Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo Final

As arquibancadas estão vazias, mas os holofotes seguem acesos apesar da desolação. Romanto está no centro da arena. Ele pisa na parte do chão que está mais suja de vermelho, parando para observar a marca.

“Esta arena ficou semelhante a do submundo no fim do torneio… como Sr. Holliver previu. Creio que tenha ordenado não arrumarem a terra após o último confronto. Enfim tudo acabou, hum?... Foi um grande investimento que praticamente só se pagou, não houve muito lucro. ‘O Supremo Capricho do Holliver’, não posso dizer que desgostei.”

Seus passos soam pelo local, iniciando uma volta por seu contorno. As arquibancadas são iluminadas, as pessoas ressurgem nos assentos como fantasmas, e, naturalmente, junto de seus brados fervorosos. Os olhos do Romanto vão para a fênix no alto.

Sua memória retrocede o tempo… voltando ao confronto final do torneio.

Faíscas jorram, Laerte as atravessa para chegar à arena. Sua expressão está focada por completo, seu andar é rígido e marca a terra; uma cobertura de cor preta está presa a metade superior do seu braço esquerdo. Faíscas jorram, Kaon também adentra no território da terra, surpreendendo o público com a quantidade incontável de faixas enroladas por seu corpo; seu braço direito está com uma cobertura leve de gesso, prosseguindo caído, sem qualquer utilidade.

— E eu pensando que estava sendo arrogante ao aparecer na final com o meu braço nessas condições — fala Laerte. Os dois ficam próximos do centro.

— Arrogante não, eu diria corajoso.

— Um elogi…? 

— Afinal você pisou nessa arena mesmo sabendo que eu assisti três lutas suas. Considera que ainda exista que não tenha me preparado contra?

O boxeador é abalado por essas palavras, expondo a grande tensão escondida em sua seriedade. Não há outra troca de palavras. Ambos tomam suas posturas de luta — na medida do possível.

O apito soa, a batalha começa.

Laerte pisa forte à frente para investir com um soco de direita, atravessando a imagem residual do oponente, que acaba de o contra-atacar com um murro no plexo solar; o pugilista ignora a dor para agir neste instante, aproveitando o toque em sua pele para guiar-se até onde está Kaon.

Libera um gancho de esquerda, pulverizando as bordas do corpo dele com a passagem de raspão, inebriando seus sentidos com o toque.

 Ao começar a usar seu jogo de pés, Laerte cria outras imagens suas pela extrema velocidade imposta. Com a distrações feitas, aproxima-se repentinamente pelo lado direito do oponente; Kaon o recepciona com um chute reto na face, entortando a postura do boxeador com o repelimento da cabeça junto das costas. Seu coração está acelerado igual na luta contra Traçal, o que avermelhou a pele — todas as cartas já estão na mesa.

Nos trocas seguintes, Laerte consegue fazer o rival recuar de um lado a outro pela arena, lhe causando cortes nas projeções dos jabs, sujando suas faixas com sangue.

Talvez devido à quantidade de lutas até aqui, ou, a fadiga acumulada nos finalistas e público, mas o tempo passou rápido nas trocas perigosas. O momento é lento em suas principais trocas rodeadas de sangue e suor, porém veloz no restante. “A cereja do bolo”?

Ao desviar se abaixando de um direto, Kaon se achega e acerta atrás dos joelhos do boxeador com um chute poderoso, fazendo-o cair antes que o acertasse com um soco no peek-a-boo.

Laerte estava muito solto naquela luta. Por saber que o adversário estava muito ferido, cansado e só com 2 II para o proteger dos seus avanços, ele não precisava lutar preocupado com agarrões, o que justamente… 

Kaon acerta um soco cruzado no queixo e empurra uma das pernas dele para o lado, fazendo-o desabar com o cérebro chacoalhando. Tirando proveito deste curtíssimo tempo de paralisia, o rapaz encurta mais ainda a distância entre eles e faz uma chave no braço ferido do Laerte.

...selou seu destino.

Quando se recupera, o pugilista tenta se libertar, mas leva joelhadas constantes no fígado que o impendem de se focar corretamente na concentração de aura, e, nem os balanços do corpo conseguem tirar o rival da sua chave.

Após segundos eternos de resistência — encobertos pelo auge de ânimo das arquibancadas — um finalmente cede: Laerte cai de joelhos; os músculos do Kaon estão fortalecidos ao limite, forçando o braço ao limite com o alongamento — o tendão está prestes a estourar.

No meio de outro balanço desesperado, Kaon acerta outra joelhada. No fim, quando preenchido por uma dor que ergue suas pupilas vazias, Laerte ouve o soar do apito num mundo de formas e cores confusas; desmaia com sangue…  não, com a vitória deslizando pelos dedos.

As pessoas desaparecem das arquibancadas e os holofotes à volta apagam. O tempo volta ao presente com Romanto observando o ambiente.

“Na hora seguinte a conclusão da final, Kaon foi para o centro da arena e recebeu uma salva de palma durante a entrega do troféu. Ele o entregou para sua acompanhante, uma bela moça de cabelos brancos, ganhando em seguida o vidro que porta a yrai de Tier 5. Lembro que quando a levantou para o alto não foi por uma intenção comemorativa, mas para ver a reflexão das luzes dos holofotes pelos profundos tons de vermelhos da joia.”

“Durante a entrevista na arena, ele contou a todos seu motivo para lutar, finalizando com: Que esteja provado ao mundo. Meu estilo é forte. Sinceramente… esses jovens.”

Romanto se vira e caminha para fora da arena, dando um sinal com a mão para que os últimos holofotes sejam apagados.

[15° Luta (4°F) - Laerte vs Kaon

Duração - 4 m 17 s

Vencedor - Kaon]

 

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Shinsai está dentro de uma limusine com Holliver, ambos estão tomando um pouco de champanhe. 

— Conseguiu se divertir com esse evento no “mundo da luz”? — pergunta Shinsai.

— Demais! Hehehe! Me lembrou até dos velhos tempos, quando não havia tantas frescuras.

— Hm… Isso significa que há chances de outro Torneio da Corte acontecer?

— Não, não. Essa foi minha despedida para os meus fãs no “mundo da luz”, sei que já adivinhou o outro motivo para eu ter o feito. 

— Sim.

— Independente do quão interessante tenha sido essa competição, ela não se compara a diversão que tenho no submundo. Aquele é meu lugar, onde posso apresentar o “show” como quiser.

— Prefere eventos com yrais?

— Com certeza. 

— Entendo…

— Vamos parar de falar disso e ir ao motivo de eu ter o chamado. Já tomou sua decisão, Shinsai? Como pode ver, estou ficando cada vez mais velho, não vou durar muito, então torço para que possa decidir logo.

O lutador fica com uma expressão séria, encoberto pelo brilho do nascer do sol que passa pela janela. Ele se recorda do tempo em que houve o enterro da sua filha, dia que aproveitou para chamar Traçal para uma conversa a sós:

— (…) Sei que estou inferindo na intimidade que vocês dois tinham. Mas naquele momento, ela não disse nada que você poderia me contar?

— Hahahaha…! — Traçal ri do nada, ficando com uma expressão insana por algum tempo. — Argh! Desculpe! Eu ainda não estou bem para falar de algo sobre aquele dia… Porém, tem uma coisa que quero te contar, algo que também servirá como meu juramento.

As palavras soam, secas.

De volta ao presente, Shinsai aperta um botão que ergue o vidro escuro, rejeitando a luz da manhã.

Ela disse que queria as suas cinzas espalhadas no prêmio do maior cenário competitivo de artes marciais desse mundo. Juro que irei cumprir o desejo dela, mesmo que custe minha vida, relembra o lutador com suas próprias palavras.

Shinsai põe sua taça ao lado da garrafa. Seu aspecto sombrio emana um vórtice de pressão negra à volta. Holliver esboça um sorriso de empolgação ao presenciar tamanha hostilidade. 

“Pelas palavras de Mirai, não precisa ser necessariamente você, Traçal”, considera o lutador. “Foi mal, mas vou roubar esse objetivo, mesmo que signifique acabar com o sentido da sua vida… pois, sou um pai egoísta.”

Depois de segundos nesse clima, Holliver indaga:

— I-isso seria um sim?! O campeão do “mundo da luz” finalmente irá descer para lutar pelas glórias do submundo?!

— É, estou dentro. Após esses últimos anos, finalmente acredito que estou apto para “descer”. 

— Ótimo, ótimo!! Hahaha!! Comemoremos a chegada de um novo campeão!! HAHAHAHAHAHA!!!

A limusine desaparece pelas ruas de Montes da Luz.

 

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Kaon e a moça de cabelos brancos saem do edifício pela entrada principal, agora vazia. O rapaz está vestido com roupas que ocultam a maioria das faixas por suas feridas, que em parte foram reduzidas pelo tratamento durante a noite.

Por já ser manhã, há pouco movimento de pessoas que reconheçam o lutador.

— Ha ha ha! Cara — fala a moça —, essa foi uma madrugada do caramba!

O braço do Kaon está engessado, sustentado por um laço no pescoço. Olhá-lo o faz se recordar de alguns momentos dos confrontos que teve.

“Leniza está na personalidade agressiva”, pensa, a avaliando. “As ‘trocas’ dela estão ficando cada vez mais rápidas. Seria o sinal de uma mescla das personalidades? ou para uma condição pior? (...) Ela foi um dos pilares que me fez alcançar o nível em que estou, se não fosse pela minha experiência enfrentando seus 900 II desde novo, eu não poderia ter derrotado Traçal. Eu deveria agradecer as duas personalidades por isso?”

Eles param em uma loja de roupas. Ela vai de um lado a outro, tendo sérias dúvidas sobre o que escolher.

— Agora que você ficou famosinho, melhor comprarmos roupas para esconder sua aparência, né? Ah! Que tal esse boné?!

— Escolha o que preferir, vestirei qualquer coisa. 

Ao voltarem a caminhar, Kaon começa seu monólogo:

“Os anos passam, e eu sinto minha inconsequência diminuir. Seria isso uma qualidade que está vindo com o tempo? Ou apenas minha coragem fraquejando? Isso me faz lembrar o quanto ainda me falta de uma compreensão melhor de mim mesmo.

“Disse que conhecia todas as minhas emoções, mas ainda falta uma.”

Ele segura a mão da Leniza. Não satisfeita, ela agarra seu braço, apoiando a cabeça sobre seu ombro.

“Sim, essa.”

A caminhada prossegue.

“Uma yrai é algo que nunca entrei em contato. Estou curioso… sobre o quão forte posso ficar ao dominar seu poder, só que mais ainda para saber sobre como é ter uma família.”

No dojo, ele fica sentado na beirada do jardim, sentindo o vento que leva as folhas para longe.

“Me pergunto se você aprovaria o caminho que trilhei, velhote. Não sei se é o correto, mas sei que ainda há muito à frente para eu aprender: tanto sobre a natureza humana, tanto como me tornar um lutador melhor. Hoje sou grato por estar vivo, e, cada minuto que esses olhos registram… será uma boa referência para o futuro.”

[Vencedor do Torneio da Corte: Kaon.]



Fim



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