegar o prato de comida.
O som da comida sendo mastigada pelos dentes se aproximando um do outro em uma sede insaciável por nutrientes, o organismo se reabilitando depois de sofrer por falta de energia.
Ao redor das 35 crianças estava uma sala branca com beliches, banheiros e alguns armários metálicos e no final da sala havia um grande elevador com grades ao seu redor, ao lado da estrutura estava um pequeno monitor com um teclado de 8 dígitos.
— Sejam bem vindos, pequeninos, esse é o Dormitório.
A voz de Lumakina era quase que engolida pelo som das crianças famintas devorando a carne e os legumes.
Lumakina deu um pequeno suspiro antes de dar as costas para os pequenos, assim deixando os cavaleiros negros sob sua mercê.
Foi então que a atenção de todos foi roubada pela voz suave que se lançou sob a mulher de olhos carmesins e seu sorriso.
— Terminei, senhora Lumakina.
— Hm?
A mulher se virou para as crianças novamente enquanto os soldados permaneceram curvados diante das crianças.
Passos. Passos.
Lumakina virou e caminhou até a criança com a mão levantada. — Isso é um chifre mesmo? — Ela cutucou o espinho avermelhado saindo da testa da garotinha. — Que amorzinho, você realmente terminou de comer tudo, é realmente incrível como o organismo de qualquer raça consegue digerir uma carne se ela for bem preparada. Qual o seu nome, pequena?
A garotinha com seu chifre saliente deu um passo para trás quando um calafrio correu pela sua espinha antes dela responder de forma não muito confiante: — Kyra... eu sou Kyra Zylliun.
— Compreendo. Bom, é compreensível que você consiga digerir essa carne tão rápido, dizem que o estômago de um descendente distante dos Daemon é capaz de triturar a carne humana até mesmo crua.
Os olhos vermelhos de Kyra se arregalaram.
Lumakina sorriu com uma face brincalhona.
— Enfim, não é como se isso fosse algo tão alarmante, pequenina Kyra. Estamos criando seres perfeitos aqui, então aqueles que pereceram logo ao chegar tinham que ser descartados de alguma forma, apenas agradeça por dessa vez, a carne deles estar tão bem preparada, porque a partir de agora... será sucesso ou morte.
— A-Aqui! — Outra criança levantou sua mão. — eu comi tudo, p-por que sou forte, o-o meu nome é A-Akira.
[Incis]
Meus olhos lacrimejando, o corpo estremecendo e o suor escorrendo.
Foi como daquela vez a 8 anos atrás, quando conheci Akira e aquela garota com um chifre.
— Uhhghn... ghhhn! — Selei meus dentes firmemente ao redor da lâmina dentro da minha boca.
Grim estreitou seus olhos esverdeados para mim forçando sua Katana para dentro da minha garganta. — Usando suas últimas esperanças pra se livrar do próprio destino de novo, que lástima.
“Não, não é só isso, não estou usando um ultimo raio de esperanças apenas pra sobreviver. Quando comemos aquela carne, quando digerimos a vitalidade das crianças que morreram naquele experimento de merda, eu e aquelas garotas... nos tornamos iguais e por causa disso, por causa disso que eu pude fugir no final, elas foram as responsáveis também, elas não eram comuns assim como eu também não sou.”
Suuush!
Puxei meu corpo para trás como se estivesse submergindo do mar. O cabelo longo dançando com o movimento.
Minha mandíbula estremeceu com a lâmina entre meus dentes pontudos arrancando a Katana das mãos de Grim subitamente
— Tem noção do que está fazendo, não é? — Ele me perguntou com uma face séria.
Foi então que eu apenas me ergui de cima de seu corpo soltando a espada entre meus dentes.
O som do metal afiado batendo no chão.
— No fim, permaneço intacta. Você fala como se eu fosse um problema, como se a única falha no mundo fosse eu, quer saber, velhote do caralho... — Fixei meu olhar nele que se apoiou no joelho para se levantar. — Eu só estou aqui agora pelo sacrifício de muitas coisas, seja das crianças que morreram naquele experimento, seja pela sua escolha de merda ou por aquelas duas garotas.
Tum!
Meu coração bateu firme, o sangue sendo bombeado cada vez mais rápido pelas minhas veias.
— Kukuku! Você está fora de si, não compreendo mais nem uma palavra sua.
O rabo de cavalo prendendo o cabelo castanho e longo de Grim ondulou levemente quando ele se levantou por completo.
— Não importa pra mim, nada disso importa mais, porque mesmo depois de tudo eu aceitei quem sou, meus problemas nunca vão definir como minha alma é.
Frente a frente com meu oponente, nossos olhares se cruzando e o ar denso ao nosso redor.
Chega de se lamentar, se eu continuei viva até esse momento é por que houveram sacrifícios necessários, perdi pessoas valiosas pra mim e quase abandonei minhas próprias virtudes, mas no fim esse era o meu Réquiem, minha alma mesmo depois de tudo ainda era imaculada.