Volume 1
Prólogo: Cinzas
Foi tudo tão rápido… o que aconteceu? Sentia a terra gelada do fim de tarde em minhas costas, acho que meu uniforma estava rasgado. Ao olhar para baixo, vi uma silhueta humana com uma feição assustada tapando a luz laranja do fim de tarde, enquanto sentia algo morno escorrer por meus dedos. A sensação era agradável, o ar frio e úmido trazia uma paz estranha.
Retomando a consciência, levei meus olhos para baixo e, em choque, entendi o que estava acontecendo; eu estava segurando a lâmina de sua espada. Cerrando os dentes, a quebrei em duas, fazendo com que o homem se desequilibrasse e, com o fragmento metálico que segurava, o esfaqueei no pescoço, fazendo-o jorrar sangue quente em minha bochecha.
Limpando meu rosto com as costas de minha mãos, me levantei cambaleando enquanto vislumbrava, horrorizado, o que um dia foi uma linda cidade cheia de vida, o que um dia foi meu lar. As chamas dançavam pelos corpos e casas, que definhavam a cada estalo. Os gritos horríveis de dor e desespero me deixavam mais angustiado a cada movimento, rezando para que não visse nenhum dos que amo nesse inferno de sangue e cinzas.
Antes que pudesse dar três ou quatro passos, senti uma dor aguda em minha coxa esquerda. Ao me abaixar, vi um corte da parte interna até o joelho que devia ter no mínimo 4cm de profundidade ao julgar pela quantidade de sangue que escorria por minha perna. Não me recordava quando isso tinha acontecido, mas provavelmente havia relação com o homem que acabara de matar. Mesmo quase desmaiando por conta do sangramento, me arrastei por entre os becos, evitando a via principal que, possivelmente, estaria cheia deles.
Parando de tempos em tempos para retomar o folego, consegui chegar ao palácio. As grandes muralhas indestrutíveis de que o rei tanto se orgulhava estavam reduzidas e destroços e poeira. A cada passo que dava, desviava dos corpos e do sangue que forrava o chão num tapete fúnebre.
Adentrando o castelo, me espreitei por entre as sombras na expectativa de encontrar algo em seu interior, porém tudo que achei foram pilhas de corpos e cinzas, que aumentavam a cada passo que dava em direção à sala do trono.
Quanto mais me aproximava, pior ficava a sensação sufocante que envolvia minha alma numa penumbra de medo e pânico. Meu coração disparava e minhas vistas borravam, onde tudo que conseguia sentir era meu corpo tremendo enquanto me apoiava nos destroços da porta. Quando consegui me acalmar, espiei por entre as frestas da porta vendo a cena que me arrepiou até os ossos.
Deve ser um pesadelo, pensei, isso não poderia ter acontecido de verdade, isso não poderia ter acontecido com ela…
Isso tudo não teria acontecido se tivesse feito diferente…