Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Alma Imaculada

Capítulo 54: Lâmina Solitária

 

[Jack Hartseer]

 

Meu corpo pulsou em uma dor espinhenta no que minha visão embaçou.

“Essa merda de corrupção mental de novo!”, rangi os dentes me recostando contra a parede de madeira enquanto fraquejava.

Em questão de segundos a escuridão me consumiu e em meio ao breu completo eu me vi novamente frente a frente com o meu Alter ego, Abyssus.

Os olhos dourados a reluzir nas sombras e o meu peito ardendo em uma dor sufocante.

— O-O que você quer? — Perguntei rangendo os dentes para Abyssus que de pés diante da minha patética presença apenas me observou em desprezo.

— Acha que pode mesmo sair dessa situação?

Sua pergunta foi como uma agulhada em meu coração que me fez erguer o rosto com os olhos arregalados.

— Acha que pode mesmo... superar suas próprias limitações sendo que nem confia em si mesmo? — Indagou ele novamente ao abaixar sua face em minha direção.

O vapor âmbar emanando do seu olhar totalmente vazio era a faceta da própria solidão em carne e osso. E eu? Bom, eu só continuei calado diante dessa questão que permeou pela minha mente sem encontrar uma resposta sequer.

Mordi o lábio em frustração.

— Você não é nada Jack, é como um pequeno grão de areia, pra onde os ventos soprarem você será levado e não importa o quanto se esforce pra mudar isso, no fim sempre será forçado a fazer o que não quer.

Ele realmente tinha razão, mas por que?

Foi então que eu tentei me erguer com cada músculo ardendo e torcendo em correntezas de dor. — Mas.... E-Eu tenho que sair daqui, tenho que continuar. Eu não quero morrer, — Me erguendo totalmente eu olhei nos olhos de Abyssus. — T-Tem uma pessoa que se preocupa comigo, que se esforçou pra me deixar vivo até agora então eu... — um nó se fez em minha garganta.

Abyssus apenas se aproximou e torceu seus lábios em um sorriso de malícia. — Quê? Hahaha! — Os dentes afiados dele expostos enquanto sua risada ecoou pela escuridão. — Escute bem o que vou te dizer agora Jack, ninguém realmente se importa com você, o Jack Hartseer nunca teve ninguém ao seu lado e se for pra existir seja como Abyssus ou Jack, ambos só existirão sozinhos.

Meu corpo congelou.

Diversas mãos emergiram do breu completo e envoltas de sombras começaram a me agarrar enquanto sussurros permearam ao redor.

Sozinho, eu sempre estaria sozinho não importa o que acontecesse, não importa quem tentasse me ajudar... no fundo eu sabia que a solidão estaria sempre comigo.

O vapor escuro se intensificando ao meu redor, as vozes gritando em agonia enquanto o olhar reluzente de Abyssus se esvaiu entre os espectros das mãos puxando-me para o abismo.

“Eu... mereço mesmo viver então? Vale apena realmente sair daqui vivo?”, uma questão solitária e longínqua percorreu em meu subconsciente antes de cair em um mar negro de negatividade.

Ao abrir meus olhos enquanto afundava no meu próprio abismo interno eu vi uma adaga atravessada em meu abdômen.

O sangue escorria pela lâmina brilhante preenchendo-a com o tom carmesim fresco.

Minha boca ficou seca e minha respiração pesou, meus batimentos se intensificaram.

Tum! Tum! Tum! Tum!

Antes de conseguir me libertar dessa prisão interna o meu grito de socorro não conseguiu sair, mas fui capaz de voltar a realidade. Meus olhos assustados percorreram os poucos centímetros que o interior dessa torre tinha.

“Tudo bem, eu tô bem.”, menti pra mim mesmo internamente ao me levantar do chão.

Depois de passar alguns segundos encarando a palma das minhas mãos eu tentei ignorar o desconforto no peito e o peso nos meus ombros pra fixar a atenção nas outras duas torres ao meu redor.

Aparentemente os dois devidos vigias de cada uma das torres — os Goblins — ainda estavam em seus postos e não se atreveriam a descer pra investigar os destroços dos companheiros.          

— C-Como eu faço então? — Murmurei ainda inquieto.

Minha cabeça a pulsar em uma dor desconfortável.

“Merda, não consigo mais pensar direito.”, meus pensamentos quebraram quando uma presença familiar caiu sob mim.

Eu me virei lentamente enquanto meu corpo suou frio.

A respiração densa, o coração batendo forte.

Fui perfurado pelo olhar vazio reluzindo em uma cor dourada quando seus lábios sorridentes se abriram. — Achou que eu ficaria só observando de novo? — Abyssus indagou.

O ser diante de mim mesmo que praticamente sendo uma cópia minha continha uma expressão anormal de escárnio ao se aproximar.

— A-Afaste-se. — Sussurrei levantando a adaga que surgiu sob minha mão rapidamente.

— Ei, ei, ei, calma lá amigão, eu só estou aqui pra enfiar uma última coisa nessa sua cabeça de vento.

As sombras acompanharam Abyssus enquanto ele caminhou sorrateiramente em minha direção.

— Se quer tanto assim sair vivo daqui, manipule a lâmina que te faz derramar o próprio desconforto. — Sorriu ele.

— Manipular, d-derramar?

— Sim. Faça seus inimigos sentirem a mesma dor que você sente por meio da lâmina que te trás a dor.

Puf!

O corpo de Abyssus eclodiu em sombras deixando apenas o peso sob mim e uma leve tremedeira. Que loucura, tudo parecia ficar pior a cada segundo.

“De qualquer modo, eu preciso manipular a lâmina que me faz derramar meu próprio desconforto.”, pensamentos me acompanhando enquanto me virei em direção a grande janela da torre.

Os ventos gelados batendo sob mim.

Inseguro eu viajei o olhar sob as duas torres que ainda restavam, uma na direita e outra na esquerda, os Goblins de guarda em cada uma pareciam bem desatentos e apesar de eu estar esgueirado eles achariam estranho não ter um guarda aqui também.

No fim acho que Goblins ainda pensam como Goblins.

Skills.

Ainda confuso eu ativei o menu de habilidades.

[Lista de Skills]

[Manipu Laminae: Manipule sob o ar quaisquer lâminas num raio de 2 metros ou copie os dados de alguma lâmina que você já equipou e conjure-a temporariamente.]

Eu fiz uma careta logo no que meus olhos percorreram a descrição da Skill. Era tão óbvio, mas o medo que senti me deixou tão inseguro a ponto de nem perceber.

“Tudo bem, eu vou tentar isso então.”

Hesitante pelo fato de estar confiando em um conselho do meu Alter ego eu me afastei da janela me posicionando na reta dela.

Um pé pra trás, outro pra frente, foi como recapitular minhas últimas batalhas ou até mesmo o que fiz na sala daquela estátua gigante.

Por fim levantei meu braço posicionando a Moon Blade ao contrário em minha mão direita. 

Skill On... — Meu sussurro foi respondido com o brilho azulado que permeou os meus arredores. — Manipu Laminae!

Zuuush!

Entoando o nome da minha Skill eu lancei a adaga negra em minha mão com todas as forças pela ampla janela da torre.

Um vapor azulado traçou o vazio com a pequena lâmina dividindo o escuro da noite em alta velocidade e assim como eu havia feito na sala da deusa Afradia, tentei ao máximo fixar meu olhar no meu alvo.

— Vai, vai, vai. — A ansiedade me consumindo.

O brilho em cor de safira rasgando o céu da noite se curvou no ar bruscamente no que a Moon Blade girou em linha reta como uma furadeira.

Impacto!

Foi quando a lâmina perfurou ferozmente a superfície de madeira desgastada da torre a minha direita.

[Você perdeu o controle da sua manipulação de lâminas!]

[O limite é um raio de 2 metros.]

— Q-Quê? — Arregalei meus olhos em uma surpresa desagradável.

O som de um metal rígido fatiando a carne ressoou entre as folhas das altas arvores como se fosse um sinal pra mim.

[Você eliminou 1 Tarius Goblin!]

[Recebeu 130 Ranking Points +30 de XP pelo ataque a distância, +30 de XP pelo ataque furtivo.]

“Então deu certo, mas e a minha adaga? Eu não posso mais manipular ela no ar então não daria pra buscar.”

Meus pensamentos foram respondidos quase que instantaneamente.

[Manipu Laminae subiu pro LV2]

[A perícia ‘Lâminas’ subiu pro LV2]

U-Uau, quanta coisa.

Hesitante eu voltei pro menu de Skills pra verificar a minha Skill que acabara de subir seu nível. O brilho azul do painel flutuante reluzindo em meus olhos.

“Caramba.”, pensei impressionado no que meus olhos viajaram pelo texto descrevendo minha Skill.

[Manipu Laminae LV2: Manipule sob o ar quaisquer lâminas num raio de 5 metros, copie os dados de qualquer lâmina que tenha lhe causado 100 de dano ou conjure qualquer lâmina que você tenha em seu inventário para o combate temporário.]

[Lâminas conjuradas para o combate duram 10 segundos.]

— Espera aí. — Levei a mão ao queixo.

Tendo uma ideia eu no mesmo instante me aproximei da janela certificando-me de que o Goblin da outra torre não estivesse em alerta.

O pequenino não estava mais lá e nisso um pânico floresceu dentro de mim.

Apesar de tudo eu ainda estava em uma zona de perigo e qualquer cuidado seria pouco, então sem hesitar eu ergui minha mão pra fora da janela antes de cochichar: — Skill On: Manipu Laminae.

Brrrr!

Vibrações somadas a pequenas linhas reluzentes dispararam da minha mão e percorreram pelo ar traçando o trajeto que minha adaga fez.

Em um piscar de olhos a Moon Blade emergiu de dentro da torre que a lancei curvando-se no ar ao rasgar os ventos pra no fim se realocar sob a palma da minha mão como se tivesse voltado no tempo.

— Q-Que bagulho doido. — Encarei a adaga assustado.

Meu ouvido abruptamente captou um grunhido em conjunto a rangidos, era a escada atrás de mim.

“O outro Goblin está subindo!”, me virei em meio a adrenalina súbita pra dar de cara com o pequenino homem verde pulando pra dentro da torre ao alcançar o último degrau da escada.

— Merda! — Me lancei na direção dele com um chute.

O Goblin se esquivou pra direita fazendo-me cambalear pra perto da beirada de onde ele subiu.

O frio na barriga, o coração acelerando e... não, era só um Goblin, eu não podia morrer aqui!

Eu joguei meu corpo pra direita antes de ter as costas agarradas pelo Goblin que sorrateiramente se agarrou na beirada da parede pra não cair ao errar seu pulo.

Se eu quisesse provar pro meu Alter ego que ele estava errado, então sair dessa situação seria um verdadeiro prazer pra mim.

Esse pensamento a me acompanhar quando me virei em direção ao oponente girando a Moon Blade na minha mão.

Ventania!

Arranquei com todas as minhas forças lançando a ponta negra da adaga contra o crânio do monstro o esfaqueando com todo o fervor entorpecente de adrenalina que me restou.

Nyagh!

O som dos ossos e carne sendo esmagados pra no fim serem perfurados pela adaga por completo.

[Você eliminou um Tarius Goblin!]

[Recebeu 50 Ranking Points!]

Sangue espirrou sob meu rosto e punho, mas a essa altura já não importava mais até por que...

— Fazer seus inimigos sentirem a mesma dor que você sente, acho que entendi o que quis dizer, Abyssus.

Mal sabia eu que essa corrupção mental realmente estava me transformando em algo além do que eu pudesse ser, talvez essa minha Skill fosse a real representação de que eu era... uma lâmina forjada pra lutar sozinha e derramar o sangue sem nenhuma piedade, uma lâmina solitária e repleta de rachaduras, realmente dramático.

Mas a essa altura do campeonato eu só limpei o sangue sob meus lábios com um dos pulsos e aceitei que essa poderia sim ser a verdade absoluta.

“Se é assim, eu quero sair daqui pra fazer Melize Hozarik sentir toda a dor que eu senti até agora.”, mordi o lábio em angústia.

Sim, esse era o meu novo objetivo, a mulher que esteve cuidando de mim e se fazendo de inocente, que se denominou com a falsa identidade de Misa Hordrik.



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