Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 28: Berço Problemático

O teto é coberto de rachaduras, e, com um estouro, derruba rochas imensas de concreto. A ilusão de desfaz, dando lugar aos holofotes e fênix da arena.

Traçal soca o adversário na face, jogando-o contra o chão, por onde roda até bater as costas na parede.

“Opa! Não devo ficar perdido nos meus pensamentos”, considera Traça. “Por que eu estava me lembrando daquilo em um momento como esse?”

Ele retorna a pose dividida entre “vermelho” e “azul”, continuando a manter o sorriso largo durante a espera pelo caído.

Ao empurrar o chão com as mãos, Ury se levanta de uma vez. Após segundos de expirações densas, caminha na direção do oponente, parando só ao estar próximo. Eles se encaram com os olhos queimando de hostilidade. Ury refaz sua postura de batalha, tudo está para recomeçar.

“Tomou um em cheio e não parece abalado…” Traçal aproxima-se com passos curtos. “Algumas dessas drogas te tornou mais resistente? Tch! Isso não faz sentido.”

Ury enche os pulmões, sendo o primeiro a agir: lança uma estocada contra a face do rival, parado no bater da “mão de sabre” em seu pulso; seu joelho sobe, neutralizando o punho do Traçal que ia na direção da sua barriga. Poeira se espalha à volta deles.

A mão de sabre cai desde o alto, Ury a evita indo para o lado, revidando com o acerto ao lado do umbigo do adversário, marcando-o. 

Uma forte ventania empurra seu cabelo para trás, o estrangeiro percebe algo vindo, decidindo-se ir para o lado na passagem de um balanço pesado. Pela falha, o braço do Traçal fica estendido ao lado da sua cabeça, uma abertura que é aproveitada, usada para atingir o ponto de acupuntura no centro desse membro e na coxa esquerda, que são amassadas pelos dois dedos avantajados.

Ury recua o braço direito, desferindo uma estocada contra a garganta do rival; a mão de sabre sobe, repelindo o ataque com o impacto. O estrangeiro se espanta ao perceber a mão que o parou está virando para agarrar seu antebraço, algo que o faz a recuar de imediato; é punido com um impacto da mancha vermelha sobre seu fêmur, agora trincado. Sua forma se abala com a dor.

“Uma armadilha?...”, pensa Ury.

Traçal segura o ombro do adversário. O sabre azul é enviado contra a cara do Ury, parado quando o robusto é afligido pelo afundar dos dedos do oponente na sua pele, na mesma área que acertou antes pelos bíceps, penetrando por lá com a agulha de aura. Traçal range os dentes pela dor, afrouxando o aperto, permitindo-o escapar.

O pé do estrangeiro atinge a coxa do rival, explodindo vapor com o acerto, envergando o equilíbrio dele, em seguida bate debaixo dos lábios com um direto de direita, tirando sangue.

Traçal gira a cintura, interrompendo a sequência do adversário com o acerto do seu punho contra o semblante, que é amassado igual papelão. Ury rodopia pela força da pancada, caindo de costas no chão com um baque.

Vendo-o no chão, o robusto se aproxima já lançando uma pisada que é evitada num giro apressado para o lado. O chão estremece.

“Esse cara…”

Traçal toma um soco na barriga, pela força embutida é repelido com seus pés deslizando pela areia. Tendo se defendido, se recupera rápido para investir, conseguindo acertar a mão cerrada na cintura do oponente, depois o sabre no tendão do braço direito; a têmpora amassa com a colisão do sabre, ficando com um corte. Apesar de levar tantos golpes, Ury sempre se recupera rápido, o causador de um acerto poderoso no plexo solar do oponente, realizado com o mesmo vigor que tinha no início da luta. Sua fadiga é inexistente.

“...não está sentindo dor. Que droga conveniente, hein?!”

O robusto ergue o punho direito ao alto, derrubando-o sobre a clavícula do adversário, o chão abaixo dos pés dele explode com a dispersão do choque. Ury avança para o lado como se nada tivesse acontecido.

“Entendo… Não é tão bom quanto o do irmão, mas também consegue anular impactos.”

Eles investem um contra o outro. Traçal manda socos desde ângulos baixos e retos, Ury os evita com os braços ao lado das suas costelas, prontos para serem disparados como lanças na primeira abertura.

Com a tensão aumentando na curta distância, os dois tomam distância um do outro.

“Você realmente está se esforçando! Achei que tinha injetado as drogas por ganância, mas não tem como ser tão persistente e resistente apenas por causa disso! Hahahaha!” Traçal abaixa seu centro de gravidade, um momento antes do próximo embate. “Seus punhos estão gritando que há uma causa mais nobre! Ury, o que te faz ficar de pé?! O que te fez chegar a esse ponto?!”

A batalha continua por mais dois minutos, toda a arena é revirada pelos seus confrontos na curta distância e média distância. O público e os narradores gritam, vendo o desdobrar do destino.

Aos 3 minutos e 57 segundos o confronto chega a outro momento de “cessar-fogo”.

Cada lutador dá passos para trás, seus equilíbrios estão medíocres.

As íris do Traçal desaparecem, seu corpo e expressão estão travados, tremendo. Fogo percorre as veias do rapaz, queimando parte por parte dos seus nervos; a lava cobre e seca do lado de fora do seu corpo, contendo-o numa prisão de obsidiana. A quantidade de vezes que foi golpeado nos pontos de acupuntura se multiplicaram desde os primeiros minutos.

Ury tem um ataque de tosse, despejando sangue sobre a terra. Está pálido e com a respiração densa. Seu corpo possui a vermelhidão dos golpes da mão em forma de sabre e as manchas roxas dos murros de direita que levou.

Ele levanta o olhar de cores secas, e, com o semblante determinado, foca-se no rival.

A vitória ou a derrota estão a um passo.

 

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As sombras de uma mulher e de um homem discutem, ameaçando constantemente se tocarem com intenções violentas. No corredor de madeira, ao qual pertence à parede que serve de plataforma para elas, está um garoto — está Ury. Ele fica sentado ao lado de umas das portas vendo as sombras dançarem num ritmo convulsivo.

Eu odeio minha família.

Em outro dia, quando treinava com seu irmão mais velho, seu pé dobrou-se para o lado durante um passo à frente, fazendo seu corpo miúdo cair de lado contra o chão. Ele fecha os olhos pela dor, pois torceu o tornozelo, sentindo as lágrimas surgirem nos cantos dos olhos.

— Ah! sério?! — reclama seu irmão. Ele se abaixa, segurando com força o rosto do Ury. — NÃO CONSEGUE NEM ANDAR DIREITO?!! HÃ?!!

Seus olhos encontram-se com os outros pares que o observam na escuridão além da porta. As silhuetas dos demais jovens da família o olham com desprezo; gargalhadas e piadas chegam até seus ouvidos, o perturbando como assombrações. O garoto cerra os punhos, puxando o choro para fundo enquanto aguenta as broncas incessantes.

Os dias passam. Seja embaixo do sol ou chuva forte, Ury treina, às vezes golpeando por horas o pedaço de tronco no quintal, às vezes ficando paralisado numa postura pós-golpe para fortalecer a flexibilidade e ímpeto. Seu semblante se torna mais inexpressivo à medida que seu corpo cresce e se torna mais forte.

A linhagem da qual venho possui uma longa história. Na antiguidade, éramos um clã de assassinos, por isso nosso nome é famoso por todo o país. O nome da família é grande, mas como “família”, não consigo chamar nenhum deles. 

Ury caminha por um corredor, encobrindo o som dos passos ao ouvir uma conversa, aproximando-se da brecha das portas para conferir.

— Quem é esse garoto?! — indaga a mulher.

— Eu o encontrei durante a viagem — responde o homem —, só pode ser a encarnação de uma entidade!

— Que porcaria você quer dizer com isso?!

— Esse garoto tem um futuro promissor como artista marcial! Acredite em mim!

— Argh! Ele fede! Tire-o da minha frente! Depois falamos sobre isso!

O olho do Ury reflete a aparência do jovem que segura o braço do seu pai: se resume a “medíocre” na condição da roupa, parecido com um mendigo que rolou pela terra. Ambos têm praticamente a mesma idade. O garoto desconhecido fica quieto, notando a presença do que bisbilhota, olhando de volta com curiosidade.

Nessa época Jay não tinha o costume de manter as pálpebras tão para baixo.

— Sinceramente, esse idiota! — Diz a mulher ao sair do local pela porta, não se deparando com Ury por tal ter se escondido na bifurcação do corredor, rota pela qual ela segue no rumo oposto. — Trazendo mais uma boca para alimentarmos… Qual o maldito problema com ele?

O tempo passa. Durante o treino do Ury no quintal, seu pai se aproxima acompanhado do garoto desconhecido.

— Ury! Pare o treino!

Ele obedece, virando-se na direção do homem.

— Está vendo esse jovem? Sendo o mais diligente entre sua geração, quero que a partir de hoje fique encarregado de o treinar e vigiar.

Os dois se entreolham, repetindo a situação das íris refletindo a imagem um do outro.

— O nome dele será Jay, um novo membro da família que carregará nosso honroso sobrenome e também nos representará nas competições. Não me desaponte, Ury.

O homem vai embora do lugar, deixando-os sozinhos.

Eu não saberia nesse ponto… mas você seria o único que eu teria orgulho de chamar como irmão.

No começo Jay se prova inexpressivo como o novo irmão, mas ainda diferente na essência. Sua expressão é sempre calma… pura, como um bebê, enquanto a do demais está sempre imersa numa seriedade anormal para sua idade, com as sobrancelhas apertadas desde uma eternidade.

Os dias passam, os garotos estão sempre juntos. Ury o guia no treino com cuidado, falando e ajudando-o a se posicionar em posturas de luta, com paciência, aguardando que os resultados cheguem no devido tempo. Na hora do banho, também ajuda Jay a se lavar, por esse não demonstrar nenhum costume sobre esse hábito — um animal? —, enchendo suas costas com espuma. No horário de dormir, ambos o faziam no chão, em futons.

O novo membro da família cai em um sono profundo, por outro lado, Ury olha o teto de madeira na espera do seu sono. Uma rotina estranha se enraíza em seu cotidiano.

Os anos passam, os dois crescem participando de competições, derrubando seus oponentes com uma destreza que empolga o público, vitórias conquistadas só após lutas árduas, que os faziam ficar com marcas claras das pancadas que levaram.

Quando vão embora desses eventos, acontece às vezes dos dois estarem entristecidos pelas derrotas, em contraparte quando ao menos um ganhava, o que resulta em expressões sorridentes, principalmente nos casos do Jay, que se tornou bem mais expressivo.

Em casa, nas vezes em que perdem, naturalmente são bombardeados por broncas dos familiares mais velhos. “Não há o que questionar, compensarei nas próximas”, é o que pensam durante as noites posteriores às falhas.

Um dia, uma parente do Ury está presente com o filho. Ele é deixado para o jovem o segurar durante a conversa dela com outra pessoa. Ury observa o bebê que segura seu dedo com uma mão pequenina, o deixando imerso num sentimento de realização que deixa os arredores radiantes, mas brandos nos seus tons pesados que presenciava na infância.

Eu odeio minha família, definitivamente. Porém… 

No salão, seus irmãos mais velhos lutam, havendo uma torcida animada de parentes para cada movimento que fazem nesse treino. Apesar de claramente chegar na mente do rapaz as imagens de momentos em que a maioria deles estavam estressados e discutindo com alguém, em contraparte também aparecem as de quando ficavam tristes quando perdiam uma batalha nas competições e de como são empolgados torcendo uns pelos outros.

...não há maneira de eu abandoná-los. 

Mais anos se passam.

Há pouco tempo do presente do Torneio da Corte, a sua família está reunida numa sala, imersos num clima depressivo que os obscurecem. Alguns estão caídos desesperançados, principalmente o seu pai, que está debruçado sobre uma mesa com uma mão na cabeça, chorando.

— Como pôde perder o dinheiro da família em apostas, querido… — A mulher está de costas numa parede.

Sem outras opções, a partir daquele dia, cada membro se foca em evitar que o clã falisse, buscando fervorosamente trabalhos ou lutas que correspondessem a lucro. Alguns dos mais velhos chegam até a ir para partes sombrias da cidade em busca de oportunidades, mas a dívida é grande demais para ser resolvida mesmo por esses meios.

Por essa época que chega ao país a história sobre o Torneio da Corte e seu prêmio impressionante, servindo como uma solução milagrosa para a sobrevivência, traçando o destino do Jay e Ury como participantes.



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