Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Alma Imaculada

Capítulo 60: Caos Interno

 

[Jack Hartseer] 

 

As duas adagas rasgando o ar enquanto meus braços balançaram em um movimento violento.  

Corta! Corta! Corta! 

Minha respiração ficou cada vez mais pesada à medida que os Goblins avançaram. 

 Eu pouco me importei já que estive aos poucos decorando seus padrões de movimentos, esse perrengue todo estava servindo de alguma coisa. 

Lutando na entrada de um pequeno acampamento eu me vi como um grande Pro-Player em algum jogo prestes a solar um Boss. 

Um Goblin azul pulou pela direita e sem hesitar se lançou contra mim com uma sua pequenina adaga no mesmo instante que outro Goblin arrancou em minha direção com uma lança. 

Meu corpo se moveu em puro instinto pulando a pequena cerca de madeira ao lado antes de jogar toda sua tenção no inimigo. 

“Agora!”, arregalei os olhos captando o movimento brusco feito pelo Goblin de lança.  

Dei um pulo pra direita quando lancei a Moon Blade contra a pedra afiada na ponta da lança.  

Um tintalho somado a faíscas eclodiu entre as arvores. 

Vuuush! 

O Goblin azul era mais ágil e esperto que os verdes e por causa disso tive que fingir não o ter visto avançar pelas minhas costas.  

— Previsível demais. — Declarei virando a ponta da Sanguis Blade ao contrário com um giro leve pra trás. 

Minha capa rasgada balançou pra frente em conjunto ao movimento rápido que fiz. 

No fim a lâmina afundou diretamente no olho do monstro.  

Ploft! 

O sangue espirrando, um gemido destorcido de agonia foi a última coisa que o pobre Gran Goblin azul pôde deixar. 

[Você eliminou 1 Gran Goblin!] 

[Recebeu 150 Ranking Points!] 

Os ventos foram rompidos ao meu lado de forma brusca. 

A ponta da lança de antes perfurou em minha direção no que eu apenas puxei a Sanguis Blade pra frente levando junto o cadáver do Gran Goblin que acabei de matar.  

A que ponto cheguei? Usando um corpo como escudo.  

A pontiaguda lança do oponente se enterrou sob o peito do monstro pendurado na Sanguis Blade, minha última abertura. 

Com um puxão eu joguei o corpo do Goblin fincado em minha adaga para longe e consequentemente a lança que o perfurou também foi junto, assim desarmando o último Goblin por completo. 

O monstrinho verde grunhiu ao ter sua arma arrancada de si antes de ver um fragmento distorcido de meu ataque em sua direção. 

— Não tem dó nem do próprio amigo? 

Minhas últimas palavras vieram acompanhadas da arrancada que dei ao cruzar meus dois braços ferozmente. 

Minhas adagas ficaram lado a lado por um breve instante até que... 

Corta! 

Elas passaram uma pela outra como uma tesoura. 

Um corte cruzado entre as lâminas que reluziram por um breve segundo ao passarem pelo pescoço frágil da criatura.  

Guaaargh! 

Sangue esguichando grotescamente, o último grito de dor retorcido do inimigo e minha adrenalina cessando por completo. 

[Você recebeu 250 Ranking Points!] 

No fim silêncio foi o que sobrou na frente do portão de madeira do acampamento de Goblins, a brisa calma que bateu sob os arbustos e copas das arvores emanou farfalhos calmos perante minha figura totalmente encharcada de sangue e suor. 

A diferença de peso entre a Moon Blade e a Sanguis Blade ainda eram um impasse pra mim e em alguns casos eu utilizava a Sanguis Blade mais pra defesa do que pro ataque por ser um pouco mais pesada. 

De qualquer modo ter uma segunda adaga me deu um pouco mais de segurança, sem contar nos equipamentos que consegui e nas coisas que descobri sobre meu Vitalis. 

“Parece que eu realmente tô pegando o jeito, nem mesmo sinto tanto repulso com essas coisas agora.”, murmurei internamente dando um suspiro e observando os corpos decepados dos Goblins que enfrentei.  

Ainda era difícil acreditar que alguém como eu estaria se virando em tal situação, lutar assim, sozinho e com o receio da morte sempre fazendo um frio em sua barriga, isso era estar em perigo?  

No fim eu nunca tinha imaginado que algo do tipo poderia ser tão solitário. 

Tirar vidas mesmo que fosse de monstros me deixava inquieto, será que eu estaria me tornando frio de alguma forma? 

— Acho melhor não pensar demais.  

Balancei minha cabeça ignorando as lembranças terríveis das lutas anteriores pra no fim, dar um passo adiante adentrando o acampamento. 

A estranha luz carmesim que vi nos céus escuros quando subi a torre mais uma vez era visível, porém dessa vez ela banhou tudo com uma luz suave. 

Cabanas se estendiam ao redor de uma grande fogueira, tudo parecia quieto, quieto demais até 

Sem hesitar eu me esgueirei em um dos arbustos que havia atrás de uma cabana perto da entrada.  

“Aqueles no portão eram provavelmente os guardas, o resto inteiro do acampamento devia ter se alarmado.”, ponderei franzindo as sobrancelhas.  

Dando uma pequena espiada pela beirada da cabana eu vi.  

— Merda. —  Voltei pra dentro do arbusto em puro pânico. 

Passo! Passo! Passo! Passo! 

Um som pesado rugiu pela terra em intervalos pequenos, era ele o Orc de antes, ele quem deve ter feito esse acampamento ter ficado tão calmo, talvez matou todos os Goblins, porém não havia corpos. 

“Droga, droga, droga, droga!” 

Meus dentes se afundando no meu lábio inferior, eu me encolhi em meio aos galhos e folhas.  

O coração palpitando e a respiração falhando.  

O som ficou extremamente próximo. 

As pedras e galhos vibraram uma, duas, três vezes... até que pararam. 

Mhmmm. 

Um som de baforada, ele estava farejando. 

 A saliva descendo por dentro da minha garganta enquanto meu olho se arregalou de dentro das folhas, pude ver a pelagem marrom da bota de couro que o sujeito trajava, esmagou por completo a cabeça do Goblin que matei. 

Cada fio de cabelo do meu corpo se levantou quando o leve frio na barriga se transformou em terror completo.  

Depois de tudo o que passei, depois de todo o esforço eu estaria novamente tentando fugir, o quão covarde eu era afinal?! 

Passo. 

Outro passo ressoou estremecendo meu corpo e o solo na medida que uma brisa suave e solitária percorreu entre as arvores e cabanas. 

“E agora?”, congelei em uma dúvida eminente. 

Foi então que de uma hora pra outra uma entonação retorcida e de tom grave caiu sob os arredores. 

— HuMaNo, eU sEi OnDe Se EsConde. 

Meu coração bateu firmemente uma última vez me fazendo congelar por completo.  

Impossível, era só coisa da minha cabeça, sim, era o estresse, o medo, eu só tinha escutado errado. 

— HuMaNo FrAcO, ReVeLe-Se AgOrA mEsmo.  

Não, não era um engano. 

“Ele... pode falar.”, meus arredores diminuíram em uma claustrofobia de puro medo e desespero e posso jurar que meus pulmões estavam sendo espremidos por essa sensação que me fez expulsar o ar erroneamente de dentro de mim. 

O suor escorrendo pela minha testa suja de sangue, o sussurro fantasmagórico dos ventos sendo tão perturbador quanto a voz grave e destorcida do Orc. 

Um peso desceu sob cada célula do meu corpo. Isso não poderia continuar assim, o que eu deveria fazer?! 

 

[Zakio Sperr] 

 

A silhueta borrada do que deveria representar meus pais dissolveu em um vão de escuridão.  

A cabeça latejando, a pele ardendo e a maldita cicatriz no meu rosto pulsando em um fulgor ardente, como se um ferro quente estivesse sendo pressionado em cima do meu nariz.  

Nhghh! — Rangi os dentes com as mãos na cabeça. 

Não havia escapatória, eu cedi, soltei minha espada e por isso estava pagando o preço.  

“É por causa disso, por causa dessa fraqueza inútil que eu fui deixado pra trás... que todos me abandonaram!”, meus gritos internos rasgavam as lacunas da minha mente bagunçada.  

Sombras me envolveram somadas a sussurros irritantes. 

É o certo a se fazer, meu filho, sua mãe dará a nós e a todos nesse mundo um futuro brilhante e próspero.  

— Cala a boca! — Lacei um grito para a voz em meio a escuridão que apenas continuou como resposta.  

Meu filho, eu nunca poderia imaginar a possibilidade de algo assim acontecer, eu nunca me separaria de você, sou a sua mãe afinal.  

A voz doce e gentil da minha mãe agora era apenas um som crepitante e chiado, um barulho monstruoso que percorreu pelas sombras até penetrar meus tímpanos como um grito perturbador. 

Minha visão pulsando sem parar, a cada batida do meu coração parecia arder mais e mais.  

“Essa cicatriz, essa dor, essas memórias, tudo foi... culpa dele, não me culpe, eu não tenho culpa!” 

Exclamando dentro de minha própria mente eu cai de joelhos com as unhas quase rasgando o couro cabeludo. 

No fim meus olhos estavam cegos, o breu completo, assim como eu estava por dentro.  

O meu pai, Karkin Sperr, essa foi a única imagem que minha mente conseguia projetar mesmo diante dessa dor interminável, aquele sorriso, aquele dia. 

Eu tentei de tudo, mas no fim a vida da pessoa que eu sempre quis proteger foi tirada de mim, sem eu sequer conseguir fazer algo. 

Foi então que um grito familiar permeou a escuridão em minha direção, como uma mão se estendendo para mim, buscando ajuda. 

— Não, Karkin, por que?! Karkin! Zakio, Zakio!  

— MÃE! MÃE! —  Eu me levantei, me levantei mesmo que essa dor estivesse cicatrizada no meu coração pra sempre, essa maldição. 

Um brilho irradiou no meio do breu. 

Meus olhos arregalando, a dor se intensificando e o corpo tentando não desligar por completo.  

A luz se expandiu extinguindo as sombras que se retorceram como demônios horrendos enquanto soltavam gritos e gemidos de dor pra no fim, se moldar em uma silhueta irradiante com roupas brancas, seu nariz arrebitado e o cabelo escuro com transas onduladas não mentia, era o meu pai.  

O monstro dos monstros, o homem responsável por toda a desgraça em minha vida.  

— Você, vo-você...  

Um nó se fez em minha garganta quando ele levantou sua voz abrindo os braços como algum tipo de santo.  

— Meu filho, a quanto tempo.  

— Meu filho?! Vai pro inferno!  

Tentei avançar na direção do maldito, mas a luz ao seu redor se lançou contra mim. Milhares de mãos reunidas se agarraram firmemente nos meus braços e pernas. 

— Zakio, Zakio Sperr... sabe bem por que eu fiz aquilo, não é? — ele sorriu inocentemente. — Eu não tive culpa, ninguém teve culpa.  

Minhas mãos estavam quase se tornando garras, prontas pra dilacerar a carne viva do homem diante dos meus olhos quando... 

A marca da maldição que eu passei pra você, ela é a prova, a prova viva de que em breve tudo o que fiz terá bons motivos, a morte de sua mãe, ter te exilado. No fim tudo isso faz parte de um bem maior, a Ascenção.  

A prova, aquele papo de Ascenção era tudo uma mentira, mentira essa pra esse puto passar a maldição pra mim, a maldição dessa marca no meu rosto. 

“Matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar, matar!” 

Era por isso que eu odiava isso, odiava esse papo de religião, de deuses, de forças maiores.  

Todas as minhas forças e sentimentos sofreram uma metamorfose de puro ódio e angústia, em uma única vontade que queimou por dentro do meu corpo inteiro com uma descarga de pura fúria.  

Eu vou te matar, Karkin!  

Os olhos ardendo e a cicatriz em chamas sob meu rosto, a marca do caos.



Comentários