Ultima Iter Brasileira

Alma Imaculada

Capítulo 43: Legado

 

— O-Ordem? — Eu apenas permaneci com uma face confusa e hesitante diante dessa proposta duvidosa.

Primeira ordem como recruta da guilda, eu realmente não me lembrava de ter conseguido tanta confiança de Zakio assim.  

Nesse mesmo instante as palavras de um certo alguém permearam em minha mente.

“Você poderá voltar pra casa, mas estará em dívida comigo, terá que nos ajudar a destruir o império com a intercalação entre mundos.”

Como eu havia me esquecido disso? O senhor Kaylleon foi quem me fez uma proposta parecida assim que cheguei em Leycrid, ele realmente apostou tudo em mim, mas espera...

— Então isso quer dizer que... — Eu ergui a face para Zakio ao juntar algumas peças em minha mente.

“Será que ele havia passado seu desejo para os outros membros da guilda?”

Foi um pensamento meio avulso de uma conclusão não muito confiável, mas era possível.

O senhor Kaylleon poderia simplesmente ter ordenado Zakio ou outros membros para me recrutar em algum momento, talvez ele já tinha tudo isso em mente.

— Parece que você ainda não ganhou a coragem que precisa, mas o que quero dizer aqui é que você não deve ficar pra trás também, — Zakio deu as costas pra mim. — Não me entenda mal, eu não tenho nenhum respeito relacionado a você, é só uma questão de necessidades devido a nossa situação atual. — completou ele com um tom arrogante.

Renard ao meu lado, apenas deu um sinal para mim balançando sua mão com uma face serena, talvez indicando que eu não devia ligar tanto para as palavras espinhentas do tal capitão Zakio.

“Ele sempre foi um merda mesmo.”, pensei dando um suspiro desagradável.

Deixando isso de lado, não faria muito sentido, Kaylleon não teria como prever que tudo aquilo aconteceria em Leycrid, sem contar que eu não era tão importante assim pro velhote ordenar que me recrutassem alguma hora, Incis inclusive queria que eu ficasse vivendo na mansão Blazeworth, ela não iria contra o próprio pai.

Minha mente se tornou um caos em poucos segundos.

O silencio do corredor vazio da Dungeon, a luz florescente dos cristais no teto e um leve suor escorrendo pela minha pele. Eu fiquei sufocado.

— Precisa de ajuda? — Renard me deu uma mão, seus olhos prateados com um olhar calmo e sua franja pontuda escondendo a ponta do nariz.

Zakio apenas continuou em silencio com suas costas viradas para nós, seu grande sobretudo carmesim batia atrás dos joelhos enquanto suas ombreiras de metal negro eram banhadas pela luz.

Eu dei um suspiro.

“Merda, se eu recusar simplesmente vou ser deixado aqui pra morrer?”, dúvidas se misturavam dentro de mim.

Só não fazia sentido. No fim mal parecia uma escolha, eu não tinha uma escolha na verdade.

Meu corpo lentamente se ergueu do chão, consegui dessa vez me levantar sem problemas, creio que seria efeito da poção que Renard me deu, acabou me dando um bônus de recuperação pra Stamina afinal.

O lanceiro, Renard, fez uma face meio surpresa quando eu levantei a voz.

— B-Bom, eu ainda não acho que entrar pra guilda seja o que e quero, não sei o que planeja me fazendo esse pedido estranho, Zakio..., mas por hora eu acho que vou aceitar essa sua ordem.

Silêncio. Essa foi a única resposta que tive.

O espadachim ruivo com cabelo espetado apenas começou a caminhar adiante no corredor repleto de circuitos brilhantes.

Passos. Passos. Passos.

— Parece que o capitão Zakio está ganhando seu respeito, garoto.

Renard cochichou isso pra mim no que eu apenas comecei a acompanhar Zakio.

“Não é isso, Renard. É só uma questão de necessidade como ele mesmo disse.”, foi o que eu queria ter dito a ele, mas isso só ficou como pensamento intrusivo mesmo.

Os nossos passos a ressoar pelos corredores sufocantes enquanto o mar de pensamentos me preenchia.

Ele tinha dito que eu não deveria ficar para trás, sendo que o mesmo naturalmente já demonstra não gostar da minha pessoa, Zakio estaria... fazendo um favor por Incis ou algo assim? Não pra entrar na guilda, mas para me proteger, pensando assim até que faria sentido.

— Essa é uma possibilidade. — Murmurei pensativo para no fim ver Zakio cessando seus passos.

— Algum problema capitão? — Renard passou por mim.

— Sim. E é um problema dos grandes.

Quando Zakio fez essa afirmação nós nos deparamos com 3 bifurcações e uma delas estava fechada por um tipo de porta dupla.

Podíamos seguir para direita ou esquerda, sendo que também poderíamos tentar entender do que se tratava a porta que ocultava o que encontraríamos se seguíssemos em frente no corredor.

“Um labirinto, como pensei.”, comecei a ficar tenso.

Renard deu um passo afrente e olhou para os dois lados, ele voltou o olhar para nós e apenas deu de ombros meio confuso.

— Não parece ter nada dos dois lados, capitão.

— Hm. — Zakio levou a mão ao queixo antes de ir em direção a porta. — Que merda, odeio Dungeons.

Foi então que vários pixels brilharam no meu campo de visão, eram os painéis reluzentes novamente.

[Porta do 1º andar.]

[Estado: Trancada]

[Essa porta não possui um item para abri-la, para isso é necessário a conclusão de uma provação.]

— Provação... — Observei o painel flutuante sentindo uma pequena ansiedade cair sob mim.

 

[Layaka]

 

A caverna parou de tremer e quando eu abri meus olhos novamente tudo estava obstruído pela batalha, exceto pelo ponto de ignição no centro da caverna.

Ventania!

O portal nebuloso de cor obsidiana girou como um tornado se tornando uma esfera que irradiou uma luz destorcida capaz de iluminar tudo ao seu redor.

No fim o portal eclodiu, o som impactante junto dos ventos sendo quebrados foi quase como uma bomba explodindo o vidro.

Meu corpo tremendo, os olhos lacrimejando e o coração acelerado.

Eu sabia que algo havia mudado, mas eu não tinha nem mesmo um Vitalis ou um Aether pra início de conversa, com isso minha alma não tinha conexão com o S.I.S, não teria como eu ter acesso a informações tão detalhadas assim.

— S-Senhorita... Layaka.

Incis levantou sua voz em um tom fraco.

Eu fiquei paralisada, tudo o que eu tinha visto até agora parecia mentira. Incis derrotou a besta Aers Arac de modo brutal usando uma força bizarra e Skills que eu nunca tinha visto, sem contar que o ponto de ignição simplesmente se extinguiu sem mais nem menos.

Passos. Passos.

Incis desceu de cima do cadáver destroçado da aranha gigante, seus passos lentos eram tão frios quanto o olhar em sua face.

“Ela não é Rank C nem em outro mundo!”, mordi o lábio em desespero.

A voz dela foi ficando fraca e sua presença avassaladora também acabou se extinguindo, fazendo um peso sair dos meus ombros.

Eu não ousei dizer uma palavra para responde-la, sabe-se lá o que poderia acontecer?

Mesmo assim a mulher de cabelos negros com os trajes da guilda cambaleou e caiu de joelhos no chão, o que me fez franzir as sobrancelhas.  

— S-Senhorita Katulis? — Me levantei um pouco hesitante.

Meu corpo ainda parecia pesado e o medo ainda me fazia tremer, que poder avassalador. Eu me levantei e em minha mão havia algo que eu não deveria soltar nunca, independentemente do quão assustada eu estivesse foi um último presente que o senhor Nidrik deixou para nós antes de morrer.

Mas ignorando isso eu dei um passo afrente para me aproximar de Incis no que meu peito doeu em tristeza, Yon também morreu.

— O-O que houve comigo?

Incis ergueu o rosto para mim ofegando enquanto suava, seus olhos antes carmesins dessa vez haviam voltado a coloração dourada de sempre.

 “Ela parece tão mais calma agora.”, ponderei em alívio antes de me aproximar completamente e ajudá-la a se erguer do chão.

Ainda assustada eu desviei o olhar dela. — Você foi incrível senhorita Katulis, e-eu mal pude entender seus movimentos.

— Hm? Eu fiz algo? — Indagou ela com uma face boba e inocente, fazendo um biquinho.

— É-É claro que fez! Fez coisa demais inclusive.

Que diabos, ela parecia cansada depois de tudo e logo após destruir uma besta poderosa assim ainda foi capaz de fazer uma expressão dessas.

— Hehe... eu não consigo me lembrar. — Ela deu um suspiro ao relaxar os ombros com uma risada sem graça. — De qualquer modo, a Akira está bem? — Indagou com um sorriso fraco.

— Ah! Sim, ela está inconsciente, mas não parece tão mal quanto a senhorita.

— Pare de me chamar assim, eu só tenho 18 anos Layaka. — Zombou ela com seus lábios curvando em um pequeno sorriso.

“Como diabos ela está sorrindo depois de tudo isso? Essa mulher realmente não é normal.”, eu mantive esse meu comentário apenas em minha mente para no fim ajudar Incis a se encostar contra a parede de pedras, próxima de Akira.

Eu ainda podia ver o peito de Incis se inflando e murchando levemente e repetidas vezes, sua respiração ainda falhava muito, talvez aquilo tudo fosse um tipo de Skill Limiter capaz de restringir as armas pra ganhar força. Uma boa possibilidade.

Apesar de não ter um S.I.S já que eu não possuía poder algum, já havia feito pesquisas sobre certas mecânicas envolvendo as Skills dos usuários de Aether e Vitalis.

— Um Skill Limiter é um modo que pode ser ativado abrindo mão de todas as Skills que você tem, assim liberando novas Skills. É como um tipo de transformação ou reencarnação. — Murmurei imersa em pensamentos.

— Parece bem pensativa, que bom que está bem.

A voz de Incis veio das minhas costas no que eu me virei pra ela ajustando meus óculos em insegurança. — É-É, eu só estou um pouco chocada.

— É compreensível.

Incis alisava o cabelo de Akira que estava com a cabeça em seu colo, o olhar solitário dela parecia conter uma escuridão assustadora, isso fez um arrepio correr pelas minhas costas.

Não compreendi muito bem esse sentimento, mas sabia que essa mulher não era uma usuária de Vitalis comum.

“O que diabos é a Incis Katulis afinal?”, cerrei os punhos com essa dúvida interna antes de sentir a pequenina pedra que eu segurava na mão esquerda.

— Hm? — Ergui o objeto o observando mais de perto, me esqueci completamente dessa coisa.

Foi então que Incis rapidamente levou sua atenção de volta até mim, eu vi suas sobrancelhas se arquearem quando seu rosto sujo de sangue verde ficou meio surpreso.

— Uma runa.

— Sim, o senhor Nidrik deixou isso na mão dele, eu só percebi quando ele já estava morto.

Na pequena runa havia um símbolo esculpido, ele reluzia em vermelho exalando um vapor da mesma cor.

Por algum motivo eu sentia minha visão pulsar quando olhava demais pro símbolo que era parecido com um círculo mágico, só que contendo o desenho de um grande olho no meio.

“Talvez seja melhor entregar isso pra ela.”, eu balancei minha cabeça com isso em mente e me aproximei da senhorita Katulis.

Em resposta ela levantou sua mão com um gesto de negação.

— Me desculpe, mas eu terei que me recusar.

— O-o que?

Os olhos âmbar dela se ergueram até minha face fazendo-me prestar total atenção nas suas palavras.

— Quando um usuário de Magatama está prestes a morrer ele pode escolher deixar o fragmento de seu poder para outro usuário futuro, é possível que o senhor Nidrik tenha lhe passado essa habilidade.

 Os lábios corados e sujos de sangue de Incis selaram-se com suas palavras de tom calmo e ao mesmo tempo frio.

— Passar... o poder para um usuário futuro?

Nesse impasse eu senti os meus arredores ficando isolados, meu coração apertando e um frio na barriga.

“Mas eu sou apenas uma pesquisadora, como?”

Será que eu, Layaka Faith, uma simples pesquisadora de 19 anos deixaria de ser uma espectadora do meu próprio mundo, deixaria de ser apenas mais uma garota comum pra me tornar alguém que realmente fizesse diferença onde vivia?

Minha vida finalmente parecia ter ganhado mais cor, como um quadro em branco sendo banhado por um balde de tinta.

Ou pelo menos foi isso que o meu eu interno concluiu.

— Sim, mas antes que você use a runa... gh! — Incis rangeu os dentes em dor quando Akira mexeu um pouco a cabeça sob seu colo. — Pre-Precisamos sair daqui. O S.I.S me alertou que uma interação com o portal foi feita e por isso uma Dungeon foi despertada.

— U-uma Dungeon, então por que o interior da caverna ainda não mudou?

— Eu não sei, talvez isso tenha afetado algum lugar que não seja aqui.

“Não pode ser.”, o medo me dominou com o possível significado da afirmação de Incis.

Eu dei um suspiro pesado e retirei meus óculos limpando o suor no meu rosto pra tentar me acalmar.