Volume 1

Capítulo 0: Ele estava animado

O coração de Renan sempre palpitava quando as memórias voltavam à sua mente, mesmo que anos tenham se passado. 

Lembrava-se de como seu pequeno corpo infantil pinicava, coração acelerado, o sorriso não saía de jeito nenhum de sua face. Um combate destes? Desta magnitude e tão de perto? Era uma chance para poucos, ainda mais para um jovem garoto de vida tão pacata — apesar de sua hiperatividade e quase incapacidade de parar quieto em algum lugar.

— Filho! Vem, rápido! 

Infelizmente, foi uma experiência rápida, coisa de poucos segundos. 

Renan, antes que pudesse se dar conta, estava sendo puxado pelo braço por sua mãe, mas não tirava os olhos do enorme ser feito das ligas metálicas mais resistentes e de maior qualidade do mundo que passava por cima deles no mesmo instante. Ora, era lindo ver os olhos daquela pequena criança brilhando junto às partes metálicas pintadas e reluzentes. 

Não era de se esperar menos, óbvio. Os olhares assustados e surpresos dos simples habitantes da cidade denunciavam o ineditismo de toda a situação.

A razão de tamanho espanto não poderia ser outra, um belíssimo modelo internacional da série Riesiges, enorme mecha humanoide que continha em seus ombros coloridos com um azul mais azul que o céu — e brilhantes como estrelas no escuro — seus números de identificação: 03. 

Era a primeira vez em anos que era utilizado e a primeira vez em toda a história para tal propósito. Qual? É claro, um combate pelo bem estar da cidade.

O governador de Pernambuco sequer havia tido tempo de declarar estado de emergência devido à ativação do Riesiges:Eins, um modelo defensor mais avançado e de maior porte que, naquele momento, já havia contabilizado quatro prédios demolidos por completo. O caos e destruição absoluta que promovia, sem contar com sua aparência assustadora e muito mais elaborada, pontiagudo, impeliram o ataque defensivo imediato do Riesiges:03, devastando a megalópole capital do Novo Recife.

Ora, e que sorte fora o Novo Recife a ser o alvo de tal ataque, sem sombra de dúvidas, se o Velho Recife tivesse sido atacado por aquele Eins de escala cósmica nunca iria se recuperar.

— Cuidado! — Um grito em meio a correria. 

Carla, num breve instante de reação, pôde ver um pedaço de prédio desmoronando bem acima de si e seu filho. Abraçando e erguendo Renan por puro reflexo, correu para o mais longe que conseguiu da área de impacto numa disparada, desviando e pulando por cima de escombros.

Escapou, por sorte, mas ainda foi encoberta pela poeira erguida pelo impacto do concreto no chão. Mesmo em meio a toda destruição, com o coração a milhão e respiração falha e desordenada, Carla conseguiu chegar com seu filho ao carro da família recém comprado com muito esforço e noites viradas. Entraram sem muitos outros problemas. Diferente de sua criança, a mãe não parava de tremer e encher seus pulmões de ar numa velocidade tão alta que sua antiga e adormecida asma voltara com tudo.

Pelo vidro traseiro do carro, Renan assistia o poderoso Riesiges desferir um soco direto na “face” do Eins. Na verdade, pareceu um tanto complicado alcançar a cabeça do mecha sofisticado, era mais alto, mais encorpado, era mais poderoso e parecia imparável em sua missão devastadora.

O robô negro, sem pestanejar, devolveu o golpe com um ataque certeiro bem no centro da unidade três, que pareceu se desequilibrar e desaparecer dentre os altos prédios da cidade.

Ninguém em Recife e região, melhor, talvez no Brasil inteiro, havia visto um Eins ou Riesiges em atividade tão de perto assim desde a época da Terceira Guerra Mundial. Mesmo seus testes de manutenção e aprimoramento eram contidos, apenas trabalhadores especializados eram autorizados a chegar perto e vê-los. Sequer havia operadores para as máquinas de combate, sendo controlados por inteligências criadas próprias para isso.

— Mamãe! Vamos atrás deles! Vamos! — exclamou o garoto Renan, se debatendo e pulando no banco de trás do carro. Pobre jovem inocente, não sabia o tamanho do perigo daquilo.

Em resposta ao pedido de seu filho, num instante de sanidade e autocontrole, Carla deu partida no carro e saiu em disparada para o mais longe possível do lugar. 

A mulher foi controlando sua respiração aos poucos — se lembrou de um exercício respiratório fácil que sua médica ensinara-lhe — e finalmente a visão foi clareando e os reflexos voltando à medida que desviava de outros carros largados e alguns em alta velocidade que apareciam pelo caminho.

A primeira coisa que passou em sua mente foi não conseguir chegar em casa, logo em seguida temeu que talvez sequer houvesse casa para retornar com seu filho.

Renan chorava e se desesperava no banco de trás, mas não pelo motivo que deveria, tal choro ressoava nos ouvidos de Carla, latejando sua cabeça. O som dos apitos vindos do telefone que ligava para seu marido também não ajudava.

— Droga! Que inferno! — berrou Carla, enquanto esmurrava o volante, sua histeria também não ajudava Renan a se acalmar. 

Ao fundo do ruído de pneu, asfalto e freios, havia o agradável som de vários prédios quebrando e desmoronando. Chão tremendo e estilhaços voando pelo céu. Era virtualmente impossível se concentrar na fuga, até porque não havia para onde fugir. Duas coisas daquele tamanho? Se não fossem paradas, alcançariam qualquer lugar do mundo em seu conflito.

Tremendo conflito que trazia consigo devastadoras consequências para todos os meros humanos ao seu redor.

Mas, antes mesmo de Carla perceber, o som do combate já havia cessado. Foram poucos segundos necessários para que ela associasse a calmaria que pairava no ar com o real motivo, segundos reconfortantes.

Ao entender isso, Carla buscou saber pelo retrovisor quem havia vencido a luta. Mal conseguiu ver algo. 

De forma inesperada, muito milagrosa também, o Riesiges:Eins viria a cair sobre a cidade, derrotado. A série mais avançada, mais poderosa, melhor projetada teria, enfim, perdido o combate de alguma forma. Infelizmente, porém, para Renan e Carla, aquele momento teria consequências irreversíveis.

No reflexo, a fim de esquivar da enorme mão metálica desfalecida que descia com uma velocidade devastadora do céu, a mãe do animado garoto tentou desviar virando o volante para direita num movimento brusco. 

Não teve muito que fazer, o carro virou e girou, mais de três vezes.

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