Volume 1
Capítulo 14: Planos
— Como é? Essa é a nossa parte do acordo? Você tá louca?!
— Você sabe muito bem do que eles são capazes!
— Gente, o quão ruim exatamente é essa situação?
E todos, mesmo Elisa, responderam em uníssono: — PÉSSIMA!
A reunião arrastada e cansativa no apartamento bizarramente decorado, para a infelicidade de todos — mas principalmente de Renan —, ainda não havia chegado ao seu fim. Que terrível e longa noite que nem recebera qualquer recompensa por suas ações.
Renan olhava no display de seu neuro as horas, 07:22 da manhã, ele com certeza dormiria por longos e incessantes horas quando chegasse a casa.
— Eu não sou burra, tá bom? — disse Elisa, cruzando os braços e os apertando levemente. — Vocês ainda não ouviram o acordo por completo.
— E precisa? — questionou Roberto, projetando-se para cima da moça perante ele. Sua irmã não fez nada para o acalmar, apenas observou a situação estando longe em seus próprios pensamentos. — Nossa parte do acordo é matar os Roupa Branca pra livrar a bunda daquele otário do Tranca, tem como ser pior?
— Tem como ser melhor — intrometeu-se Renan, tentando se meter entre o armário e a hacker e criar uma distância segura para os dois. — E outra, o que diabos são esses caras? Vocês aí que não são a maior gangue dessa cidade?
— Gangue é diferente de assassinos de aluguel — começou Gab a explicar, aproximando-se da movimentação vagarosamente. — Se lembra dos CDEVA, vulgo Cobradores de Dívidas Extremamente Violentos de Aluguel? Pois é, o nome não é à toa.
— E os Roupa Branca são os maiores da região, se pá do estado ou país. — disse Roberto, afastando-se de Renan e Elisa. — Mexer com uma sede deles aqui pode ser nossa morte.
A fim de curiosidade, foram exatamente eles que promoveram o massacre no bar de Zeca e o massacre secreto no bar de Zeca pai. Se for contado a quantidade de gente apagada por esse grupo, seria melhor não contar mesmo. A quantidade mínima de camiseta de saudades para cada membro é 10 — para ser aceito no grupo como aprendiz.
— E você acha mesmo que eu não pensei nisso, porra! Me escuta! — gritou a altamente impaciente Elisa, já cansada de ser ignorada ou cortada pelas incontáveis curiosidades e feitos do mais novo inimigo deles.
Renan olhou para a hacker que fervia o sangue de fúria e batia o pé no chão. A pose rígida da moça era muito menos ameaçadora do que a mesma deveria imaginar ser. Lembrava um esquilo tentando ser maior e mais poderoso ou um rato dando pulinhos de ódio e destruição. O jovem deixou escapar uma risadinha de canto de boca, que não agradou ou amenizou a pequena destruição da tempestade.
— Qual é o plano então, amiga? — perguntou Gab, escorando-se no irmão. Os olhos pesados e arredores escuros casavam muito bem com os de Renan e Roberto. Por incrível que pareça, Elisa não demonstrava qualquer traço de que precisava dormir.
— É o seguinte, o plano é simples — Com um piscar de olhos mais longo que o comum, a moça projetou na parede atrás de todos uma imagem de um @Eins e algumas de suas plantas e detalhamentos estruturais.
Muito menor que um Riesiges comum, o @Eins comportava apenas uma pessoa e, diferente da arma mais poderosa do mundo, precisava ser controlado por alguém.
Os Riesiges não eram mais controlados por seres humanos a anos, desde o infeliz e destrutivo incidente de escala mundial — que no Brasil, afetou a Nova Recife. O descontrole de toda a série Riesiges:Eins levou a devastação de centenas de cidades e a morte de milhões. Inicialmente foi tratado como um até dado terrorista de um hacker extremamente habilidoso, mas investigações posteriores revelaram tratar de um bug operacional de toda a série.
Foi necessário a intervenção militar de modelos inferiores a fim de frear os avanços. No Brasil as coisas foram especialmente mais difíceis, ficando a cargo apenas do Riesige:03 — único disponível no momento — frear a máquina de destruição que varria a Nova Recife.
Efetivamente, os @Eins eram descendentes tecnológicos dos Riesiges:Eins, que por sua vez eram sequências extremamente avançadas da Série Numerada — ou seja, Riesiges:01, 02, 03. Porém, mesmo sendo um dos modelos mais atualizados e recentes, os @Eins eram os mais fracos da família de mechas, sendo projetados exclusivamente para ações mundanas ou, em certos casos, ações decisivas e precisas em uma guerra.
Eles não eram exatamente o que Elisa buscava durante toda sua vida, mas a primeiro momento daria pro gasto.
— Os @Eins estão mais pra uma armadura que mecha, sequer são chamados de Riesiges. — A moça passou os slides da apresentação, mostrando a comparação em escala da maior e da menor arma do mundo. — Os @Eins alcançam um tamanho máximo de 2,5 metros, são uma vergonha quando comparados com os imponentes 80 metros de um Riesiges e 90 de um série Eins. Sem falar, é claro, na forma robusta e poderosa que os verdadeiros mechas transmitem. Sinceramente, não entendo quem prefere um @Eins a um Riesiges em todo seu poder.
— Tá! Olha, isso faz parte do plano? — perguntou Renan, coçando o braço esquerdo que pinicava. — Esse monólogo é parte do plano, né?
— É, Elisa, a gente não quer te ouvir nerdar sobre esses robôs o dia todo — concordou Roberto, cruzando os braços e batendo o pé repetidamente.
— Vejam só! — ela exclamou, com certa rispidez e incerteza na voz, mas que foi suficiente para que eles a ouvissem mais uma vez. Então, desligando sua projeção de slides e se virando para Roberto, prosseguiu: — A questão é simples, mesmo um @Eins não sendo a melhor opção ou o meu favorito, ainda é uma arma extremamente poderosa e muito útil para a gente.
— Então você aceitou matar aquela gangue por um desses? — questionou o apressado Roberto, firmando ainda mais os braços cruzados. — Você realmente sabe o poder é a capacidade daqueles caras? A gente vai ganhar um desses pra lutar com eles antes, pelo menos, hein?
— Aí que tá o pulo do gato, meu querido amigo. — Tentando impor sua postura e presença, a jovem estufou o peito e aproximou-se do enorme Roberto, que curvava-se sobre ela. — Receber um desses brinquedinhos antes é o nosso acordo.
— Há, muito bem, amiga — intrometeu-se Gab, colando em seu irmão. — Mas esse é o mínimo, não acha? Ou por acaso aquele bosta do Tranca iria querer que a gente fizesse o trabalho sem ajuda alguma?
— Exatamente, também não somos idiotas, não é? — Roberto concordou com sua irmã, pegando mais ar e força ainda, como se os dois retroalimentassem seus próprios egos. — Não é como se ele estivesse fazendo nada a mais, apenas o mínimo cobrado em missões perigosas assim.
— Ai, vocês são um saco, hein?
— O quê? Só porque estou certo? É o nosso modus operandi, se alguém quer algo de alto risco, vai ter que nos dar os equipamentos mínimos pra realizar isso — disse Roberto, abraçando sua irmã. — E outra, tu realmente acredita na palavra daquele cara? Acha mesmo que ele vai dar o @Eins pra gente? Tranca sabe bem o que acontece com ele se uma coisa dessas cai na minha mão…
— O ponto não é esse, certo, Elisa?
O toque inusitado no ombro direito da moça a fez sentir calafrios por sua espinha. Primeiro ela olhou para a mão que repousava de maneira levemente pesada nela, então olhou para o lado oposto e viu a face ríspida com cenhos franzidos de Renan. Entendendo o apoio do jovem, Elisa cruzou seus braços e novamente voltou seu olhar afiado ao colega de equipe perante ela. Roberto ergueu a sobrancelha esquerda em uma constatação de surpresa frente a atitude do rapaz.
— Não tô entendo a sua resistência, Roberto. Esse plano de Elisa não é perfeito?
— Perfeito? — O homem que já era enorme foi crescendo para cima de Deus dois confrontantes, passando uma impressão de esticar e projetar seu corpo como uma sombra poderosa na parede. — Me explique, moleque, a perfeição desse plano.
Renan cerrou os olhos ao se imaginar estourando a cabeça de Roberto com alguma aninha qualquer que encontrasse por ali. Sua maneira e arrogância estava dando nos nervos do jovem em abstinência, que precisava de colar na única pessoa que poderia dar-lhe o que mais necessitava no momento.
— Se sua cabeça pequena não consegue entender, eu explico com prazer — confrontou Renan, esticando-se o máximo possível a fim de demonstrar sua total ausência de medo das atitudes e falas de Roberto. — Tranca já tá condenado sem a nossa ajuda, se não cumprir a nossa parte do acordo a morte dele é certa. Tendo uma arma tão poderosa quanto um @Eins já deve ser mais que suficiente pra acabar com a raça de uma gangue dessas aí, não, eu digo com certeza, não tem merda nenhum que consiga vencer um @Eins fácil assim. — Renan rapidamente levou sua mão direita do ombro da moça direto ao peito de Roberto, enfiando seu dedo indicador em seus músculos artificiais implantados. — Você tá com medo de quê, hein, garotão?
Os dentes metálicos do gigante imediatamente reduziram um raio de luz perdido pela sala de estar. O sorriso não era, dessa vez, de alegria ou graça, mas de orgulho e a veia pulsante em sua testa também indicava um sentimento mais destrutivo misturado.
— A falta daquela droga te enche de colhão, hein, moleque? — A pesada e esmagadora mão de Roberto subitamente agarrou o braço direito de Renan e o apertou, mas o jovem não voltou atrás ou o recolheu, pelo contrário, aplicou muito mais força para que pudesse pressionar ainda mais o peito do homem. O gigante, mesmo sentindo cada pulsação do jovem na palma de sua mão, decidiu investir ainda mais pressão no braço do mesmo. — Muito bem, vamo ver até onde consegue segurar essa postura aí.
— Vamo ver se só eu tenho colhão de fazer algo por aqui — provocou o garoto, como se não sentisse a dor gradativamente maior em seu antebraço.
Os olhares dos dois se cruzaram, firmes, um querendo dominar mais que o outro. O sensor de sinais vitais de Renan começou a piscar em alerta:
Risco de Escoriações: 『Antebraço direito』
O crescente nível de tensão e pressão na porção nervosa do antebraço levou a, também, o aumento dos níveis de riscos de ferimentos alertados pelo sistema. Logo mais alcançaria o risco de fratura, até mesmo o nível irreversível de ferida.
— Tá bom, chega.
Com a ordem inusitada da voz feminina, Roberto imediatamente largou o braço de Renan e se afastou por um passo. O jovem, ainda sem sentir muita coisa no antebraço — as dores perfurantes causadas pela abstinência eram bem piores — também se recompôs dando um passo para trás.
Quem havia ordenado o fim da briga, porém, não era Elisa, mas sim Gab, que puxava seu irmão pelo ombro e surgiu atrás dele novamente. Os dois irmãos altos — Gab um pouco menos — ficaram lado a lado.
— O moleque tem razão, mano — Gab começou, virando sua face para o homem ao seu lado. — De um jeito ou de outro, Tranca vai ter seu fim.
Roberto relaxou as duas mãos contraídas e, aos poucos, a veia saltada de sua cabeça foi voltando ao normal à medida em que ele respirava profundamente e olhava para os lados. Renan, por sua vez, olhou a vermelhidão em seu antebraço e moveu a mão, garantindo que não havia quebrado ou fraturado nada no momento.
Os irmãos se olharam, em silêncio. Perante eles, o jovem e a moça hacker repetiam o exato mesmo gesto, porém Elisa acenou com certa graça com a cabeça para Renan antes de tornar a olhar pros irmãos pela última vez naquele dia.
— Não era isso que você queria? — perguntou Elisa, olhando-o profundamente. — Então pronto, diga o que a chefe aqui manda e vamos dar essa reunião por encerrado.
Todos concordaram com a cabeça e logo se retiraram do lugar.
— Valeu, tava precisando.
— Nada.
Renan enfim, após tanta luta e autocontrole, teria sua recompensa pelo longo e cansativo dia e noite que estava vivendo. Acabado de receber em mãos a dose da próxima semana, pôde finalmente saborear a maravilhosa e revigorante sensação que seu corpo precisava com frequência.
— Acho que perdi minhas últimas doses no meio de toda essa confusão, é um saco — constatou o jovem, sentindo, aos poucos, cada efeito ruim sumir de seu ser.
— Imagino, aqueles movimentos incríveis de luta não devem ajudar a manter as coisas juntas, não acha?
— Pera, que… Ah, ah sim, tá falando da rasteira no Tranca? Há, há!
— Coé, como aprendeu aquilo? Teve aula?
— Não exatamente — respondeu o jovem, sentando-de no puff rosa exageradamente grande no canto do quarto. — Inclusive, por que sua sala é tão vazia e… bom, é isso.
— O quê? Não curtiu a decoração? — respondeu, sentando-se na cama.
O quarto era pequeno, assim como a maioria dos quartos da Nova e Velha Recife. A porta dele era manual, como todas do apartamento. O quarto que Elisa adotou como seu era o da esquerda após o curto corredor que saía da sala. O da direita estava vazio — exceto por um guarda-roupa embutido na parede que portava algumas peças — e no final do corredor havia o único banheiro do apartamento.
O quarto de Elisa se aproximava muito mais de um quarto comum que sua sala de estar. Tinha uma cama normal, feita de madeira e colchão de lã. Tinha um puff modelo clássico centenário e uma bancada — também de madeira — na parede da porta, oposta à cama.
— Você gosta de uma vibe meio clássica, não gosta? — Renan olhava ao redor analisando cada coisa presente no lugar.
— Tenho um apreço, sim… — Elisa também olhou ao redor, respirando fundo. — Me lembra a casa de minha avó, sabe?
— Na verdade… gostaria de saber. — Elisa voltou seu olhar para o jovem vagarosamente, como se aguardasse por mais alguma palavra vinda dele. — Ah, sabe, não pude conhecer nenhum dos meus avós, só isso.
— Sabe, é bom terminar sua linha de raciocínio antes de ficar totalmente em silêncio. — A moça deixou escapar uma risadinha, que o jovem acompanhou.
— É, bom, enfim. — Renan tentou se endireitar no puff, falhando miseravelmente e se afundando ainda mais na massa rosa. — Bom, qual o motivo de pedir a minha estadia?
Elisa, vendo o garoto completamente preso em seu assento, ergueu-se com um sorriso na face e se pôs na frente dele, estendeu a mão a direita que o jovem logo pegou. Pondo-o de pé, Elisa deu um toque no ombro dele e se virou.
— Às vezes você fala bem certinho, hein? Gosta dos clássicos? Não é muito minha praia literária.
— Um pouco, mas…
— Eu sei, não é o que você perguntou. Vamos direto ao ponto então. — Elisa começou a mexer em algumas coisas que havia largado na bancada, alguns carregadores, teclados e outros utensílios de pouca importância. — Eu queria primeiro agradecer por seu apoio, sabe, na hora da discussão na sala.
Renan a observou pegando e colocando as coisas em diversos lugares, mas não conseguiu notar nenhum padrão de arrumação ou sequência naquilo. Parecia ser uma forma de se ocupar e se distrair.
— Que nada, era o mínimo…
— É, enfim. — Ela, então, se virou para o garoto com uma caneta nas mãos. — O plano não termina ali, no que eu falei pros dois.
— Plano? Não era acordo?
— É como eu disse, eu não sou tão burra assim — disse, lançando seu olhar afiado no fundo da alma dele.
Instintivamente a sobrancelha de Renan subiu, num sinal de curiosidade. O jovem cruzou os braços e inclinou a cabeça para o lado.
— Sou todo ouvidos, qual é o seu plano então?
— Acha mesmo que vamos nos arriscar desse jeito? Os Roupa Branca são muito mais bem armados que a gente, mesmo com um @Eins ainda seria perigoso enfrentar essa gangue. — Jogando a caneta para o alto e a pegando em mãos, prosseguiu. — Tranca tá desesperado pra receber nossa ajuda, quando nos entregar o mecha vamos apenas dar um sumiço enquanto não temos nada a ver com aquele grupo.
— Ou seja, vamos trair o cara?
— Você leu a minha mente, garoto.
Renan levou a mão direita ao rosto, coçando seus olhos e passando-a levemente pela face enquanto matutava seus pensamentos.
— Será que já não é tarde?
— Tarde? Como tarde?
— Não, quero dizer, tarde agora não — corrigiu-se, dando algumas voltas em círculos. — E se for tarde quando recebermos o mecha? Se essa organização já souber da gente? E vem cá, Roberto não disse que eles tem uma sede aqui? Quer dizer que também estão em outros estados desse país, não é?
— Quase todos…
— Olha aí! Esse é o problema, não é? Eles não podem saber de jeito nenhum do nosso envolvimento nisso.
— Até podem, o que fizemos contra eles, afinal? Mesmo pegando o mecha, não teremos qualquer envolvimento.
— Você tá apostando tudo nisso, né?
— Tô apostando que vão matar o Tranca antes dele falar da gente no seu último suspiro, apenas isso.
— E se não der certo? — questionou o jovem, pondo a mão na cintura. — Vai confiar mesmo na palavra daquele cara?
— Já confiei, Renan, vai ter que dar certo.
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