Volume 1

Capítulo 01: Oportunidade no Final

Era por volta da meia-noite quando um homem se encontrou sentado num banco de praça, encarando o céu noturno e nublado da vasta metrópole onde vivia. 

Ele estava vestindo roupas de escritório, no entanto, tinha um penteado desgrenhado. O contraste entre suas roupas e seu penteado só não era maior do que o da alegria das ruas, com o semblante abatido dele. 

Enquanto as risadas, os cheiros e as luzes provocavam emoções positivas nos cidadãos, o homem achou tudo aquilo desnecessário. 

Tanto que escolheu sentar-se em um banco um pouco afastado de todas as outras pessoas que riam e brincavam ali.

Seus cansados ombros estavam caídos, mãos apoiadas sobre as coxas e pernas abertas. Ele estava bastante desgastado, o que era evidente tanto devido às olheiras que haviam ao redor dos seus olhos, quanto pelos suspiros ocasionais que escapavam por entre seus lábios pálidos.

No céu, nuvens negras indicavam a vinda de uma tempestade. Todavia isso não parecia incomodar o homem, nada parecia incomodá-lo mais, visto que nem mesmo uma faísca de preocupação habitava em seus olhos.

Ali também estava ausente a luz da curiosidade, fé e esperança que as criaturas possuíam. Apenas um poço sem fundo de desesperança, angústia e raiva reprimida restava. Era tudo tão sem sentido e vazio… tão desordenado e confuso. 

Por que a vida de alguém podia mudar de ponta a cabeça com apenas uma frase, dita por um médico?

...

Anos atrás o homem desejava e almejava se tornar um dos maiores empresários do país, e ele conseguiu realizar isso. 

Sua ascensão foi acompanhada de muitas vitórias, glórias e também decepções. 

No entanto, hoje não havia nenhum pingo de desejo em seus olhos. Aquele homem estava apenas existindo nesse momento, e ele sabia disso mais do que qualquer outra pessoa.

O vazio que ele sentia dentro de si consumiu tanto sua curiosidade e esperança quanto seu desejo por algo maior. E em alguns minutos, o mundo conheceria a consequência dessa falta de vontade.

— … eu devo ligar para ela nessas horas, não é? — murmurando para si, para o mundo ou apenas deixando seus pensamentos escaparem, ele pegou seu celular e procurou o contato de sua psicóloga.

Depois de encarar a tela por um minuto, ele entrou nas configurações e resetou todo o aparelho — jogou ele sobre o banco onde estava sentado e tomou um gole de água da garrafinha que estava ao seu lado. 

Mais uma vez o homem voltou seu olhar para o céu. Na mente dele não havia sentido nenhum em fazer mais uma consulta. Ele não tinha mais forças para lutar, e não tinha vontade de fazer isso também.

E havia uma razão para isso.

Todos os anos de trabalho duro dele foram quase que unicamente por sua mãe. Antes ele tinha esperança de que poderia ser o melhor, ele tinha esperança de que com recursos o suficiente poderia salvar ela de sua doença. 

Ele desejava que pudesse concretizar isso. 

No entanto, ao longo dos anos, tanto a luz em seus olhos quanto o desejo em seu coração vinham se esvaindo. Até mesmo sua vontade de fazer isso foi se acabando. No fim, apenas um pouco disso sobrou para fazê-lo olhar para o futuro.

Essa pequena e frágil vontade foi o que manteve o homem de pé, dia após dia, trabalhando com afinco e dedicação, mesmo que os desejos de seus chefes fossem abusivos e impossíveis de realizar. 

Ele continuou a dar tudo de si por essa vontade. 

Uma única vontade, um único desejo, e uma única luz. Isso foi o que manteve esse homem caminhando por muitos e muitos anos. 

Durante muito tempo, salvar sua mãe foi o único propósito do homem. Até que hoje tudo pelo qual ele trabalhou lhe foi tirado sem nenhuma chance de retorno. 

Ela morreu em um leito de hospital e ele nem mesmo ouviu quais foram suas últimas palavras, ele nem mesmo disse que a amava e sequer se lembrava do seu sorriso nesse momento. 

Ela sempre sorriu para ele, então por que ele não conseguia lembrar? 

Ele sempre achou que sentir tristeza por não conseguir saber as últimas palavras de alguém era idiota, mas agora mesmo ele aprendeu o quanto isso é corrosivo. Era um sentimento odioso demais.

O homem recebeu a notícia três horas atrás e durante esse tempo ele tem vagado pela cidade, sem rumo, até chegar nessa pracinha a poucos minutos e sentar-se em um dos bancos. 

Alguma outra coisa tinha acontecido antes disso? 

Houve algo de importante nesta semana? Ele não conseguia pensar nisso nesse momento. O que ele havia feito nos últimos minutos mesmo? Não deve ter sido alguma coisa importante. 

Com certeza não aconteceu nada importante…

Em meio a toda sua desilusão e desespero, ele se perguntou: "Por que isso estava acontecendo?" 

Ele sempre foi um membro íntegro da sociedade.

"Por que eu estou passando por isso?"

Ele nunca procurou por pessoas necessitadas, mas sempre ajudava aqueles na sua frente se precisassem, então: "Por que nada do que eu fiz mostrou nenhum resultado?"

O tempo passou lentamente, e, em algum lugar da sua mente, ele decidiu que não era mais necessário continuar ali. Então se levantou e caminho

Na sua frente havia uma rodovia bem movimentada. Carros de todos os portes passavam apressadamente, com seus objetivos claros e destinos definidos. 

Na mente do homem ele decidiu que ali seria seu último destino.

Ele se dirigiu ao lugar que queria ir, tombando em algumas pessoas pelo caminho, afinal de contas aqui era uma metrópole e mesmo a essa hora da noite havia muitas pessoas nas ruas. 

O homem claramente não estava bem, mas as pessoas estavam muito mais preocupadas com suas próprias vidas e o semblante do homem, que tombou nelas, nem chegou aos seus olhos. 

Provavelmente era um drogado. O melhor que eles podiam fazer, na verdade, era se afastar desse tipo de gente o mais rápido possível. 

Aos olhos confusos do homem, a atitude das pessoas apenas serviu para enfatizar que ele não era mais necessário ali. 

Uma voz macabra no fundo da sua mente sussurrava coisas indescritíveis. Coisas tão malignas e distorcidas, que o homem sentiu sua garganta secar e suas vistas ficarem molhadas. O tremor nas suas pernas e a ânsia de vômito crescente em seu estômago eram horripilantes ao extremo.

A chuva chegou na cidade com força total nesse momento. As pessoas começaram a correr e o homem se molhou, logicamente. 

A água quente fez ele sorrir… talvez essas fossem as lágrimas da sua mãe que estava olhando ele do céu. 

Logo ao chegar à beira da rodovia, ele se jogou, e tudo no que ele estava pensando nesse momento era: "Por quê?"

E então tudo escureceu. No abraço apertado e morto do fim de tudo, o homem só tinha um pensamento. 

Por que tudo era tão triste?

*****

O homem teve um sonho. Ele sonhou com sua infância, na época em que ele mais era feliz, em que mais ele sorria, em que ele não tinha nenhuma preocupação além de voltar para casa na hora do jantar e sentar à mesa com sua mãe.

*****

Em uma sala escura estava uma figura de um homem, flutuando. Sua imagem era pálida e fantasmagórica, se houvesse um pouco mais de luz na sala ele desapareceria com certeza. O homem abriu os olhos, e se perguntou por qual razão ele estava ali.

Apesar da clara escuridão que cercava o local, ele conseguia distinguir o contorno do seu corpo perfeitamente. Mesmo com a ausência de luz.

"Será que realmente existe um pós-vida?"

Um pouco de luz apareceu nos olhos do homem, mas logo depois desapareceu novamente.

— Para uma alma tão fraca você acordou bem rápido, não? 

Uma voz calma e gentil ressoou dentro da sala escura, a gentileza naquela voz parecia induzir a alma de alguém a levar todas as suas preocupações embora.

O homem virou a cabeça em direção da voz e viu uma mulher no final da casa dos 20, sentada em uma poltrona branca como ornamentos de padrões estranhos.

— Olá, prazer em conhecê-lo! Eu sou conhecida como a Deusa da Alma e resolvi dar-lhe uma segunda tentativa de viver, só que você vai para outro mundo.

— Não quero.

A mulher pareceu se surpreender um pouco com a velocidade da resposta, mas não com a recusa.

— Não seja tão cético sobre o assunto, na sua próxima vida você pode ter tudo o que quiser, basta se esforçar bastante. — Um esboço de sorriso preencheu sua expressão. — E nesta vida você provou que pode se esforçar muito mais que muitas pessoas, é por isso que eu resolvi lhe dar essa oportunidade.

A mulher que se diz Deusa da Alma tentou persuadir o homem aceitar sua oferta com o tom gentil e calmo que nem por um segundo mudou, como uma professora do jardim da infância conversando com uma criança. 

— Olha só, se eu resolvi tirar minha vida era porque eu não queria mais viver. Então, do que adiantaria se depois de morrer eu resolvesse voltar à vida?

— Hmm... não adiantaria de nada, não é? Mas eu quero que você viva uma vida melhor do que a sua vida anterior. 

Mesmo com o homem recusando, a dita deusa ainda insistiu, para o homem ela só estava sendo um incômodo. E ele estava cansado de incômodos. 

— Por que eu? Tenho certeza que existem muito mais pessoas que já sofreram mais do que eu, por que não dar essa "oportunidade" para elas? Eu não quero mais continuar vivendo, você pode apenas me mandar para o vazio do esquecimento, céu, inferno ou seja lá o que for.

O homem falou coisas que outras pessoas chorariam para não chegarem nem perto. No entanto, a expressão gentil e carinhosa da mulher não vacilou.

— Você faz parecer que sua situação estava horrível. Para que você saiba, nenhum desses lugares existem nesse mundo. E para todas as outras pessoas que sofreram, quando elas morrem, elas simplesmente renascem como novas pessoas ou animais. Claro, alguns deles os deuses sentem um pouco de pena e fazem com que nasçam em um ambiente confortável. 

O homem, que estava silenciosamente ouvindo o que a mulher falava, de repente se sentiu injustiçado enquanto pensava naquelas palavras.

— Então por que existimos se não tem nenhum significado no final?

Ele não pôde deixar de perguntar em voz alta. 

— Por que sofrer para agradar os outros? Por que eu tive que viver conforme o que os outros diziam, se no final não tem significado nenhum? — ele não pôde deixar de perguntar, indignado, e para as perguntas dele a mulher respondeu gentilmente.

— É exatamente por isso que eu quero que você tenha mais uma chance, pois não importa o que você faça em vida, você não vai ser recompensado ou punido em morte. E eu sei o que é dar tudo de si para salvar alguém que ama, então eu, em pleno poder absoluto resolvi dar a você a chance de ter uma próxima vida melhor.

O homem depois de ouvir a dita Deusa da Alma, seriamente começou a considerar essa possibilidade de uma vida melhor, mesmo que ele já tivesse desistido. 

Ele podia aceitar que um inferno ou céu existisse, mas se nem isso existisse… que significado a morte dele teria? Que significado toda a sua vida teve?

— O que garante que eu vou mesmo viver uma vida melhor?

O questionamento era decisivo, afinal não há garantia de que ele realmente consiga o que a mulher disse.

— A única coisa que garantirá isso é você mesmo. Eu sou uma das muitas deusas da alma, não sou uma deusa da sorte nem do destino, então só você pode fazer com que sua vida seja a melhor possível. E você sabe muito bem que a vontade de alguém é a arma mais poderosa dela.

Ele ouvia atentamente o que ela falava e estava processando as informações, e logo ele chegou a uma decisão. 

Ela estava mentindo. 

Ele não conseguia entender como, mas sabia que muito do que essa pessoa falava era mentira. As dúvidas começaram a surgir dentro dele, e morrerem no mesmo instante. 

Essa situação conveniente demais… essa pessoa… essa sensação sobrenatural de perceber a mentira e a verdade… qual era a razão por trás disso? Por que a sensação de que havia algo de errado com o mundo estava pairando no ar?

Além disso, pela forma como ela se apresentou e falava, estava claro que ela não tinha o menor interesse nessa discussão. Como se a opinião dele não importasse... com isso ele tomou uma decisão. 

— Eu vou aceitar sua oferta, mas se por acaso eu encontrar a menor dificuldade, eu desistirei mais uma vez o mais rápido possível, então espero que não resolva querer me mandar mais uma vez para outra vida. 

O homem falou sua decisão e sua demanda, depois de ponderar por uns 10 minutos silenciosamente. Era quase completamente irracional. Que vida era essa onde alguém não tinha dificuldades? Até mesmo ele sabia que isso não existia.

Ouvindo a resposta, a mulher ficou com expressão bastante feliz e iluminada. Foi então que uma luz verde contornou o homem após alguns instantes.

— Então, você quer que eu lhe coloque em uma família rica? Quer ter uma alta aptidão física? Ou quer ser o maior gênio da sua geração? Basta falar que eu faço.

Ele pensou um pouco, considerando levianamente a profundidade das ofertas dela.

— Uma família relativamente boa já está bom. Quanto ao físico... O que eu tenho a perder? Eu quero o melhor dos melhores, e minha inteligência pode ser apenas acima da média... Ah, e se possível eu quero ser uma mulher. 

O homem falou que queria, o que não era muita coisa na mente dele. A razão para não escolher uma família podre de rica era que o dinheiro é a fonte de inúmeros problemas. Além de que ele se destacaria sendo filho de um rico, coisa que ele não queria. 

A mulher adicionou os pequenos pedidos do homem ao destino que ele iria seguir, mas quando chegou na parte de "ser uma mulher", ela ficou com uma expressão bastante estranha e estremeceu um pouco.

— Tem certeza que quer ser uma mulher? Mesmo em uma boa família ser uma mulher pode dificultar bastante a sua situação.

A deusa falou com um tom que fazia parecer que ela não recomendava que ele fosse uma mulher. E na verdade ela realmente não queria que ele fosse. Afinal de contas, isso fugiu completamente da situação certa que ela já havia previsto. Sua mente estava confusa — essa mudança não deveria acontecer!

— Claro, afinal eu sempre admirei mulheres fortes, não vejo razão para não tentar me tornar uma quando tenho a oportunidade.

A deusa não falou mais nada do assunto, e terminou as preparações do envio da alma para o corpo adequado com os requisitos desejados, o que não demorou nem mesmo 1 segundo. Ela então adicionou:

— Você vai poder falar diretamente comigo quando alcançar o Reino do Vazio Primordial, mas isso com certeza vai demorar bastante tempo. Então não tenha pressa e viva a vida mais agradável que puder no novo mundo!

As palavras “Reino do Vazio Primordial" deixaram o homem atordoado por um momento, foi que então ele de repente entendeu porque a deusa hesitou em fazê‐lo uma mulher.

— Mas que porr...!

Antes do homem terminar o que ia dizer sua consciência caiu em um estado parecido com sono profundo, e seu corpo pálido foi elevado ao alto e desapareceu em um redemoinho esverdeado. 

A mulher assistiu e suspirou. “Verde… qual a razão para essa pessoa ter uma ligação tão forte com essa cor, ao ponto de trazê-la consigo para o plano dos inexistentes?”

Ela então relaxou sua postura e falou para o vazio:

— Tem certeza disso, mestre? Eu não vejo nada de tão especial nessa pessoa, então por que dar a ele um destino diferente dos outros?

Quando a mulher terminou de falar, uma voz preencheu todo o espaço, mas estranhamente não vinha de lugar nenhum. Era como se nem estivesse ali em primeiro lugar.

— Eu gostei bastante dele, então por que não? E qual é a dessa de "deusa da alma"? Só se passaram 100.723 anos desde que você começou o castigo, já ficou tão entediada a ponto de inventar títulos estranhos para si mesma?

— Sim, eu estou entediada, mestre. Eu reconheço que cometi um erro, então por favor amenize meu castigo.

— Reconhece que cometeu um erro? Você tirou mais de 4 ordens miliares de vidas e reconhece que cometeu um erro? 

A voz proferiu em um tom levemente enraivecido, que fez com que tudo dentro do plano existencial em que a mulher estava começasse a se despedaçar como vidro sendo quebrado. A realidade estava sendo quebrada e esmagada ao mesmo tempo que era reconstruída. A mulher tremeu e suou vendo isso.

— Ehn, sim, foi um erro da minha parte...

Ela não pôde evitar de se encolher enquanto falava.

— Bem, já que você reconheceu que cometeu um erro, eu aumentarei o seu castigo em 10.000 anos. Agora depressa! Existem muitas almas que estão na fila esperando a renascença.

— Si‐sim, senhor meu mestre.

Ela falou suavemente enquanto suor encharcou seu corpo. Ela só viu raiva genuína na voz desse ser uma única vez, e com certeza era algo que ela nunca mais queria ver novamente em sua quase infinita vida.

— E pare com essa porcaria de mestre.

— Sim… mestre.

Assim, a mulher continuou com seu castigo por longos milhares de anos, e também teve que consertar seu plano existencial que foi despedaçado pelo poder da voz misteriosa.

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