Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 7: Brigar Sem Motivo Te Faz Perder Com Razão

Estão todos olhando para nós. Isso é bastante desconfortável, me lembra a época da escola quando eu xingava alguém ou dava um soco na cara de um moleque que me irritou. 

O problema é que isso aqui não é a escola. Está mais para um programa de treinamento de assassinos e o alvo são terroristas e Condutores, ou seja, eu. 

Se eu demonstrar que não sou de confiança podem acabar todos se virando contra mim, daí meu problema será maior que uma garota de cabelos brancos furiosa.

Pego no pulso dela e faço certa força para me soltar. Sua expressão de raiva converte-se em nojo.

— Qual é o seu problema, garota? — pergunto. Ela parece inalterada em sua indignação, mas ouço a plateia soltando suspiros de surpresa, como se eu tivesse dito algo proibido.

— Meu problema? — retruca. — Meu problema é você. Você é um assassino. Não era para estar aqui.

— Garota, eu não faço a menor ideia do que você está falando. Quem me mandou para cá foi aquela tal de Negra. — Ouço ainda mais cochichos se espalhando ao redor. — Olha, meu dia foi bem louco. Será se posso só deitar e descansar, sem precisar brigar com você de novo?

Mais murmúrios. Dessa vez mais intensos. Consigo ouvir alguns bem nitidamente: 

— Ele chamou a Comandante pelo nome?

— Será se ele não sabe com quem tá falando?

— Como assim ‘brigar com você de novo’? Impossível ele ter saído vivo de uma luta com a Chefe.

Ela também parece ter notado, pois diz para mim em alto e bom tom, como se também quisesse falar para todos os outros em volta:

 — Primeiramente eu me chamo Solares. E em segundo lugar, não se refira a Comandante pelo seu nome, isso é desrespeito. E em terceiro lugar, a última vez que briguei com você, eu peguei leve.

A cara que ela faz quando me olha doí no coração. Está tentando me humilhar na frente de todos. Isso é ruim, meu pai dizia que a pessoa que humilha, um dia se torna o mais fracassado.

— Bem… Para seu governo eu também estava pegando leve. Meu pai dizia que bater em mulher era covardia.

— Eu te fiz desmaiar! — Ela está furiosa. É até um pouco engraçado.

Os murmúrios ao redor continuam aumentando cada vez mais que ela me responde.

— Sim, você fez, mas foi injusto — digo com um sorriso no rosto. — Eu estava desarmado e com a guarda baixa. E sem querer ofender, eu não pensei que uma garota podia bater tão forte.

A plateia faz um “Uuuh”, ao menos aqueles que estão mais a frente, assistindo de camarote. Os que estão mais atrás só estão recebendo a notícia agora, mas a reação deles é parecida.

A garota se aproxima de mim com tom de desafio. É da minha altura, logo não pode me encarar de baixo para cima como a Negra. Tem os olhos tão vermelhos que parecem estarem pegando fogo e sua pele não tem um arranhão. 

Não posso julgá-la pela aparência, mas se não fosse o nocaute que me deu mais cedo diria ser uma patricinha.

— Já disse que meu nome é Solares.

Solares. Esse é um nome que combina muito bem com ela. Na verdade, a maioria dos nomes têm algo a ver com a cidade em que você nasceu. Solares poderia ser um nome tipico da Solar City, do Distrito 2, mas duvido muito que existam pessoas com cabelos brancos por lá.

Os albinos costuma ser do Distrito 6, um lugar que dizem ser totalmente climatizado e que ninguém pega sol, por isso o povo é praticamente transparente. São super inteligentes e dificilmente se encontra um com um temperamento forte, excluindo totalmente a possibilidade dessa garota ser de lá.

De qualquer forma, o nome Solares é interessante, embora genérico. Posso brincar um pouco com ele.

— Tá bom, Sol. — Acabo de dar um apelido a ela. — Só para de me olhar assim, te acho mais bonita quando está normal. 

Agora os murmúrios viram conversas, que logo vira escândalo. Não foi minha intenção, eu só falei o que veio na mente. 

— Seu… — Ela parte para cima de mim.

Seu primeiro golpe é um soco que evito empurrando o seu braço para o lado. Ela se recompõe e tenta me acertar outro, que passa a centímetros de distância do meu queixo.

Ela foi muito bem treinada, isso eu tenho certeza, mas será se conhece as artes da rua ou só conhece coreografias?

Conforme ela continua avançando, tentando me acertar um soco, dou uma rasteira. Ela salta para trás. Fica um pouco perdida no que fazer, ao menos é o que parece. 

Ash está bem atrás dela, sentado no nosso beliche, de boca aberta. Sol, ainda parecendo perdida, olha de um lado a outro como se procurasse por algo. 

Ela achou, com certeza, mas não estou gostando nada disso. A garota olha para a minha cama de cima e vê o meu taco. 

— Ei! Nem pense nisso…

Tarde demais. Ela puxa o cabo da cama, não espera pelo peso e acaba se desequilibrando. A ponta do bastão bate no chão com força. 

— Larga isso — digo adotando um tom de ajuda. — Você pode se machucar, ele é pesado. 

Sol parece parar no tempo. Me olha com uma expressão tão incrédula que chega a ser engraçada. Isso dura pouco. Agora ela está erguendo o bastão com a ajuda das duas; meio desajeitado, eu diria.

Agora com o bastão erguido ela corre na minha direção para me matar. 

— Calma! — Eu desvio jogando o corpo para o lado. — Calma aí! — Desvio novamente e algumas outras vezes. 

É fácil, já que ela está fazendo movimentos muito abertos. Essa é a desvantagem do bastão de metal do meu pai. 

Não teria problema em continuar, mas alguém pode acabar se machucando.

— Já chega, garota! — grito.

Seguro o bastão com uma mão e não largo. Ela tenta soltar, mas sou um pouco mais forte. Isso não adianta, terei de ser mais persuasivo.

— Eu já disse… — Começo a concentrar a energia do meu corpo em alguma direção. — Já chega! 

Sinto arrepios e um formigamento. Só então percebo que alguns pequenos raios saem da minha pele. 

A garota solta o cabo do bastão e se afasta. Não teria motivo para fazer isso já que o cabo é de borracha, mas até que entendo. 

— Você me atacou — diz ela. 

— O quê? Não! Foi você que me atacou, garota. 

— Você é um Condutor! Está aqui para matar todos nós! Não vou cair nessa conversa!

Antes que eu consiga retrucá-la, a porta do dormitório se abre e um daqueles soldados todo de preto entra. 

— Líder Solares. — A multidão desvia do caminho, dando passagem para o guarda. Mas não é ele que passa. — A Comandante está lhe chamando.

Todos olham para a garota de cabelos brancos e esperam alguma reação. Parece irritada, depois sua expressão vai mudando aos poucos. 

Respirando fundo e com passos pesados, como se o chão tivesse feito algo contra ela, Solares acompanha o soldado. 

E quando a porta se fecha, eu sou bombardeado com olhares. 

— É verdade que você é um Condutor? — pergunta Ash, se aproximando. 

É, isso vai ser um saco.



ϟ SALA DA COMANDANTE ϟ

 

A sala estava tranquila. Estava. Tudo em seu devido lugar, as estantes cheias de arquivos, limpas. A mesa em formato de meia-lua agora completamente organizado. 

Negra estava satisfeita com a ordem de sua sala, estava, enquanto aguardava a chegada de Solares. Claro, a tranquilidade “estava”, mas assim que a garota de cabelos brancos chegou, foi embora. 

Abrindo a porta com um empurrão, a Chefe dos Recrutas andou com passos pesados até a mesa da Comandante. Assim que chegou perto, bateu com às duas mãos em cima da mesa.

— Posso saber o que um Condutor faz no dormitório? Livre? Sem nenhum guarda?

Negra, que mesmo sentada ainda era maior que Solares, continuou em silêncio por um tempo, ponderando o assunto em sua mente. 

— Querida — disse ela enquanto pegava um cubo mágico e estendia para a menina. — Não deixe a raiva lhe controlar. Use-a como força para…

— Para o verdadeiro inimigo! — gritou, estendeu o braço e arrancou o cubo mágico de suas mãos. Depois ficou brincando com ele, com intensidade e andando de um lado a outro, nervosa. — Mas ele é um Condutor. Ele é um inimigo. O que ele faz aqui? Que ideia foi essa? 

— Fique tranquila, o recruta Kaike não apresenta nenhum risco a nossa instalação. Estamos de olho nele. 

— Ele quase usou o poder dele em mim! 

— Não — corrigiu. — Foi você quem procurou briga com ele para início de conversa. Ele que deveria estar aqui tirando satisfação comigo, não você. 

— O quê? Ele ia me fritar! 

— Talvez. — Sua voz sibilou como um uivo, arrepiando a nuca da garota. Negra levantou-se e andou até ela com passos firmes e graciosos. — Porém tudo seria evitado se você, Chefe dos Recrutas, não tivesse provocado uma briga desnecessária. 

Negra era alta o suficiente para impor medo em qualquer um. Solares encolheu os ombros, embora soubesse que nada de ruim iria lhe acontecer. 

— Se acalme — falou, enquanto pousava as mãos sobre os ombros da garota e fazia uma massagem. — Está tudo sob controle e seguindo conforme o planejado. O Kaike será útil para nossa causa. 

— Mesmo assim — murmurou Solares — ainda não confio nele. 

Negra deu um leve sorriso. 

— Se está duvidando da minha palavra, não me resta escolha. Remi! 

— Sim, Comandante? — falou uma voz que parecia vir de todos os lugares da sala. 

— Preciso que monitore o recruta Kaike. 

— O Condutor? Aquele do Distrito 2? Excitante!

Ouviu-se o som de mecanismos e o desligamento imediato da maquina. Então um pequeno buraco na mesa da comandante se abriu e revelou um relógio digital.

— Olá! Eu sou o Remi, versão relógio eletronico! — diz a voz robotica. — Transferi todos os meus dados para este dispositivo. Minha inteligência está 100% presente aqui e em mais nenhum lugar. Coletarei dados e informações a respeito do Condutor Kaike e disponibilizarei para a Comandante, ou qualquer outro membro de quatro estrelas, se por acaso a informação for solicitada.

Negra pegou o dispositivo e deu na mão de Solares. 

— Isso já deve ser o suficiente. Agora, não tolerarei outra atitude assim, Chefe. Se souber que perdeu a compostura mais uma vez, terei de repensar sobre o seu cargo. Estou sendo claro? Aja como a Chefe Solares que eu conheço. 

A garota de cabelos brancos olhou para a mulher e por um instante sentiu que nunca chegaria aos pés daquela grandiosidade. 

Pensar nisso a deixou frustrada, porém ela se controlou. E a frustração era tão grande que deixou escapar em forma de lagrimas.

 

ϟ REFEITÓRIO ϟ

 

Ando em direção ao refeitório, é hora de comer. Estou seguindo o Ash, o único que parece interessado em mim após saber o que sou. Os outros mantêm distância.

Desse jeito é bom porque não terei de fazer amizade com muita gente. O que é ruim, porque se não são meus amigos, o que são?

— E você consegue voar? — pergunta Ash pela terceira vez. 

— Já falei que não sei. Esses poderes são novos para mim.

Ele insiste em saber mais sobre meus poderes, e eu só queria umas informações de onde estou me metendo. 

Na realidade, quando penso em fazer uma pergunta ao Ash é mais para saber sobre a Sol. Ela tem um olhar de raiva, mas tem algo mais profundo ali. E eu quero saber o que é.

— Deve ser maneiro ter esses poderes, não é, não? Tipo, você pode soltar raios e tudo mais…

— Tá, Ash, para de perguntar sobre mim. — Perguntar direto sobre a garota pode fazer ele me interpretar errado. — Explica onde eu tô. 

— Você não sabe? — Ele fica na minha frente, andando de costas, o rosto aceso de curiosidade. — Tipo, você veio para cá sem nem passar nas provas? 

Esse cara é muito elétrico. Seria um melhor Condutor que eu, sem dúvidas. Mas faltam alguns parafusos na cabeça dele. 

— Não, Ash — digo em um suspiro. — Me fala sobre essa prova. Sobre o lugar que eu tô. 

— Tá, mas, você não sabe nada mesmo…? Uuoou!

Ele tropeça nos próprios pés e começa a cair. 

— Ash! — Eu seguro seu braço, mas tenho a leve impressão de que ele não iria cair. Mesmo assim brigo com ele: — Presta atenção a onde você anda! 

Alguns que passam ficam rindo. Eu não me importo com os comentários, já meu novo colega ficou vermelho igual um tomate.

Ajudo-o a levantar e checo se ele se machucou. 

— Eu tô bem, calma aí. Parece minha mãe. Au! — Dou um tapa na testa dele. — Pra que isso?

— Sorte sua que não sou. Agora anda direito e me fala o que sabe.

— Tá bom, tá bom! — Ele segue caminho, agora prestando atenção por onde anda. — Olha, você está no Distrito 1, onde fica a base de quem é classe S. Só tem aqui. A gente não sabe exatamente onde é, porque eles meio que escondem o caminho. Eu acho meio estranho isso, tipo, falta de confiança no próprio pessoal não cria rebelião ou coisa do tipo…?

— Ash, não enrola. — Dou um leve empurrão em suas costas. 

— Certo. Para ser um S você tem de tirar nota máxima no Exame Nacional.

— Esse não é o vestibular para trabalhar em classes mais altas? 

— Sim, sim.

— Estranho. — Passamos pela porta de entrada do refeitório, aqui é bem cheio. — Eu conheço uns que tiraram nota máxima. Mas eles não são S. Meu irmão é um exemplo disso.

Pego minha bandeja, uma colher e uma faca. O Ash quase ia entrando na fila sem os dele. 

Enquanto aguardamos ele vai me contando um pouco mais sobre a prova e ao mesmo tempo começo a sentir que tem alguém me observando. 

— É que depois da prova tem outra prova especial, só para quem tirou nota máxima. E nessa você tem que tirar uma nota razoável para ser convidado a participar de um projeto secreto. Lógico que antes você assina um monte de papelada. É uma burocracia chatíssima.

— Hm. 

Se as provas são tão difíceis assim, isso significa que todo mundo aqui está capacitado, diferente de mim, que a única coisa que me torna válido são meus poderes. 

Se eles descobrirem que sou um completo zé ninguém, que não terminou nem o ensino básico direito, minha reputação cairá.

As duas opções me desagradam. Não quero confusão com ninguém, então o jeito é fazer eles terem respeito por mim. O problema é que falar é fácil. 

— Credo, que coisa horrível — diz olhando para o prato dele. — Ei, é verdade que você já tinha brigado com a Chefe Solares antes? 

Finalmente o assunto que quero chegar. 

Saímos da fila e vamos nos sentar com as bandejas cheias de uma gororoba estranha. Não reclamarei, sei como é passar fome.

— Sim, mas eu não sabia que ela era tão forte e acabei subestimando ela. O resultado foi desmaio e dor de cabeça. 

— Subestimar a Chefe? Só se você for louco. Não viu o olhar do sanguinário dela? Tenho é medo.

— Por que ela te dá medo? Vocês tem praticamente a nossa idade. 

Olho para os lados à procura de algum observador. De fato tem muitos olhares direcionados a mim. Se for só um bando de curioso, então por mim tudo bem. 

Volto a prestar atenção na conversa do Ash. Já estou quase terminando o meu prato e ele ainda nem tocou o dele.

— Porque ela é a Chefe dos Recrutas. O que significa que ela é melhor e mais capacitada do que todo mundo aqui. Ninguém vence ela. Fora que ela tirou nota máxima em todas as provas do exame para ser classe S. — Ele empurra a bandeja para mim. — Vai querer?

— Me dá — digo enquanto despejo o conteúdo do prato dele para o meu e começo a comer. 

— Você é um selvagem. 

Dou um sorriso.

— Mas e aquela raiva dela? — pergunto. — Aquilo é normal? Quando olhei nos olhos dela parecia que… Não sei, parecia que ela estava sofrendo só de me olhar. Fiz algo para ela?

Encaro os olhos dourados do meu colega de beliche. Ele parece bem abalado, como se soubesse o motivo. Sim, esse daí sabe de algo.

— Olha… Não é todo dia que a gente vê um Condutor aliado… — começa com tom de desculpa, mas de repente: — Kaike! Cuidado!

Olho para trás e vejo um cara alto e muito forte logo atrás de mim, pronto para me acertar com uma bandeja na nuca. 

Rapidamente eu me levanto, viro e seguro a bandeja. Arranco ela de suas mãos e a empurro contra sua barriga, o fazendo se contorcer de dor. 

A posição que está é perfeita. Seguro sua cabeça e a enfio na minha bandeja cheia de gororoba. 

— Gosta disso, seu…!

Ele me acerta no queixo com o cotovelo, me fazendo bambear para trás. Depois avança em minha direção como um touro, com o rosto todo melado de comida, e me levanta como se fosse um boneco. 

Me carregando em suas costas por um tempo, ele me leva até uma outra mesa e me joga ali. Passo por cima de diversas outras bandejas, me melando de gororoba. 

As pessoas ao meu redor se afastam e criam um círculo tímido, que logo vai criando voz até virar uma torcida. 

— Acaba com ele, Ônix!

— Faz umas faíscas aí!

— Quem vai apostar? Quem vai apostar?

Adultos iriam nos separar, mas como não são…

O meu agressor me pega pelas pernas e me arrasta para o chão, me tirando da mesa. Antes de bater a cara no piso consigo me segurar a mesa e dou um chute em seu rosto. 

O grandalhão cambaleia para trás e caí de bunda. É engraçado o suficiente para gerar algumas risadas e algumas vaias. O círculo começa a gritar para ele alguns incentivos. Não entendo muito bem, tem muito barulho. 

— Seu Condutor de merda! — grita o grandalhão, como forma de grito de guerra vindo em minha direção. 

Dessa vez sei o que fazer. 

Assim que ele me joga sobre os ombros dele, começo a lhe dar diversos golpes em sua nuca. Ele fica tonto e me joga em qualquer lugar. Consigo cair em pé. 

Corro em sua direção e dou alguns golpes em seu peito. Ele também dá um ou dois golpes em mim, mas como a mão dele é mais pesada sofro muito mais. 

A nossa luta tem uma duração um pouco longa demais. Essas horas eram para algum soldado nos separar.

— Vocês! Parem com isso! — Uma garota nos separa, o que me deixa aliviado e triste; estava começando a gostar. — O que significa isso?

Essa não. É a Líder. Mas está com o humor um pouco diferente, mais calma, menos sofrimento no olhar. O que fizeram com ela?

— Foi ele que me agrediu — digo, apontando o dedo e massageando minhas costelas. 

— E você tem alguma prova de que foi ele que… — Ela tenta falar, mas é interrompida pelo grandão. 

— Ele é um Condutor! Tem que morrer! E não ficar aqui!

A Sol ficou sem reação por um segundo. Mas só por um segundo. 

— Já chega disso! O que vocês fizeram é errado e os dois vão pagar. 

— Mas eu não fiz nada de errado…

— Os dois! Direto para a detenção! — Ela aponta para fora. 

Eu até abro a boca para contra argumentar, mas quer saber? Deixa para lá. Vou sofrer essa detenção, não pode ser tão ruim quanto ter que encarar outra briga. 

Ela vai mostrando o caminho e eu apenas sigo, ainda com a roupa preta coberta de gororoba. Quando passo pela porta do refeitório, a garota de cabelos brancos puxa meu braço para perto dela. 

— Ei, o que é isso? 

— Um presente da Comandante para você. 

E coloca de um jeito muito bruto um relógio no meu pulso. Dói um pouco e sai uma tela holográfica apresentando alguns status:

 

[Nome: Kaike]

[Idade: 20]

[Naturalidade: Hidro City, Distrito 2, Pangi]

[Classe: S]

[Saúde: Verde]

[Energia: 100%]



— Sincronizando, sincronizando — diz uma voz de dentro do relógio. — Oh! Olá, senhor Kaike. Eu sou o Remi, Robô Ecologicamente Móvel e Inteligente. Sou movido a base de energia renovável produzida pelo…

— Me deram um cão de guarda? — interrompo a I.A, me dirigindo a garota.

— Isso é para ajudar você a controlar seus poderes elétricos. — Ela para na frente de uma porta, o digitalizador analisa seu rosto e a porta abre, saindo um cheiro horrível dali de dentro. — Aqui está a detenção, boa sorte aos dois. No caso, aos três. 

— Você quer que cuidemos desse chiqueiro? — pergunto, indignado.

— Nós dois? — pergunta o grandalhão, também curioso. 

— Sim. E tratem de fazer todas as tarefas. Nada de briga. E se descartarem serão enviados para um lugar muito pior!

Ela dá as costas e segue o caminho, deixando eu, o grandalhão e essa coisa no meu braço. 

Olho para o gigante, ele olha para mim. Compartilhamos a mesma dor nesse momento, ninguém gosta de mexer com sujeira. 

— Que merda — murmura ele. 

— Não fala comigo! — digo, irritado. — Não quero ouvir um pio! 

Assim que entramos, a porta se fecha, nos deixando presos em um lugar quase completamente escuro, fedido e fechado. 

Além do barulho dos dejetos passando pelos canos e vazando, ou do cheiro do lixo jogado em um dos cantos da sala, a voz de Remi se sobressai em um eco:

— Saneamento! Que excitante!


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