Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 23: O Problema Do Malandro É Julgar Que Só A Mãe Dele Fez Filho Esperto

Após passar as próximas horas de descanso treinando na realidade virtual, finalmente chegou o dia da primeira fase. 

Hoje vamos ver o resultado dos treinos, de quem vai conseguir passar para a próxima fase e quem são aqueles que vão lutar contra mim para tentar me matar. 

Além disso, ainda espero por um chamado de Thomas. Mas estou começando a suspeitar que ele realmente tenha “desaparecido” por culpa da nossa última conversa.

Estou cansado mentalmente e fisicamente. Não dormi nada de ontem para hoje apenas treinando no novo modo de plataformas do Remi. Estou no nível 27, mas sinto que ainda não é o suficiente.

Vou para o banheiro. Por mais que meu corpo fique parado o tempo todo durante o treinamento virtual, eu ainda não sou imune ao fedor.

A água batendo na minha pele é um pouco incômoda. Depois que ganhei esses poderes, tomar banho tem se tornado uma verdadeira dificuldade por conta dessa sensibilidade à água. 

Mesmo assim eu ainda tomo banho, não é como se eu gostasse de ficar fedendo.

Depois de tomar um banho eu dreno a energia das lâmpadas do banheiro e depois do corredor. Elas não queimam, só ficam apagadas por um tempo. Após algumas drenagens aqui e ali me sinto renovado mais uma vez.

Quando todos chegam na grande sala de treinamento, ela está um pouco diferente. Ao invés do antigo palco onde Vega havia nos apresentado como funcionariam o torneio, há uma arena.

E um gigantesco piso quadrado no chão. Não tem cordas e nem cantos, como seria em um ringue. É só um relevo um pouco mais elevado do piso branco. Suponho que seja ali onde os recrutas vão ter de lutar.

Olho de um lado a outro e não vejo nem sombra de Vega. Vejo Solares roendo as unhas, olhando para frente, parecendo meio inquieta olhando para diversos dos recrutas. 

A agitação dela me preocupa, porque sei que é mais do que o nome dela como chefe que está em jogo. Além de ter de se preocupar com os recrutas, mesmo sabendo que a metade deles vai perder logo na primeira fase, ela ainda tem de se preocupar com seus auxiliares. 

Os auxiliares, Leona, Lavra, Ítrio e Clio foram escolhidos a dedo por ela. Se algum deles falhar, a moral dela vai diminuir. Bom, no fim ela não pode só pensar em si mesma, mas entendo o que está passando.

Olho mais adiante e vejo Ash. Ele está conversando rapidamente com Clio. Os dois parecem muito entretidos. Aquilo é suspeito.

Ouço algumas garotas cochichando em um canto. Se fosse nomear o local onde se encontram seria canto da choramingação. Porque ali só tem garotas que ficam sentindo pena de si mesmas.

Só que dessa vez não tem apenas uma garota chorosa, tem a Vida e a Bia. Isso é novo. Vou até elas.

— Ei, o que está acontecendo? Vocês estão bem?

Essa parece ser a coisa certa a se perguntar a quem está passando por dificuldades, e não algo como: “Por que estão aqui chorando? Já vai começar o torneio! Sejam fortes!” Se bem que a única chorosa aqui é a Vida. 

Vida está muito mal. Ela está chorando e como se isso já não fosse motivo para sofrimento suficiente, seu rosto está vermelho e inchado. 

Pode parecer pouca coisa, mas para uma pessoa tão branca quanto ela qualquer vermelhidão lhe transforma automaticamente em um tomate. 

— E-eu… Não quero…

Bia faz um sinal para mim. Vários na verdade. Eu não entendo nenhum. Ela revira os olhos. Suspeito que quer me chamar de lesado ou coisa do tipo. Antes que eu possa rebater ela faz gestos um pouco mais fáceis de ser entendido.

Primeiro ela aponta para Vida, depois dá um soco na própria mão, depois aponta para o ringue e balança a cabeça negativamente. 

Entendi mais ou menos. Ou ela está dizendo que Vida não pode participar, ou está dizendo que não quer participar. Aposto na segunda opção.

Desde o começo do treinamento a Vida não vem se demonstrando muito propensa a querer bater em outra pessoa. 

Embora queira ser uma garota classe S formada, é incapaz de ferir alguém. Isso é uma ótima característica para um curandeiro, porém os da classe S não estão querendo pessoas com compaixão e ética. Querem soldados bem treinados. 

E sinto pensar assim, mas… Concordo com eles. Acho que todos deveriam pelo menos aprender a se defender. Só que quando olho para o estado que a Vida se encontra, só o fato de cogitar a possibilidade de bater em alguém já a deixar tão abalada, isso é realmente de partir o coração.

— Vida, não fica assim. — Eu seguro a mão dela e me ajoelho à sua frente. — Você vai conseguir vencer. Não se preocupe com isso. Acredite em si mesmo, eu confio no seu potencial. Eu acredito, a Bia acredita, o Ash acredita.

Ela faz uma cara de surpresa, como se eu tivesse falado algo que ela nunca tivesse ouvido antes na vida.

— O.. O-o Ash acredita em mim?

Não sei se entendi a pergunta direito. A resposta é óbvia. Mas se é óbvia porque ela perguntaria?

— S-sim, claro que ele acredita — digo sem muita convicção.

Infelizmente o pior que eu estava esperando acontecer.

— Então por que ele não fala comigo…? — E ela começa a chorar.

Esse choro me lembra muito o de uma criança birrenta. Algumas pessoas olham para a gente. Eu dou um sorrisinho desconcertado e elas voltam para o que quer que estivessem fazendo.

— Vida, o que deu em ti, garota? — pergunto. — O que foi que aconteceu?

Bia começa a fazer alguns gestos, eu não entendo absolutamente nada. Tento pensar no que poderia ter feito ela ficar tão frustrada dessa forma. 

Ela disse que Ash não falou com ela. Por acaso ele andou evitando ela? Se ele a evitou significa que estava com raiva. Talvez ela tenha tido a impressão errada. Isso é muito ruim, ele deveria ter sido mais presente. Mas…

Por que ela se importaria com o Ash falando ou não com ela?

— Escuta aqui bando de moleques! — grita Vega, em cima da arena. 

Como ele chegou ali? Será se entrou enquanto eu me ocupava com os choros da minha amiga? 

— Vocês já sabem o que vai acontecer hoje. Logo, não tenho porque dar mais explicações. O primeiro a lutar vai ser o Clio contra Ash.

Já?! A primeira luta vai ser logo a deles dois? Isso está ficando cada vez mais estranho. Pensava que a primeira luta fosse determinada por ordem alfabética. Pelo visto é escolhida por sorte. E que sorte a desses dois…

— É lógico, eu não expliquei para vocês antes porque esqueci. — Ele fala como se isso não fosse importante. — Existem regras. A primeira delas é que não vale usar qualquer tipo de arma. A outra é que para perder você deve nocautear o seu inimigo. Lembrando que qualquer pessoa que sair do limite da arena será desqualificado, o que significa que não é para sair correndo por aí com medo de seu inimigo. Então chega de papo e vamos começar logo com isso.

Tenho quase certeza que deveriam ter outras regras, como a do tipo: não vale matar o seu oponente. Mas pelo visto isso é permitido.

No fim, olho para Ash e vejo que ele parece estar animado junto de Clio. O que será que esses dois estão aprontando? Amizade logo antes da luta? 

Tomara que o Clio pegue leve com ele, porque quero ele inteiro para uma explicação bem detalhada do motivo de ter deixado a Vida de lado.

Os dois sobem, se cumprimentam e ficam parados em suas poses de batalha. Clio parece meio relaxado, Ash já está mais centrado. 

Vega sobe novamente ao palco, interrompendo a luta que nem havia começado.

— A sim, outra coisa que esqueci de mencionar. A luta dura o tempo que os dois quiserem. Então se esses dois ficarem se encarando o dia inteiro, vocês vão ter que aturar isso até o resto da vida de vocês.

Então ele sai com a cara mais limpa do mundo, fumando o seu charuto. Está totalmente tranquilo com o que acabou de dizer. Já o resto dos recrutas nem tanto assim.

As pessoas ficam cochichando sobre o que poderia acontecer na luta entre os dois e a respeito dessa regra. Ninguém vai querer ficar muito tempo em cima da arena, a pessoa precisa comer e beber. 

É lógico, uma pessoa que nem eu só precisaria de uma fonte de energia e minha força estaria novinha em folha. Mas eu não participo diretamente do torneio.

E a luta começa lá em cima. Os dois trocam alguns golpes, ninguém realmente encaixando nada um no outro. Isso dura por uns dois minutos, o que só deixa eu e Vida com ansiedade. Ela está com o rosto semi-tampado e esconde o rosto toda vez que um golpe quase se conecta. 

Eu fico frustrado. Ouço comentários ao longe de pessoas falando sobre a luta:

— Aquele Clio tá tendo trabalho para derrotar aquele cara…

— O idiota não é nem tão bom e mesmo assim está dando trabalho para um auxiliar…

— Você treinou com aquele cara? Sinto muito por você…

— Que piada…

Também vejo a movimentação das pessoas. Estão inquietas com o que está acontecendo. Olho para Solares e a vejo muito apreensiva. Seu olhar agora está mais para determinação.

Olha, não é como se eu quisesse que Ash perdesse, mas o que está acontecendo ali em cima vai dar o que falar. Principalmente pelo fato de que os dois não me enganam.

Clio está desviando dos golpes de Ash, que está indo com tudo para cima dele. Mas Clio não está usando toda a sua força, isso tenho certeza. Dá para perceber na rigidez do corpo e também na expressão de tranquilidade.

— Ele quer humilhar o Ash? — pergunta Vida, ainda com a voz embargada do choro.

Mesmo chorando ainda consegue ter um olhar bastante analítico a respeito da situação. Essa menina é fantástica.

— Não, acho que esse não é o caso. Se ele quisesse mesmo humilhar o Ash, já teria feito isso.

Ash atinge um soco no rosto de Clio, o jogando para trás. Depois mais um e depois mais outro, fazendo a cabeça do auxiliar balançar. Por fim, Ash dá uma rasteira nele e o oponente cai, ficando caído por um tempo.

Demora um pouquinho, mas Vega, que estava sentado em uma cadeira analisando tudo com cara de tédio absoluto, se levanta, sobe na arena e resmunga para todos ouvirem: 

— E o vencedor é o Ash.

Ninguém comemora a vitória do meu amigo. Apenas cochichos. É como se a vitória fosse muito mais demérito de Clio do que mérito de Ash.

E por mais doloroso que seja admitir isso, eu também concordo. Esses dois não me enganam.



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