Volume 2

Capítulo 4: Yakishio Lemon Conta Tudo

NA NOITE SEGUINTE, EU ESTAVA FOLHEANDO LIGHT NOVELS NA SEIBUNKAN. A viagem de volta de Shinshiro, no dia anterior, tinha passado num piscar de olhos graças ao falatório sem pausa da Tsukinoki.

Eu queria encerrar tudo no momento em que cheguei em casa, mas sabia que ainda faltava um último capítulo — Yakishio e Ayano ainda precisavam conversar. Meu trabalho era garantir que Yakishio chegasse com segurança ao ponto de encontro naquela noite. Saí de casa um pouco mais cedo, inquieto demais pra ficar parado esperando a hora chegar.

Uma coisa sobre esse encontro: Yakishio não estava indo atrás de pena, nem pra tentar a sorte uma última vez. Ela já tinha feito isso. Aquilo era mais como uma autópsia emocional. O que sairia dali, ninguém sabia.

— Oh, olha só. Volume novo de HSG.

HSG, claro, era como a gente chamava Meu Apartamento Veio com uma Colegial e Agora Não Consigo Mais Pagar as Contas — uma história sobre uma garota que vai morar com o protagonista e o estresse financeiro ultra realista que vem junto com cuidar de alguém. No volume mais recente, outra garota tinha se juntado à dupla, forçando o protagonista a tomar medidas ainda mais drásticas para se virar.

— Uau, ele começa a entregar jornal? Preciso ver isso.

Alguém tocou no meu ombro enquanto eu lia a sinopse na contracapa.

— Sabia que ia te encontrar aqui, Nukkun.

— Ah. Yakishio.

Era ela, a garota da vez.

— Fui na sua casa, mas me disseram que você tinha ido pra estação — disse ela. — Tive um pressentimento.

— Ah, legal. Mas, hm… o que é essa roupa aí?

Ela estava usando uma camiseta de corrida e um short. Nada parecido com o que se espera ver num cliente de livraria.

— Tava correndo — respondeu. — E desde quando eu não ando assim? — sorriu, toda orgulhosa.

— Cê tem certeza? Vai ver o Ayano assim mesmo?

— Uhum. Quero ser eu mesma quando encontrar com ele. — Olhou pras prateleiras à minha frente. — Então essas são as tais light novels. Será que eu dou conta de um?

— Ah, são leitura fácil. Não vejo por que não.

— Nem comecei o relatório do livro ainda. Qual desses aqui é o mais curto?

— Yakishio, amanhã é o último dia das férias de verão.

— Dica de ouro: é só dizer que esqueceu em casa. Ganha uma semaninha extra de boa. Às vezes, com sorte, o professor até esquece que pediu. — Ela puxou um da estante. — Ei, esse parece maneiro.

Balancei a cabeça.

— Melhor não. O protagonista corre pelado pela cidade logo nas primeiras páginas.

— E esse aqui?

— Também não. O personagem principal é montado por uma garotinha semi-nua de oitocentos anos logo na primeira ilustração colorida.

— Tô tentando de verdade achar um que pareça normal, viu.

— Impressionante como você tá falhando.

Disse que ia emprestar um fácil pra ela usar no relatório, e então fomos embora. Saímos pra rua, iluminada pelos postes, naquele quase-escuro da noite.

Yakishio se espreguiçou.

— Nada como um bom livro pra fazer o cérebro funcionar, né?

Imagine como vai ser quando você realmente ler um, pensei comigo mesmo. Ainda tínhamos tempo pra matar. A ideia inicial era nos encontrarmos perto da casa da Yakishio e de lá ir direto encontrar o Ayano. Dei uma espiada no relógio. Yakishio pegou meu braço e espiou também.

— E aí, o que vai fazer? Vai a pé?

— Tava pensando em enrolar mais um pouco e depois pegar o bonde.

— Hmm — murmurou, insatisfeita, raspando a sola do tênis no asfalto. — Ah, quer saber? Vou correr mais um pouco e depois encontro contigo de novo.

— É, vamos fazer isso mesmo. Seguir o plano.

Yakishio parecia não muito convencida. Pensando bem, ela tinha vindo até aqui só pra me ver. Cocei a nuca e encarei o nada.

— Mas acho que, se eu for andando, chego bem na hora. E seria bom me exercitar um pouco.

Yakishio imitou meu tom de voz.

— E eu bem que preciso de uma pausa depois de toda aquela leitura. Caminhar vai ajudar a esticar as pernas.

Nos olhamos ao mesmo tempo. Compartilhamos uma risadinha.

— Estamos indo para o mesmo lugar, afinal — eu disse.

— Verdade. Estamos sim. Acho que vou ter que ir com você, então.

Yakishio entrelaçou as mãos atrás da cabeça e me lançou um olhar sarcástico. Rebati com um sorriso igualmente provocador.

Quarenta minutos de conversa fiada se passaram. Falamos sobre as tarefas de verão, a cerimônia de abertura que seria em dois dias, e uma senpai do time de atletismo da Yakishio que era um pouquinho assustadora. Com o tempo, no entanto, os silêncios ficaram mais longos. Os comentários dela, mais curtos.

O ponto de encontro era a antiga escola primária, e estávamos quase lá. Observei o prédio através da cerca enquanto caminhávamos pelo perímetro.

— As luzes estão apagadas.

Espere... isso era invasão, né? Só me dei conta naquele momento.

— Quase na hora — disse Yakishio, segurando o peito e respirando fundo. Murmurou algo para si mesma como um incentivo. — Certo.

— Ei, talvez seja um pouco tarde pra perguntar, mas... a gente pode só entrar numa escola primária assim? Acho que não pode, né?

— Seria bom ter dito isso antes — ela respondeu, com as mãos na cintura, revirando os olhos. — Durante o dia, fica aberta. Vai dar tudo certo, contanto que a gente não cause alvoroço. Confia em mim, já tô acostumada.

Uma reincidente. Pelo menos não era meu pescoço na reta. Quando comecei a levantar o braço para me despedir, Yakishio cutucou.

— Você disse aquilo de propósito pra me distrair, não foi?

— Hã... não?

— Obrigada. Tô bem agora. Me espera aqui.

Aparentemente, meu trabalho era de ida e volta. Bom saber, embora a ideia de ficar parado aqui, no meio da noite, não me deixasse muito empolgado. Yakishio notou meu jeito inquieto e arqueou uma sobrancelha.

— Você não vai me dizer que deixaria uma garota voltar sozinha pra casa, essa hora da noite, vai?

— Pff. Eu? Jamais.

— Ótimo. Até daqui a pouco.

Ela me deu um dos seus sorrisos característicos e então ergueu a mão. Levei uns bons cinco segundos para entender o gesto e levantar a minha também.

— É hoje que tudo acaba! — disse ela, e me deu um cinco com toda a força de quem esperou tempo demais por isso.

Saiu como um raio, pulando o portão dos fundos com uma agilidade que só quem já tinha feito aquilo muitas vezes teria.

O pátio iluminado pela lua parecia menor do que Lemon se lembrava. Naquela época, tudo era tão novo, cada cantinho um pedaço inexplorado do mundo. Naquela época, pequeno nem fazia parte do vocabulário dela.

Lemon atravessou o velho parquinho, sentindo o toque frio do metal nos dedos enquanto passava por brinquedos que pareciam encolhidos. O silêncio vazio a deixava desconfortável. Ela desejou que já fosse de manhã. Procurou por ele pelo campus e, ali na beirada, em frente a uma tela Stevenson branca, o encontrou. Um jovem alto, se remexendo de forma ansiosa.

O mundo dela girou. O que estava em cima ameaçava se tornar embaixo. Lemon respirou fundo, lutando contra o instinto de fugir, e se aproximou. Cada passo era uma vitória. Quando parou em frente a ele, percebeu que não tinha pensado no que diria. Nem em como agir.

Meio sem saber o que fazer, esboçou um sorriso.

— Obrigada por vir, Mitsuki.

— É importante.

A voz era mais grave agora, escondida sob anos de amadurecimento, mas Lemon a reconheceu. Reconheceu o jeito como ele apertava os lábios quando estava nervoso. Foi um alívio perceber que ela não era a única. Ele também estava perdido.

— Parece que faz uma vida desde a última vez que estivemos aqui, né? — Lemon se virou, convidando-o a andar.

Mitsuki a seguiu meio passo atrás.

— Quatro anos, pra mim.

— Então quatro anos pra mim também.

Lemon se lembrou das muitas lágrimas na formatura, pensando que voltaria a brincar ali o tempo todo, já que morava tão perto… e nunca mais voltou. Ela correu até um trepa-trepa com escorregador acoplado, admirando a estrutura.

— Você vai se machucar. Está escuro — advertiu Mitsuki.

— Eu não vou subir. Não sou mais uma criança. — Ela fez biquinho, frustrada por ele ter estragado a diversão tão rápido. — Lembra quando a gente usava os balanços juntos pra ver quem pulava mais longe?

— Eu lembro de você fazendo isso… e quase quebrando a perna no processo.

— Talvez… Uau, esse pneu me leva direto pro passado. — Lemon pulou sobre um dos pneus semi-enterrados no chão. Ninguém sabia ao certo para que serviam. Alguns montavam neles, outros passavam por dentro, outros só pulavam. Lemon saltou de um para o outro até sentar no último. — Sempre foram tão pequenos assim?

— Acho que sim — disse Mitsuki. — Não lembro de você brincando muito com eles nos últimos anos que passamos aqui. — Ele se sentou num pneu ao lado dela.

Isso fez Lemon sorrir. Aquilo realmente bastava. Ela saboreou aquele sentimento. Porque provavelmente seria a última noite em que o sentiria.

— A gente se conheceu na segunda série, né? — disse por fim, ainda que doesse encerrar o momento. Mitsuki assentiu. — Eu não gostava muito de você no começo, sabia? Você só ficava lendo, e eu não entendia isso.

Foi uma novidade para Mitsuki. Ele respondeu com um sorriso de canto.

— Coloquei na cabeça que tinha que ler todos os livros da biblioteca da turma por algum motivo.

— Você…? Nah, provavelmente nem lembra da primeira vez que a gente conversou, né?

— Foi quando você machucou o pé.

Foi no outono da segunda série. Lemon tinha torcido o tornozelo pulando do balanço, e embora não fosse nada grave, disseram a ela para evitar brincadeiras agitadas. O excesso de tempo livre e o tédio deram início à amizade.

— Então você lembra — disse Lemon, rindo.

— Como eu esqueceria o dia em que a rainha das encrenqueiras decidiu atrapalhar meu momento de leitura? Foi traumático, viu?

— Nossa, diz o que sente mesmo! Você quer dizer que não leu pra mim só porque teve pena da garota triste e solitária que não podia sair pra brincar?

— Foi menos leitura e mais resumo. Você nunca teve paciência.

— Verdade, aconteceu mesmo. Você basicamente me dava uma versão resumida. — Lemon deu uma risadinha. Mitsuki deixou de fingir exasperação e riu com ela. — Eu nunca entendi livros. Sempre me davam sono. Mas quando era você falando sobre eles, por algum motivo… isso nunca acontecia.

Mitsuki respondeu com um murmúrio de confirmação.

— Foi por isso que continuei voltando, mesmo depois de ter melhorado.

Foi aí que começaram as desculpas. Estava chovendo, estava muito quente, muito frio... Lemon inventava qualquer motivo pra se juntar a ele no que quer que estivesse fazendo.

— Mal sabia eu que um dia teria que explicar toda a trama de cada livro de Harry Potter pra você — lamentou Mitsuki, mas com um sorriso.

— Ah, quer reclamar? Imagina a minha confusão quando vi os filmes! Você me disse que o Harry casava com a Hermione no final!

— Eu não achei que você fosse realmente acreditar.

— Ótimo, então eu sou burra agora?

Mitsuki caiu na gargalhada. Lemon tentou retrucar, mas não conseguiu segurar o riso também. Ela limpou o canto do olho enquanto recuperava o fôlego.

— Bons tempos.

— Difícil acreditar que já se passaram oito anos.

Eles podiam ter continuado relembrando por toda a noite. E como Lemon queria isso. Mas o amanhecer viria de qualquer forma, e cabia a ela decidir se estaria acordada para vê-lo.

Lemon tomou as rédeas.

— Lembra no ginásio, quando eu disse que queria ir pra Tsuwabuki e todo mundo riu de mim? Até os professores. Foi pesado, né?

— Soava bem maluco com suas notas.

— Mas você não riu.

— Mas eu achei que você tava maluca.

— Peraí, é verdade! Você não riu, mas disse que porcos voariam antes de eu passar no vestibular comum! — Lemon lançou um olhar acusador. — Você literalmente disse: "Vai por um patrocínio e reza".

— Em minha defesa, suas notas estavam mesmo no fundo do poço.

A Tsuwabuki High School era especialmente renomada em Aichi. Para Lemon, na época, era praticamente um sonho impossível.

— Tá, mas por que me ajudou então?

— Ué, por que não ajudaria uma amiga?

Lemon se encolheu ao ouvir a palavra. Amigos era o que eles eram. O que sempre seriam.

— É muito esforço pra fazer só por uma amiga — conseguiu dizer. — Você até me ensinou a priorizar questões e maximizar pontos. Como é que você aprende esse tipo de coisa?

As aulas de Mitsuki tinham ido muito além das provas periódicas comuns. Ele se esforçou ao máximo para aprender os pontos-chave de cada matéria, chegando ao ponto de estudar as manias específicas de cada professor — tudo para elevar as notas da Lemon e atender aos critérios exigentes de Tsuwabuki para alunos patrocinados.

— O que posso dizer? Eu era o queridinho dos professores. Provavelmente teria sido um bom orientador na época.

— Tá, mas você literalmente anotou os aniversários e datas de casamento de todos eles. Isso dá um trabalhão.

— Eu sou do tipo tudo ou nada — disse Mitsuki. — Mas olha, o atletismo foi todo mérito seu. Você era a capitã do time e subiu no pódio da competição estadual.

Apesar de ter sido ele quem sugeriu que ela mirasse nos dois — porque o próximo torneio nacional seria realizado localmente —, completou:

— E não se esqueça, você estudou pra caramba. Quando chegamos no terceiro ano, você era uma das melhores alunas.

— Melhor da nossa escola — corrigiu Lemon. — Nos simulados, eu estava abaixo da média.

A segunda metade do ensino fundamental foi como uma corrida de três pernas, com os dois lutando para conseguirem passar nos exames de admissão. Para quem visse de fora, Lemon podia parecer sobre-humana, equilibrando tudo isso com os treinos, mas ela sabia bem o que passou para dar conta. Sabia o que eles passaram.

Ela guardava aquele sofrimento compartilhado bem fundo no coração.

— Eu só não entendo — disse, curvando o corpo como se algo a estivesse deixando louca.

— Não entende o quê?

— Tudo. Todo o esforço que você fez por mim enquanto também tinha suas próprias preocupações — respondeu Lemon, exaltada. — Você faria isso por só uma amiga?

Mitsuki franziu a testa.

— Você me contou que sua família era cheia de estudiosos e advogados. Que se sentia mal por não ser tão inteligente quanto eles. Foi por isso que você quis ir pra Tsuwabuki.

— Tô surpresa que você lembra de tudo isso.

Lemon percebeu.

— É, tanto meu pai quanto minha mãe... e praticamente todo mundo na minha família foi para escolas muito boas. Eles sempre diziam pra eu não me comparar com eles, mas às vezes não tem como evitar — disse, endireitando-se. — Mas isso é só metade da verdade.

Mitsuki sentiu o peso na voz dela — tão diferente da Lemon que conhecia. Lemon o encarou de frente.

— Eu só queria estudar com você.

Ele a fitou, esquecendo de respirar.

— Lemon…

— Eu fui honesta com você, Mitsuki. Agora é a sua vez.

— Minha vez?

— Por que você fez tudo aquilo por mim? Eu quero a verdade.

Mitsuki entrelaçou as mãos. Nenhum dos dois podia fugir naquela noite.

— Eu… também queria estudar com você — disse, olhando para o chão. — Você já estava se destacando no fundamental, ganhando corridas, sendo reconhecida nas assembleias. Todo mundo gostava de você. Você era o centro de qualquer lugar que entrava.

Respirou fundo, escolhendo as palavras seguintes.

— Eu sentia como se estivesse te perdendo, então fiquei aliviado quando você pediu minha ajuda. E fiquei, bom... em êxtase quando disse que queria ir pra mesma escola que eu.

Mitsuki abriu e fechou a boca várias vezes. Tinha mais a dizer, mas não sabia como. Eventualmente, desistiu de tentar.

Lemon quebrou o silêncio.

— É a primeira vez que eu te ouço dizer isso.

— Eu estava tão envolvido naquele momento. Eram tantas emoções, e eu não conseguia entender que a mais importante de todas era…

Mitsuki não terminou a frase. Não conseguia. Não mais. Mas também não precisava.

— Eu digo por você.

Mitsuki se encolheu. Lemon apenas sorriu e, na voz mais suave que já usara, disse o indizível.

— Você me amava.

O silêncio falou mais alto que qualquer palavra. Era a única resposta que Mitsuki podia dar. Com calma, ele voltou a falar.

— Eu nunca soube o que aquilo significava pra mim até…

Hesitou.

— Pode falar — incentivou Lemon.

— Até a Chihaya. As coisas que eu sinto por ela, o jeito como meu coração dispara quando estamos juntos… foi aí que percebi. — Uma percepção que veio oito anos tarde demais para Lemon. — Foi aí que eu entendi como é estar apaixonado.

E ainda assim, uma realização que levou oito anos para acontecer com Asagumo Chihaya.

— Que bom — disse Lemon, em voz baixa.

O tempo deles juntos teve um propósito. Ela sorriu para Mitsuki.

— De verdade. Que bom.

— Mas eu…

— Estou falando sério. A pessoa que eu amo disse que me ama de volta. Estou feliz.

Tão feliz quanto se pode estar sem estar com você.

Lemon se recusava a dar forma àquele pensamento. O tempo deles havia acabado antes mesmo de começar. Um jogo de amor não declarado, perdido na primeira rodada. Ela forçou um sorriso.

— E o que te fez se apaixonar por ela?

— Você… tem certeza que quer ouvir isso?

— O gênio já saiu da lâmpada, amigo — Lemon riu.

— Eu… — Ele falou devagar. — Eu quero trabalhar com livros no futuro.

— Sério? — Lemon arregalou os olhos. — Tipo, em editora ou vai ser escritor?

— Ainda não é tão específico assim. É só um sonho que eu tenho — Mitsuki olhou para a própria mão aberta. — Ainda preciso avaliar o que eu sei fazer e o que realmente quero fazer. De qualquer forma, queria estudar em uma universidade em Tóquio. Ver o que consigo fazer com esses quatro anos lá.

Lemon se perdeu nele por um tempo. No futuro que ele imaginava. E concluiu que só havia uma razão para ele falar sobre isso agora.

— E a Asagumo também quer isso?

— Sim. O mesmo sonho, mais ou menos. Na verdade, foi ela quem me colocou nesse caminho.

— Uau. Eu nunca conseguiria fazer o que vocês fazem.

— Eu que digo isso, Lemon.

— Justo — ela pensou.

Ela olhou para o céu ao lado de Mitsuki e apontou.

— Ei, por que aquela estrela ali tá tão brilhante? É a Estrela do Norte?

— A Estrela do Norte é pra aquele lado. Acho que você tá olhando pro Triângulo de Verão. Tá vendo os outros dois pontos? Eles formam os vértices.

— Só tô vendo uma. Meio avermelhada. Talvez seja Marte?

Mitsuki estreitou os olhos e assentiu.

— Antares, acho. É da constelação de Escorpião.

— Escorpião. Legal — disse Lemon, levemente entristecida com o fato de que viam coisas diferentes no mesmo céu. Pensou em Asagumo Chihaya. Ela também teria visto as mesmas estrelas. — Cuida bem dela, tá ouvindo? Você precisa de uma garota como a Asagumo pra te manter na linha.

— Eu sei.

Silêncio novamente. Nenhum dos dois tinha mais palavras para encerrá-lo.

O que precisava ser dito já tinha sido. Agora, alguém precisava ter a ingrata tarefa de encerrar tudo de forma digna.

— Vamos, Lemon — disse Mitsuki, levantando-se e assumindo o papel.

— Vou ficar aqui mais um pouco. Tô precisando de um tempo sozinha.

— Você vai ficar bem?

Lemon assentiu. Ela ficaria. Com o tempo.

— Só preciso respirar um pouco. Daqui a pouco volto a ser a de sempre. Pode esperar.

Já fazia uns vinte minutos que eu esperava a Yakishio terminar de invadir o terreno.

— Vai ver eu achei um gato hoje — murmurei, tentando enxergar além do portão que ela havia pulado.

Eu tinha toda uma história preparada caso alguém perguntasse o que estávamos fazendo ali, e envolvia um gato fugitivo.

— Ela vai ser uma tricolor e vai se chamar Nyaruko.

Imaginei a Nyaruko como uma ex-gatinha de rua que só respondia a mim e só aceitava comida das minhas mãos. Ela seria, é claro, uma gata — caso algum dia se transformasse em humana.

Comecei a rolar a galeria do meu celular, só pra garantir que estaria preparado. Foi então que percebi alguém parado na minha frente.

— Uh, miau?!

— O que você tá fazendo aqui, Nukumizu?

Era o Ayano. Eu nem tinha notado que ele tinha voltado pelo portão.

— Eu sou, ahm… o motorista — respondi.

— Meu?

— Cara.

Eu tossi, finalmente mudando para o modo social.

— Tô levando a Yakishio pra casa. — Olhei por cima do ombro dele, em direção à escola. — Ela ainda tá lá?

— Tá. Disse que queria um tempo sozinha. — Ele percebeu meu incômodo e leu minha mente. — Não se preocupa. Foi uma boa conversa. Valeu por estar com ela.

Dessa vez, decidi confiar no olhar calmo no rosto dele.

— O mínimo que posso fazer é garantir que ela chegue em casa bem.

Ayano continuou parado. Olhei para ele e nossos olhos se encontraram.

— A Chihaya me contou que você na verdade não tem uma queda pela Yanami.

— Bom, é… — Eu tinha esquecido completamente dessa história. Ele me analisou por um tempo.

— Você é um cara legal, Nukumizu.

— Sem ideia de onde você tirou isso.

— Só algo que aprendi recentemente. Aparentemente, é bem raro ter um amigo disposto a se arriscar por você.

Amigo? De quem ele tava falando?

— Eu não sou amigo dela, se é isso que você tá insinuando.

— O quê? Você tá brincando, né?

— Quer dizer, nenhum de nós disse que somos amigos. Tipo, oficialmente, sabe? — comecei a divagar. — Tipo, se ela acha que somos amigos, ótimo, mas, tipo, nunca dissemos isso em voz alta, então como eu posso assumir, sabe?

O último dia do semestre antes das férias de verão me veio à cabeça. Minha amizade com Yanami aparentemente tinha começado sem que eu soubesse. Apesar de ter sido algo chocante na época, eu me considerava alguém capaz de evoluir como ser humano.

— Não que você precise de uma confirmação verbal para ser amigo de alguém, claro — corrigi. — Eu sei disso.

— Ainda bem. Você quase me deixou preocupado.

— O que eu queria dizer é que você pode assumir que é mais próximo de alguém do que realmente é, e achar que são amigos quando, na real, a pessoa nem pensa o mesmo. Imagina o quão vergonhoso seria.

— Sinceramente? Acho que você tá preso demais na sua própria cabeça, Nukumizu. — Ayano começou a rir, mas logo ficou sério. — Mas, não… você pode ter um ponto, em certo sentido.

Finalmente, alguém entendeu. Assenti com entusiasmo.

— Exato. O processo de confirmação tem seu valor.

— Entendo seu ponto, mas você tá superestimando o tipo de pessoa que a Lemon é. E, olha, nós somos amigos, não somos? E nunca tivemos que declarar isso explicitamente.

— Somos amigos?

Ayano recuou.

— Ai. Isso doeu.

Ele tava falando sério? Espera. Tive que pensar nisso. Talvez não fosse tão ruim. Eu não odiava o cara, afinal.

— Bom, então… antes tarde do que nunca — falei. — Ao nosso futuro juntos?

— Não tô te pedindo em casamento, cara — disse Ayano, caindo na risada. E eu ri junto.

Da outra vez, eu fui o que propôs. Dessa vez, o proposto. Uma coincidência engraçada, admito. Em meio à nossa risada surgiu uma garota bronzeada do outro lado do portão da escola, e ela não parecia nem um pouco divertida.

— Bem, eu estava me sentindo sentimental — disse ela, ainda assim animada. E pulou o portão. — O que vocês dois tão aprontando, podem me dizer?

— Coisas de homem — Ayano me cutucou com o cotovelo. Retribui desajeitado.

— É, o que ele disse.

Tava fazendo certo? Será que parecia natural? Talvez eu estivesse exagerando. Ayano pôs a mão no meu ombro.

— Seu chofer está à disposição, Lemon.

— É, é. Segura as lágrimas no caminho pra casa, princesa, porque eu não vou voltar pra te salvar — disse Yakishio.

Ayano ia deixá-la? Assim, de boa? Suponho que ele não pudesse continuar arrastando a Asagumo para esses encontros mal explicados. Yakishio veio e me deu um tapa nas costas.

— Desculpa pela demora, Nukkun. Vamos.

— É. Claro. — Observei Ayano se virar pra ir embora. Minha cabeça fervilhava com mil pensamentos conflitantes, todos pedindo atenção. Ignorei todos. — Na real… espera só um segundo. Foi mal.

— Hã?

Agarrei o braço do Ayano e o puxei pra um lugar onde a Yakishio não pudesse ouvir.

— Que que você tá fazendo, Nukumizu?

— Por que não caminha com ela? Só mais uma vez.

Ele ficou tenso.

— A gente já conversou. Não quero fazer isso com a Chihaya.

— Eu entendo, mas não pensa demais. São só mais alguns minutos juntos.

— Não sei não…

Nós dois olhamos pra Yakishio. Ela observava a gente de longe, curiosa.

— Você só vai acompanhar ela até em casa — insisti. — Qual o problema nisso?

— Eu disse pra Chihaya que a gente ia conversar, mas qualquer coisa além disso…

— Pode te fazer parecer um traidor. É.

Ayano refletiu um pouco, então sorriu em rendição.

— Não conta pra ela.

— Então não faz nada que me obrigue a contar. — Empurrei ele na direção da Yakishio. — Ela é toda sua.

— Nukkun? Que tá acontecendo? — ela perguntou.

— Tenho um compromisso, então o Ayano vai me substituir.

Yakishio se endireitou num pulo, como se tivesse levado um choque. Ayano se aproximou dela, coçando a cabeça de maneira desajeitada.

— Já tá tarde, então... hum... se importa se eu te acompanhar até em casa?

Yakishio assentiu timidamente.

— Claro.

Enquanto os observava se afastar, percebi que Ayano não estava usando a pulseira que a namorada dele tinha dado. Dei de ombros.

— Ele é mais desligado do que parece.

Era uma noite especial. Daquelas que deixam meninas doces um pouco mais azedas. Apesar de provavelmente a Asagumo ficar do meu lado nessa, eles mereciam guardar esse pequeno segredo entre si.

Segui meu caminho pra casa, sozinho.

— Ei, Mitsuki.

— Oi?

— Eu te amo.

— Lemon...

— O quê?

— Nada. Obrigado. Significa muito ouvir isso.

— Heh... Posso dizer uma coisa que provavelmente não deveria?

— Que tipo de coisa?

— Daquelas que a Asagumo não precisa saber... e aí eu nunca mais peço nada de novo.

Mitsuki se viu refletido nos olhos castanhos e brilhantes de Lemon. Ele assentiu. Apenas um segredo. Yakishio Lemon entreabriu os lábios. Eles disseram tudo.

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