Volume 9

Capítulo 27: Sétimo Andar de Aincrad

— Kirito, essa língua não para quieta, hein?

Asuna, minha parceira temporária, chamou minha atenção, e eu rapidamente devolvi a língua para a posição habitual, depois de tê-la encostada no canino superior direito. Mas não se passaram nem três segundos antes de o canino superior esquerdo começar a coçar também. Mesmo que os dentes do meu avatar não devessem ter qualquer sensação — assim como na vida real —, eu não conseguia evitar a inquietação a menos que estivesse pressionando a língua contra eles ou cerrando levemente o maxilar.

O motivo era simples: meus caninos — especialmente os superiores — tinham crescido quase cinco milímetros. Estranhamente, minha mordida não havia sido afetada, mas eu não era mentalmente forte o bastante para ignorar o fato de que agora, o que eu tinha não eram mais apenas dentes... e sim presas.

— Olha só isso... — resmunguei, mostrando os dentes com uma careta.

Asuna, sentada à minha esquerda, inclinou-se e os observou de perto. Por um momento, senti uma vontade de fingir que ia morder o pescoço delicado dela, mas imaginei que ela soltaria um grito enorme se eu fizesse isso, então me contive. Apesar de estarmos em uma zona segura, ainda estávamos no fundo de uma dungeon — no coração da torre do labirinto.

— Uau... Eu sei que é meio tarde pra perguntar isso, mas não dói falar? Tipo, você não morde a língua ou os lábios?

Ela perguntou com um olhar preocupado em seus olhos cor castanho-avelã. Assenti, aliviado por não ter levado adiante minha brincadeira infantil.

— Nem tanto. De algum jeito eu consigo lidar com isso. Comer talvez seja outra história...

— É... Desde que você virou um vamp... Digo, um cidadão da noite, tudo que você tomou foi ponche de frutas na praia em «Volupta».

— Vampiro está bom. Não é como se «Nirrnir» estivesse ouvindo — respondi com um sorriso torto.

Asuna riu baixinho e disse.

— Verdade.

Achei ter visto uma pontinha de tristeza em seu sorriso — provavelmente não era apenas impressão minha. Asuna, «Kizmel» (a cavaleira elfa negra) e eu havíamos deixado a cidade-cassino de «Volupta», no sétimo andar do castelo flutuante Aincrad, apenas três horas atrás, logo depois de o calendário virar para 9 de janeiro.

Chegamos ao sétimo andar às 10:00 da manhã do dia 5 de janeiro, então ficamos por lá menos de quatro dias. Mesmo assim, nesse curto período, criamos muitas memórias. Tenho certeza de que Asuna sentia o mesmo — talvez até «Kizmel» também.

«Nirrnir Nachtoy», a chefe do Grande Cassino de «Volupta», e sua guarda-costas e empregada, «Kio», nos trataram, dois vagantes sem rumo, com uma gentileza excepcional. Quando «Nirrnir» sugeriu que poderíamos ficar e viver em «Volupta», ao invés de seguir para o oitavo andar, confesso que considerei seriamente — mesmo que só por um instante.

É claro que ela não sugeriu isso apenas por bondade. O destino quis que eu lhe oferecesse meu sangue a «Nirrnir», uma Lady da Noite — uma vampira — e assim me tornasse um dos seus: um Cidadão da Noite..

Esse evento não existia no beta teste. Eu nem sequer conheci «Nirrnir» ou «Kio» naquela época. Também nunca ouvi rumores sobre jogadores virarem vampiros, então isso devia ser conteúdo exclusivo da versão oficial. O que significava que nem mesmo a Argo, a Rata, teria informações sobre isso.

Naturalmente, «Nirrnir» me contou tudo que pôde. Mas, depois de passar mais de 300 anos confinada no cassino, ela não tinha dados de combate no mundo real — como minhas novas características interagiriam com mobs ou como afetariam os outros atributos.

Até agora, o que sabíamos sobre minha condição era simples: fraqueza à prata, ausência de envelhecimento, debilitação progressiva sem ingestão regular de sangue e morte instantânea ao ser exposto à luz solar. Basicamente, nada muito diferente dos vampiros da ficção. Um detalhe único era que o sangue de dragão era mais eficaz que o humano. Graças a isso, eu poderia sobreviver por um tempo sem precisar beber de ninguém.

Afinal, «Nirrnir» preparou uma poção secreta de família — a Poção de Sangue de Dragão — a partir da grande quantidade de sangue do boss do sétimo andar, «Aghyellr, The Igneous Wyrm». Diluiram o sangue com álcool forte e misturaram ingredientes medicinais, criando uma poção que eu só precisava beber uma vez por semana para evitar a morte por debilitação. Tínhamos trinta frascos, o suficiente para mais de meio ano. E, se acabassem, poderíamos voltar a «Volupta» para conseguir mais.

Ou seja, por ora, eu não precisava usar minhas presas. E evitar prata era uma questão de cuidado. O verdadeiro problema era a luz do sol. Segundo «Nirrnir», mesmo uma exposição direta de menos de dez segundos seria suficiente para me reduzir a cinzas.

Cada andar de Aincrad (exceto o mais alto) tem o piso do andar seguinte apenas cem metros acima, o que significaria que a luz solar deveria nos atingir apenas por alguns momentos, de manhã ou à noite. No entanto, por mecânicas do jogo ou talvez algum tipo de magia dentro da lore, os raios solares pareciam atravessar todos os andares do castelo flutuante como se ele fosse translúcido.

O resultado: sair durante o dia, sem as devidas precauções, era morte certa. Mesmo completamente coberto por um manto espesso com capuz, e permanecendo na sombra, o reflexo da luz solar ainda podia causar Intoxicação Solar — uma condição que gera penalidades nos atributos e dano contínuo.

Resumindo, até encontrar um jeito de reverter o vampirismo, só podia me mover à noite. Eu queria acreditar que estava seguro dentro das dungeons, mas até elas às vezes tinham trechos banhados pela luz do sol, então não havia garantias. «Nirrnir», «Kio», Asuna e «Kizmel» haviam me advertido claramente.

— Não saia durante o dia.

E eu sabia que precisava priorizar minha segurança. Afinal, se meu corpo virasse cinzas aqui, no mundo real meu cérebro seria fritado pelo NerveGear. Ainda assim, ficar trancado o dia todo em um quarto escuro de estalagem, com as cortinas bem fechadas, era extremamente frustrante.

Dito isso, ser um vampiro não era só desvantagem. Minha força, agilidade e proficiência em habilidades tinham recebido bônus de atributo. Agora eu tinha visão noturna aprimorada permanente, o que significava que não precisava mais de fonte de luz nas dungeons. Além disso, podia empunhar sem penalidades a lendária espada longa que consegui em «Volupta» — «Doleful Nocturne».

Atualmente, presa às minhas costas, estava a «Sword of Volupta», antes exibida como o prêmio mais valioso do Grande Cassino. Ela exigia a absurda quantia de 100.000 fichas para ser resgatada — equivalente a dez milhões de Cols — e vinha não apenas com atributos-base excepcionais, mas também com três efeitos passivos poderosos: imunidade a veneno, regeneração automática de HP e aumento na taxa de acertos críticos.

As principais guildas da linha de frente — a DKB e a ALS — chegaram a disputar a espada. Mas, após uma série de reviravoltas, fui eu quem acabou ficando com ela. Para ser honesto, minha principal preocupação não era a alegria de ter conseguido uma arma poderosa, e sim como explicar isso para eles. Ainda assim, olhando para trás, talvez tenha sido o melhor desfecho possível.

Isso porque a «Sword of Volupta», agora renomeada como «Doleful Nocturne», revelou-se uma lâmina amaldiçoada com um efeito colateral aterrorizante: quando empunhada por um humano, ela suga continuamente a experiência acumulada. No entanto, quando equipada por um vampiro, o efeito de drenagem é anulado. Além disso, se for empunhada com as duas mãos em força total, a espada libera uma lâmina de energia carmesim como ataque à distância.

Foi graças às capacidades avassaladoras da espada que Asuna, Argo, «Kizmel» e eu conseguimos chegar à sala segura no topo da torre do labirinto do sétimo andar em apenas duas horas após partirmos de «Volupta». Nunca chegamos a enfrentar uma situação em que a imunidade a venenos fosse necessária, mas a regeneração constante de HP durante as batalhas e os acertos críticos quase garantidos com golpes limpos foram inestimáveis. Mesmo ao enfrentar vários mobs de uma vez, um único uso da habilidade de espada de quatro golpes, «Horizontal Square», bastava para eliminá-los — ou, no mínimo, derrubá-los ou fazê-los recuar. Avançamos com tanta força que parecia que havíamos saltado muito além das antigas linhas de frente.

O que eu não esperava, no entanto, era como a habilidade mais poderosa da espada — sua lâmina de energia — podia ser complicada de usar na prática.

Seu alcance ultrapassava dez metros e seu poder superava até habilidades de espada de golpe único. A maioria dos mobs podia ser eliminada com um acerto direto. Porém, havia vários momentos em que disparar a lâmina de energia poderia ser um problema — como quando havia um aliado atrás do inimigo.

Nesses casos, eu não podia arriscar usar o golpe de duas mãos, que era o gatilho. Embora eu fosse um usuário de espada de uma mão, e a «Doleful Nocturne» fosse tecnicamente classificada como uma espada reta de uma mão, seu cabo era longo o suficiente para que, sempre que eu queria desferir um golpe forte, instintivamente usava as duas mãos. Como resultado, eu já havia disparado a lâmina de energia acidentalmente três vezes no caminho até ali. Felizmente, ainda não tinha atingido Asuna ou mais ninguém, mas, se continuasse com esses "disparos acidentais", era só uma questão de tempo até algo dar errado.

Cheguei a pensar se não seria melhor abandonar meus princípios e começar a usar um escudo — só para não poder mais empunhá-la com as duas mãos... e foi então que aconteceu.

De repente, senti um leve peso pressionar suavemente meu ombro esquerdo. Quando olhei para o lado, vi Asuna encostando a cabeça em mim, respirando suavemente enquanto dormia.

Seu pescoço branco como a neve espreitava pela abertura de sua capa com capuz, deixando-a tão indefesa que um leve arrepio percorreu meu corpo. Quase inconscientemente, minha língua tocou novamente minhas presas — mas não senti vontade de mordê-la, nem sede por sangue. Pelo menos por enquanto. Ainda assim, achei que continuar olhando não era uma boa ideia, então virei rapidamente o rosto. O movimento fez meu corpo se mover um pouco, mas Asuna não acordou.

Não posso culpá-la. Havíamos derrotado o boss do sétimo andar pouco antes do meio-dia de ontem, ficamos no labirinto até o pôr do sol, voltamos a «Volupta» para nos despedirmos de «Nirrnir» e «Kio», e então partimos após a meia-noite e refizemos o caminho até perto do topo do labirinto — tudo isso em um único dia. Foi um cronograma exaustivo. 

O horário atual era 2h15 da manhã. Asuna e eu sempre seguimos um ritmo de incursão diurno, então, em circunstâncias normais, já estaríamos dormindo profundamente. Queria deixá-la descansar mais um pouco — mas sabia que não poderíamos ficar parados para sempre.

Ainda assim... talvez mais quinze minutos. Não, trinta.

Justo quando esse pensamento passou pela minha mente, ouvi passos suaves se aproximando pela direita.

Entrando na sala segura estava uma elfa negra vestida com armadura de prata negra e uma capa de cor crepúsculo profunda. Era «Kizmel», uma cavaleira da Guarda Real do Reino de «Lyusula».

Nos conhecemos no terceiro andar, no início da missão da Guerra dos Elfos, então já fazia quase um mês desde que começamos a viajar juntos. E, ainda assim, sempre que eu via sua figura imponente e graciosa, não conseguia evitar me impressionar com sua presença estranha e envolvente.

«Kizmel» era uma NPC — uma personagem não-jogável no VRMMORPG Sword Art Online. Mas ao notar Asuna dormindo e oferecer um sorriso caloroso e gentil, aquilo não parecia de forma alguma uma expressão facial pré-programada.

Ela desviou o olhar de Asuna para mim e sussurrou, numa voz quase inaudível.

— Deixe-a dormir só mais um pouco.

— Sim. Obrigado por fazer o reconhecimento.

Respondi suavemente. Havíamos chegado à sala segura cerca de quinze minutos antes, mas «Kizmel» largou sua mochila e saiu imediatamente, dizendo que queria verificar o caminho adiante. Naturalmente, Asuna e eu nos oferecemos para ir junto, mas ela recusou, dizendo que isso anularia o propósito da missão de reconhecimento.

Apesar de ser uma guarda real, «Kizmel» era habilidosa em furtividade e infiltração — o que provavelmente explica por que era designada para missões solo. Sua capa era encantada com magia poderosa de ocultação, e embora sua visão noturna não fosse tão boa quanto a minha agora, ainda era excelente. Ela podia passar facilmente despercebida por grande parte dos mobs do labirinto sozinha.

O único risco real era encontrar jogadores ou NPCs hostis, mas ela prometera recuar imediatamente se isso acontecesse. A julgar por sua expressão, porém, não foi o caso. «Kizmel» fez um pequeno aceno com a cabeça e sentou-se silenciosamente ao meu lado. Sua voz rouca e reconfortante soou mais uma vez.

— Havia apenas três lagartos blindados vagando pelo caminho até a câmara secreta. A aranha que Lady «Nirrnir» colocou como armadilha durante o dia ainda estava lá, então parece que nenhum dos Caídos voltou.

— Entendi...

Respondi com um leve aceno de cabeça.

A "aranha" a que ela se referia era uma Aranha Espreitadora Minúscula, um monstro que «Nirrnir» havia domado com suas habilidades especiais. Tinha o tamanho de uma moeda de cinco centavos, e sua forma negra como breu faria tanto minha irmã Suguha quanto eu gritarmos se víssemos uma em casa no mundo real. Mas, aqui, era considerada um mob de classe minúscula.

«Nirrnir» havia lhe dado um comando simples — fugir se sentisse perigo — e a posicionou nas sombras perto da entrada da sala secreta. Se a porta fosse aberta ou perturbada, a aranha fugiria em resposta à vibração. Como ainda estava no lugar, isso significava que a porta não havia sido tocada.

Achei que um método mais simples — como escorregar um pedaço de papel pela fresta da porta — teria sido suficiente, mas, ao pensar melhor, percebi que isso não funcionaria neste mundo. Aqui, objetos deixados no campo perdem durabilidade com o tempo e acabam desaparecendo. Um simples pedaço de papel não duraria nem meio dia, e até um marcador mais resistente, como um fragmento de metal, poderia ser descoberto pelos Elfos Caídos.

Nesse sentido, um monstro domado era muito mais confiável, já que não perde HP por conta própria. É verdade que, se ficar sem comida, sua lealdade pode diminuir e romper o vínculo, mas segundo «Kio» — que disse isso com orgulho em nome de «Nirrnir» —, a habilidade de domar de «Nirrnir» é tão forte que um monstro pode ficar de prontidão por mais de um dia sem problemas.

De todo modo—

— Se a porta não foi aberta nem fechada, então a chave secreta deste andar provavelmente foi roubada ontem — murmurei.

«Kizmel» suspirou e assentiu em concordância.

— Parece que sim... Se foram os Cavaleiros de Sândalo ou os Cavaleiros Trifoliados que a pegaram, tudo o que podemos fazer é torcer para que não tenha havido baixas.

— Os Caídos perderam quase trinta soldados no Castelo Galey, no sexto andar. Duvido que tenham recursos para lançar um ataque frontal contra uma unidade de cavalaria. Mais provável é que tenham causado confusão com seus venenos ou bombas de fumaça habituais e escapado apenas com a chave.

— De fato... Depois daquele ataque, os Caídos chegaram ao ponto de enviar um vice-general para roubar as chaves de alguém tão inexperiente quanto eu.

Havia um leve tom de autodepreciação em sua voz. Quase por reflexo, estendi minha mão direita e toquei suavemente a mão esquerda de «Kizmel», que descansava sobre o chão frio de pedra.

— «Kizmel», entre todas as pessoas que conhecemos em Aincrad, você é uma das mais honradas — não, é uma dos dois cavaleiros mais incríveis que eu conheço. Perder uma vez não é motivo para duvidar de si mesma.

— Heh…

«Kizmel» soltou uma risadinha baixa e, em seguida, desculpou-se com um sorriso gentil.

— Não, perdoe-me. Só fiquei surpresa por ouvir palavras tão reconfortantes vindo de você, Kirito.

— Eu-eu já disse coisas assim antes, não disse…? — Ainda sorrindo, «Kizmel» inclinou levemente a cabeça.

— Então, quem é a outra cavaleira?

— Ah… bem...

Pisquei, e pensei no cavaleiro elfo negro barbudo que encontramos no Palácio da Árvore Hallin.

Ele havia sido preso nas masmorras do palácio por trinta anos. No começo, era impossível se aproximar dele, mas, ao saber que o ferreiro que havia reforjado a rapiera de Asuna era seu irmão mais novo, ele fugiu prontamente e nos ajudou a resgatar «Kizmel». Sua perícia com a espada, intelecto e confiabilidade inabalável encarnavam o ideal de um verdadeiro cavaleiro.

Mas o rosto que surgiu na minha mente naquele instante foi de outra pessoa.

— Aquele velho era um ótimo cavaleiro, e somos muito gratos a ele... mas nem ficamos juntos por meio dia. Não parece certo compará-lo com você, «Kizmel».

Assim que disse isso, «Kizmel» se inclinou para mais perto, claramente intrigada.

— Então quem é?

— Uh… na verdade, ele nem era um cavaleiro. Era um aventureiro como eu. O nome dele era Diavel.

— Diavel... Não me lembro de tê-lo conhecido.

— Você não teria mesmo. Ele morreu pouco antes de Asuna e eu conhecermos você — durante a batalha contra o boss de andar no primeiro nível, o Guardião.

Pelo canto do olho, notei a expressão de «Kizmel» mudar levemente, surpresa, e continuei.

— Foi ele quem reuniu os aventureiros dispersos e formou um grupo de ataque de verdade. Sem ele, talvez Asuna e eu ainda estivéssemos presos no primeiro andar.

— Entendo... Ele deve ter sido um homem notável. Oro para que a alma do Cavaleiro Diavel repouse agora sob a Grande Árvore Sagrada.

Seguindo o exemplo de «Kizmel», fechei os olhos em oração silenciosa.

Muito provavelmente, o jogador chamado Diavel morreu em algum lugar do Japão, com o cérebro queimado pelo NerveGear. Mas, se almas realmente existem, então talvez — só talvez — a dele ainda esteja aqui, dentro do SAO, observando o destino deste mundo.

Em seus momentos finais, ele disse: "Deixo o resto com você, Kirito."

Ele tinha seus defeitos — como tentar comprar minha «Anneal Blade» em segredo, ou saltar para a luta para tentar garantir o Bônus de LH contra o boss de andar — mas sua determinação de zerar o jogo, de libertar os dez mil jogadores presos, era verdadeira. É por isso que Lind, líder da DKB, e Kibaou, da ALS, continuam lutando para levar adiante seu legado. 

Embora, para ser honesto, eu desejasse que eles parassem de brigar sempre que se trombavam.

Percebendo que minha oração silenciosa estava sendo corrompida por pensamentos aleatórios, abri os olhos e olhei para o canto inferior direito da minha visão. 2h25. Nosso horário planejado de partida era às 2h30. Eu teria que acordar Asuna em breve.

Estendi a mão em direção à minha parceira adormecida, ainda encostada no meu ombro esquerdo, e hesitei por um instante antes de cutucar levemente sua bochecha. A sensação suave — quase irreal de tão lisa — me fez parar por um segundo, mas já era tarde demais para recuar.

Cutuquei de novo. E mais uma vez.

Suas sobrancelhas se contraíram levemente em resposta. Retirei rapidamente a mão e chamei.

— Asuna, é hora.

— Mmm... muuissuuu...

Com essa murmuração estranha, Asuna abriu lentamente os olhos. Levou apenas uns três segundos para perceber em quem estava encostada e, com reflexos bons demais para alguém que acabara de acordar, afastou-se num pulo. Passando da posição reclinada para ajoelhada com graça natural, ela assumiu uma expressão composta e falou.

— Você podia ter me acordado logo, sabia?

— Nah, você parecia tranquila demais para ser incomodada — respondi.

— Eu não estava tranquila, só estava cochilando um pouco.

— Que nada — você estava dormindo profundamente, nível categoria avançada.

— Que "categoria" é essa?

Asuna estreitou os olhos com desconfiança. Dei de ombros e disparei um "Nada, nada" antes de virar para o lado. Senti «Kizmel» sorrindo e prestes a fazer algum comentário, então me apressei para mudar de assunto.

— Certo, hora de seguir em frente.

— De fato.

«Kizmel» assentiu e se levantou. Para não ficar atrás, Asuna e eu também nos pusemos de pé de imediato. Se fosse no mundo real, eu com certeza teria ficado tonto de levantar tão rápido, mas nem mesmo SAO simulava esse nível de realismo físico.

«Kizmel» sacudiu a poeira da capa e nos olhou com uma expressão séria.

— Kirito, Asuna.

Assim que ela chamou nossos nomes, Asuna interrompeu antes que «Kizmel» pudesse continuar.

— «Kizmel», não importa quantas vezes você pergunte, Kirito e eu não vamos mudar de ideia. Não importa quais perigos estejam à frente... não, justamente por causa desses perigos... nós não vamos deixar você ir sozinha. Porque nós somos... nós somos, uh...

Ela se perdeu nas palavras, sem conseguir definir o que nos ligava exatamente. Olhando para ela, também busquei uma forma de descrever o que unia nós três.

Na floresta do terceiro andar, Asuna e eu havíamos tropeçado em dois cavaleiros em combate intenso — um elfo da floresta e uma elfa negra. Naturalmente, nos aliamos à elfa negra: «Kizmel». Fiz a mesma escolha durante o beta teste, mas naquela vez, os golpes incessantes do elfo da floresta estraçalharam meu HP. Achei que estávamos condenados — até que a cavaleira elfa negra realizou um ataque suicida, e ambos os NPCs foram derrotados juntos.

Presumi que aconteceria o mesmo na versão oficial de SAO. Mas Asuna, com um golpe de gênio, inverteu totalmente o evento "derrota obrigatória". Antes que «Kizmel» tivesse de usar sua carta na manga, Asuna já havia vencido o cavaleiro inimigo. Nunca vou esquecer a expressão surpresa de «Kizmel» naquela hora.

A partir dali, Asuna e eu começamos a ajudar «Kizmel» a recuperar as Chaves sagradas. Tecnicamente, isso nos tornava "ajudantes contratados" — mas nunca enxerguei nosso relacionamento como uma mera formalidade. E se até eu — que era praticamente viciado em jogos antes do SAO — pensava assim, então Asuna, que tratava todos os NPCs como pessoas reais, com certeza também.

Enquanto Asuna e eu tropeçávamos nas palavras, «Kizmel» deu um sorriso gentil e disse.

— Eu considero vocês dois meus amigos para a vida toda. O fato de que eu — eu — pudesse sentir isso por humanos... nem mesmo «Tilnel» acreditaria.

Ao ouvir o nome da irmã falecida, Asuna se lançou para a frente e envolveu «Kizmel» num abraço apertado. Depois, sussurrou no ouvido da cavaleira elfa.

— Eu sinto o mesmo, «Kizmel». Você é minha amiga pra vida toda. Então, por favor... nunca mais diga que vai sozinha.

— Eu entendo.

«Kizmel» ergueu os dois braços com delicadeza e acariciou as costas de Asuna. Em seguida, estendeu a mão direita para mim e me lançou um olhar — um convite claro para me juntar ao abraço.

O velho eu teria sacudido a cabeça feito louco. Mas «Kizmel» já me abraçara mais de uma vez, e depois de tudo que passamos, até mesmo Asuna e eu já nos abraçamos — ou fomos abraçados — em algumas ocasiões. Então respirei fundo, dei um passo largo à frente e envolvi tanto «Kizmel» quanto Asuna num grande abraço coletivo.

Asuna se enrijeceu por um instante, mas felizmente não me bateu nem gritou. «Kizmel», por sua vez, passou o braço direito pelas minhas costas e me segurou com firmeza.

Graças à força considerável da cavaleira, fui puxado inevitavelmente para um abraço coletivo em máxima proximidade. Mesmo com todos nós usando armaduras metálicas na parte superior do corpo, o calor e a suavidade ainda conseguiam atravessar em vários pontos, fazendo com que eu — tardiamente — começasse a ficar nervoso. Mas, naquele ponto, não havia como recuar.

É só um avatar. Só um avatar, repetia mentalmente para mim mesmo enquanto o abraço se prolongava por longos cinco segundos. Por fim, «Kizmel» soltou o braço das minhas costas, me dando a chance de me afastar rapidamente. Asuna foi a última a soltar «Kizmel». Também deu um passo para trás e então lançou um breve olhar em minha direção.

Tentei decifrar a emoção por trás de seus olhos cor castanho-avelã, mas ela virou o rosto antes que eu conseguisse entender. Sem ter para onde mais olhar, baixei os olhos para a direita — 2h30 em ponto.

— T-Tá certo, vamos em frente!

Minha declaração saiu meio engessada, mas «Kizmel» respondeu com um firme: — Sim.

E Asuna assentiu em silêncio.

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