Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 48: Explosão É Quando Bate A Química (1)

 

— SOLARES —

 

Manter o respeito se tornou mais complicado para a chefe Solares após a impressionante vitória de uma recruta chamada Vida, do D4.

Todos tinham pleno conhecimento que era Kaike, o condutor de eletricidade, o responsável por esse feito. Afinal era o condutor do Distrito 2 que passava maior parte do seu tempo ensinando e treinando alguns recrutas, mesmo que este não fosse um auxiliar.

Sua rebeldia e desobediência inspirou outros a ter uma atitude mais anárquica e menos propensão a obedientes. Por isso, Solares culpava o fato de seus recrutas estarem sendo mais questionadores a Kaike.

Em toda a instalação, principalmente no refeitório, a garota de cabelos brancos ouvia comentários baixinhos dizendo:

— Eu não ia reclamar se o Kaike virasse chefe. O cara me cumprimenta como se eu fosse amigo dele a anos…

— É o método de ensino dele o diferencial. Muito mais paciente, mais pessoal. Ele entende que o outro precisa aprender e se adapta às necessidades dele. 

— E num foi ele que fez aquela menina mirrada, a do D4 lá, vencer uma partida? Tô te falando, o bicho é diferenciado, virado na desgraça.

Ela sonhava com esses comentários e olhares que lançavam a ela; de nojo e pena.

Solares estava farta. Logo pela manhã levantou cedinho aborrecida com os próprios pensamentos. Se pôs a treinar antes de todos, incluindo Kaike que a essa hora estava dormindo. 

Começou por uma corrida até a sala de treinamento, depois fez algumas flexões e agachamentos para aquecer o corpo. Daí começou a dar socos no vento, como se pudesse imaginar nitidamente o corpo daquele irritante condutor de eletricidade.

Fez uma projeção mental de uma batalha com ele, imaginando seus movimentos com base nos que viu pela grande televisão no dia em que lutou com o capitão e foi motivo, mais uma vez, de festa.

— Você só faz bagunça…

Ela tentava alcançar a imagem, porém o Kaike imaginado sempre se afastava. Solares não era capaz de vencer o Condutor nem mesmo em sua imaginação? 

— Se você me prejudicar mais uma eu juro que vou…

E de repente, pega de surpresa, alguém passou pela porta da sala de treinamento. 

Solares quase teve um infarto ao imaginar que o emissor do barulho era o próprio Kaike, pois tinha receio de que ele pudesse ver seus pensamentos como em uma tirinha de desenho. Vai saber do que os condutores eram capazes?

Sentiu-se um pouco mais aliviada ao constatar que se tratava de Leona, sua amiga, embora constrangida consigo mesmo por se assustar. E se fosse de fato Kaike, isso seria motivo de susto? Seu rosto, antes levemente rosado, adotou novamente o tom normal.

— Treinando logo cedo? — falou cheio de energia a garota musculosa. Parecia ter acordado a horas.

— Sim. 

Leona se aproximou. Assim que chegou perto o suficiente pousou as mãos na cintura e de cima para baixo perguntou com interesse:

— Esvaziar a mente? 

Sua voz saiu como um ronronar, mas não de um felino, estava mais para um leão. De qualquer forma, aquele tom ainda causava o conforto necessário para desarmar Solares. 

— Hm. Sim. Eu ando pensando besteira demais ultimamente. Deveria voltar a minha mente só para o treinamento. 

— Isso tem alguma coisa a ver com o Trovão?

Solares levantou uma sobrancelha e encarou surpresa a sua amiga.

— Quem?

Não é como se não soubesse quem era. Sabia se tratar do apelido que alguns davam a Kaike. Mas a pergunta tinha um tom mais profundo, porque ela nunca acreditaria que alguém como Leona mencionaria o Condutor desta forma.

Leona percebeu a incredulidade de sua amiga e respondeu com uma pergunta:

— Você sabe de quem estou falando. E então… acertei, não foi? 

— Puff! Aquele Condutor é só mais um dos meus problemas. Eu tenho que me preocupar com meu futuro, com o futuro dos meus recrutas e com as provas que nos passam. — Ela cruzou os braços, aborrecida. — Só que ele dificulta tudo. Graças a eles estão todos com atitude de anarquista. Isso não funciona para nós. Somos classe S, fazemos o que é para ser feito e obedecemos ordens sem questionar. Desrespeito só vai piorar as coisas.

— Você tem razão, concordo que deva existir respeito — fala Leona, brandamente. — Mas nunca pensou na possibilidade dele estar certo? Que a maneira que ele treina os outros recrutas é de fato melhor…?

— Você está do lado dele? Não acredito nisso! 

— Não se trata de lados, Solares e sim de…

— Chefe Solares, Recruta Leona! Eu sou chefe. E como chefe eu preciso manter o respeito! A Classe S não precisa de soldados irresponsáveis e nem desobedientes às normas. Precisa de competentes e eu pensava que você era uma das que enxergava as coisas dessa maneira!

Solares virou as costas para Leona. Não seria prudente gritar com uma garota alta e forte como aquela. Na verdade, não era bom virar as costas para ninguém do Distrito 3; aquele lugar era uma selva. Local onde os humanos tinham de aprender a ser como bestas selvagens.

E a garota de cabelos brancos sentiu isso na pele. 

Por um momento, seu corpo arrepiou inteiro, como se soubesse que algo de ruim estava por perto. Ela ficou nervosa, a mão chacoalhou involuntariamente. Não queria olhar para trás, pois sabia que uma besta estaria lhe esperando. 

“Mas eu sou a chefe… Eu não posso ter medo dos meus recrutas.”

E por mais forte que Leona fosse, ela não era a mais esperta. Em uma briga, Solares tinha a confiança de vencer com a estratégia correta. 

A chefe, tentando disfarçar o medo, olhou da forma mais fria possível para trás a fim de mostrar que era indiferente a qualquer sentimento negativo; para ela um rosto feio não passava de um gesto fútil de inferioridade.

Mas o seu coração se despedaçou assim que viu no rosto de Leona a mais profunda decepção. 

Decepção era pior do que pena, nojo ou raiva. Era o sentimento de quando alguém põe todas as fichas em alguém, porém se decepciona. Via que foi um mau investimento. Uma perca de tempo. 

De todos os olhares, a decepção era o que fazia Solares ficar verdadeiramente abatida. 

Sentiu como uma agulha perfurando seu coração. E esse sentimento só ficou ainda mais afiado quando Leona disse, cheia de pesar:

— Tudo bem, chefe Solares… Eu compreendi. — Ela se ajeitou em uma posição reta, fez uma continência e perguntou: — Permissão para me retirar?

Aquilo não era maldade. As regras diziam para tratar o chefe daquela forma. Mas ninguém seguia aquela regra à risca. Solares não se importava se fizessem ou não, nunca fez questão disso. Mas ver Leona pedir permissão, coisa que ela nunca fizera antes, lhe tirou a capacidade de fala. 

Solares apenas conseguiu balançar a cabeça. Assim Leona se dirigiu à saída, deixando Solares sozinha naquele gigantesco espaço vazio que era seu coração frio.

 

ϟ REFEITÓRIO ϟ
ϟ FALTAM 4 MESES PARA A EXPLOSÃO ϟ

 

Acordo bem disposto. Parece que ter uma boa noite de sono é muito melhor do que ficar dependendo de drenagem elétrica. Antes parecia estar sendo esmagado por uma pedra, agora me sinto leve e livre como uma pena.

Pulo da cama com energia e já arranco os lençóis de Ash. Ele reclama, mas só assim para que acorde no horário correto. Depois seu mau humor vai sumir e tudo ficará bem. 

Enquanto ele se apronta vou conversar com Amor e os planos para o dia de hoje. Parece que tem cada vez mais recrutas querendo aulas comigo, principalmente agora que estamos próximos daquele teste em que um grupo de três vem me atacar. Todos precisam de mais pontos.

Depois de resolver tudo com ela, acompanho Ash, Bia e Vida até o refeitório lado a lado. O trio parece bem feliz hoje. 

— Não ficou sabendo? — pergunta Ash entre um bocejo.

— Do quê? — pergunto curioso.

— Ahn… Fala para ele, Vida.

Bia faz um olhar rude para ele. Se pudesse falar fico imaginando os lugares que ela o mandaria.

— É que a chefe Solares não foi vista hoje pela manhã, Kaike — diz Vida, de forma discreta, como se fosse pecado falar isso. 

— Huh, agora que vocês falaram eu realmente não vi ela hoje pela manhã. — Não estava prestando atenção no ambiente o suficiente e acabei não notando que estava sentindo falta de sua energia. — Ninguém teve notícia dela?

Vida diz: — Não.

— Nadica — fala Ash enquanto boceja. — Nhai.. Isso é bem estranho, não acha? Geralmente ela vem com a gente até o refeitório e fica nos vigiando como se fossemos fazer alguma coisa de errado. Aí! Que foi?

Bia lhe deu um beliscão e agora o encara com incredulidade. Ela começa a fazer sinais furiosos e quem interpreta é Vida, como sempre.

— Ela está dizendo que você também não ajuda.

— Olha, pode parar! Eu só joguei o lixo na lixeira errada uma vez… Tá! Foram duas, okay… Talvez três, mas a última vez foi porque você me deixou confuso. E para de me beliscar! 

Ele dá um leve tapinha na mão dela e anda mais rápido em direção ao refeitório, com pequenos pulinhos, deixando a gente para trás. 

Bia balança a cabeça negativamente e depois gira o dedo indicador ao redor da orelha. Vida dá uma risada leve e a pede para ser mais gentil, o que apenas lhe deixa ainda mais emburrada. Eu forcei um sorriso. Fico imaginando onde Sol poderia ter ido. 

No refeitório vou de mesa em mesa conversar sobre o desaparecimento repentino da chefe, menos a mesa de Ermo. Ele sempre está com aqueles dois palhaços como segurança, olhando para tudo e todos como se fossem o mais puro lixo e ele o rei da cocada preta. 

Esse cara parece estar planejando alguma coisa. Seria tão bom se eu pudesse entrar em sua mente agora e descobrir o que é que ele está pensando. Assim nada que ele fizesse faria certo. Melhor deixar esse cara de lado e ir focar no que estava fazendo.

No fim ninguém parece realmente saber para onde ela foi. Até que converso com Leona, que parece meio abatida. Nunca tive a oportunidade de falar com ela, mas é a primeira vez que a vejo sentar-se sozinha. 

— Ela está ocupada — responde bruscamente. 

Aceito a resposta e depois me retiro. Só que não aceitei de fato essa resposta. Eu vi a sua energia enquanto falava comigo. Ela se alterou assim que fiz menção da Sol. Ela sabe de alguma coisa, porém não quis me dizer. 

Bom, independente do que for, não pode ter sido grave. Ela parecia muito mais decepcionada do que entristecida. Suponho que algo tenha acontecido entre as duas, não pretendo me meter nesse problema. 

Assim que terminamos de comer vamos direto para a sala de treinamento e para a minha surpresa e a de todo mundo Sol estava lá. 

Assim que entramos e ela me vê, vem em minha direção. Quanto mais perto chega mais da de ver seu estado cansado. As roupas estão encharcadas de suor, o rosto está inchado como se tivesse dormido muito, porém os olhos estão fundos e vermelhos como se não tivesse dormido nada.

— Você tá bem? — pergunto assim que ela chega perto o suficiente. 

Ela me segura pelo braço com força e ordena:

— Tenho um assunto sério para conversar com você, Recruta. 

Com ênfase na última frase eu decidi concentrar em sua energia. Avermelhada e concentrada diretamente do peito. Isso provavelmente é raiva. 

Que droga, parece que eu não consigo ficar sem me meter em encrenca.



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