MUTTER
Capítulo 19: O Rei Eterno
Estava feito. Os traidores foram punidos e o Vampiro Original, Eduardo, foi eliminado após uma árdua luta.
Seu corpo estava meio queimado, como se tivesse caído numa churrasqueira controle remoto por engano. Felizmente, o cabelo estava intacto em seu rabo de cavalo, diferente de sua preciosa roupa. Faltava a manga direita, atualmente amarrada na cintura, parte da gola e pedaços aleatórios que foram perdidos durante a luta.
"Ainda bem que nenhum dos meus súditos estão aqui."
Seria ruim eles verem aquele que se colocou como símbolo de esperança em tal situação, mas não negaria a ajuda de Russischi se este convenientemente aparecesse diante de seus olhos.
Infelizmente, isto não ocorreu.
Vast caminhou pelo resto do caminho até a Torre. Menos de 300 metros, aproveitando a calma do momento para analisar um pouco melhor a estrutura. Pelo menos, era isso que pretendia, pois logo à entrada — 50 metros faltando —, uma figura familiar apareceu. A aura fez a apresentação.
Após visualizar os valores, ele baixou a cabeça, cansado, e perguntou:
— Há quanto tempo estava aqui, Carmilla?
Com as mãos apoiadas na cintura, a mulher sorriu. O vestido de lateral aberta exibia o monumental par de coxas perfeitamente conservado — Vast tinha buracos nas pernas. Seus olhos brilhavam, um verde de um campo vívido no primeiro dia de primavera — os de Vast lutavam para manter a chama da vida viva em seu peito.
— Cheguei um pouco depois do início da luta. Fiquei observando de uma plataforma na parede exterior da Torre.
Ele procurou rapidamente, mas nada encontrou.
— E então? Veio para vingar Eduardo ou…!
Ele sequer viu quando, mas ela estava ao seu lado agora, perto o bastante para lhe dar um beijo. Apesar do susto, ele não fugiu, fato devido ao que ela carregava em mãos.
— Impressionante você cometer tamanho sacrifício apenas para vencer aquele cara. Você é sempre exigente quando o assunto é esse. — Era uma muda de roupas novas, idêntica à que usava agora. — Não vai querer ver o Rei Eterno estando todo estourado, né?
Vast não esboçou reação, mas sabia que sua alegria era mais que notável para aquela que estava ao seu lado desde que se entendia como gente. Logo, sem pestanejar, ele trocou as roupas.
Estava agora novo em folha — exceto pelas feridas abertas.
Ao se organizar, fitou-a diretamente nos olhos. Ainda estava ao seu lado, o perfume natural e agradável de uma pessoa limpa. Mas, apesar de uma bela imagem, ela ainda bloqueava o caminho para a Torre.
A pergunta que deveria fazer em seguida era óbvia, mas havia outra que queria realizar primeiro. Reunindo um pouco de coragem, a fez:
— Por quê? Qual foi sua razão para fazer tudo isso? Eu, o castelo, meus súditos… Quais foram seus motivos?
Ele fitou aquele rosto meigo expressar confusão por um breve momento. A mão delicada coçando de leve a bochecha levemente avermelhada. Segundos se passaram daquela forma, até que a resposta enfim chegou:
— Eu tive a ideia e… resolvi testar. — Desfez a falsa fofura, voltando à neutralidade brutal. — Achei que seria divertido.
Mas, diferente de como ela pensou, a única coisa que Vast fez foi cerrar os punhos e baixar um pouco o rosto, não o suficiente para esconder o semblante.
— E quanto à mim? — Ergueu o rosto novamente, ainda sério. — A Emilia… Ela também era falsa?
Carmilla deu um curto sorriso. Não, foi sua resposta, desta vez capaz de tirar um curto salto do príncipe.
— Eu não atuo, pelo menos não como aquele exibicionista — continuou —, apenas fiz você me enxergar com outra forma. A intenção no início era apenas criar um Amaldiçoado com meu sangue e ver o que sairia disso, mas acabou que você era bem mais interessante do que eu pensei.
— E pretende me impedir também? Eu acabei de matar um Original.
— Não, eu não ligo para o que você faz. — Ela se abaixou um pouco, aproximando seus rostos. A aura dominadora. — Mas creio que você não vá deixar um vampiro cruel como eu vivo, não é?
O príncipe agora olhava para cima, em nada alterado ante aquela aura tão opressora quanto a de Eduardo. Breves segundos onde ambos se encararam e, após um denso suspiro, Vast disse:
— Que bom.
Hum? Carmilla esperava que o resmungo viesse do príncipe em algum momento, não de si mesma. Tempo para questionar foi outra coisa que não teve, pois logo o rapaz acrescentou:
— Estou feliz de que não precisaremos lutar. Acho que eu não seria capaz de matá-la.
O olhar aliviado do príncipe deu um pouco de cor à pele pálida da Vampira por um instante quase inexistente. Ela foi veloz em neutralizar os batimentos de seu coração — cujo deveria ter parado há anos — e se afastou com passos rápidos.
— É-É mesmo, né! Sou forte demais pra você, meu bem. Nem em sonho você me derrotaria!
— Não é neste sentido que eu falo. — Com a atenção focada em si, estufou o peito e sorriu. — Honestamente, não acho que exista um homem que, intencionalmente, seria capaz de matar a mulher que ama.
Ela travou por alguns segundos.
— A mulher… que ama? — Um rápido raciocínio que levou-a a coçar o rosto outra vez, sem jeito. — Você ainda tá nessa? Eu meio que te enganei a vida inteira, entende?
Não é isso! A voz firme de Vast desfez de vez aquela pose de quem não se importava.
— Você é uma Vampira, e eu realmente não admito isto. É uma criatura cruel, sem dúvidas, e eu normalmente não hesitaria em te eliminar. Mas… ao mesmo tempo que é este monstro, também vai ser sempre a primeira e única mulher pela qual me apaixonei. Se aquela moça meiga, cuidadosa e carismática que eu chamava de Emilia era uma parte da verdadeira pessoa conhecida como Carmilla, então é o suficiente para que eu mantenha o meu amor aceso.
A mão foi contra seu peito, amassando a roupa. Carmilla, por sua vez, deu uma longa risada e limpou a lágrima que escapou.
— Você é realmente muito interessante. — E um complemento necessário. — E meio maluco também.
Vast então se pôs a andar. A vampira abriu caminho, e agora lá estava ele, de frente para a entrada da Torre do Conquistador.
"Foi uma longa jornada."
Vinte dias passavam bem rápido, mas a quantidade de complicações tornava tudo mais lento. Os inimigos, os aliados, os descansos e as lutas que não tinham fim. Depois de tanta coisa, precisava apenas andar em frente.
— Carmilla, posso te pedir um favor?
Ainda ao lado do rapaz, ela colocou os braços para trás e imitou a reverência que fazia quando era Emilia. Diga, mestre! A ironia destacada.
— Eu estou entrando aqui para encontrar uma cura que acabe de vez com o Vampirismo. Não sei o que vai acontecer, e numa situação assim qualquer tipo de ajuda, seja de quem for, viria a calhar… É o que você deve estar pensando. — Se virou, o olhar estreito e a testa franzida. — Mas eu não posso me dar à este luxo. Quem quer que entre depois de mim, se é que haverá alguém, precisa ser tão forte quanto eu. Então, se eu puder, gostaria de pedir que cuidasse disso; não deixar ninguém fraco entrar nesta torre depois de mim.
Ela o analisou com a neutralidade de sempre no rosto, se permitindo vacilar com um sorriso curto que pouco durou, mas que era definitivamente verdadeiro.
— Vou pensar sobre isso, proteger a Torre já faz parte do meu trabalho, de qualquer forma. É uma boa chance de encontrar outras pessoas interessantes. — Ela chutou uma pedrinha, como quem não quer nada. — Mas esta é a última vez que nos vemos. Sabe disso, não é?
Foi a vez de Vast de dar uma curta risada. Com aquela mesma alegria que expressou há pouco, antes de se virar e andar para dentro da Torre, ele disse:
— Te levarei em meu coração até o dia de minha morte. Obrigado por tudo, Carmilla.
— Até mais, Vast. — Uma resposta em mesmo tom.
***
Ao entrar na Torre do Conquistador, Vast Los Filho teve apenas uma sensação: havia alguém além de si no lugar.
Não sentia a aura aterradora que Eduardo tanto falava que o impediu de entrar. Talvez fosse uma capacidade por ser um Amaldiçoado, ou quem sabe os próprios vampiros fossem proibidos de entrar por algum outro fator desconhecido. De um jeito ou de outro, não importava.
Tal como o lado de fora, o interior da Torre também era feito daquele estranho metal negro. Um tipo que nunca viu em sua vida, além de ter a absoluta certeza de nenhuma outra nação ter posse. Uma das razões era a forma como aquele estranho material se comportava.
Vast havia feito questão de diminuir a velocidade de seus passos para observar tal coisa. Certeiramente não haviam criaturas, por mais minúsculas que fossem. A única solução para a questão seriam monstros invisíveis, afinal, de que outra forma as paredes se moveriam sozinhas?
Se construindo, parafusando e desparafusando. Realocavam-se em outros padrões e formas, melhorando a logística e organização constantemente de uma forma que até o mais leigo era capaz de perceber.
Falando no corredor, há certo tempo não se tinha sinal de um fim. No entanto, após tanto tempo correndo de um lado para o outro por n motivos, ter um corredor de caminho único até seu objetivo deixou Vast relaxado.
E talvez tenha sido por isso que deu um curto salto assustado. A escuridão se desfez repentinamente, e agora estava no fim do corredor, que resultava em nada menos do que um salão. Tão grande que as paredes se tornavam invisíveis, substituídas pela escuridão.
Isso é…!! Ele não analisou os arredores. Não precisava e muito menos ousaria. Sua única ação inicial foi continuar andando em frente de uma forma que julgou instintiva, na direção de uma coisa no centro do lugar.
Apesar de completamente fechado, uma luz de origem misteriosa vinha de cima. Ela banhava não um trono, mas uma cadeira simples feita de madeira escura, dotada somente de confortáveis almofadas na cor bege para os glúteos, as costas e outras menores no apoio de braço. Estava na mesma altura de Vast.
Porém, seria definitivamente ruim ignorar aquele sentado em tanta simplicidade, pois ele era o total oposto do assento.
Vast se aproximou o suficiente, ficando à dez metros de distância. Imediatamente se ajoelhou.
Foi instinto, e não havia motivo para ter vergonha disso. Qualquer pessoa, fosse ele, o Rei, Eduardo ou até mesmo Carmilla, ele tinha mais que a absoluta certeza de que todos fariam a mesma coisa. Afinal…
"Essa aura… O que é diabos é isso!?"
Raça Desconhecida
Força (Erro)
Agilidade (Erro)
Inteligência (Erro)
Habilidades Passivas:
Número excede os limites calculáveis.
Habilidades Ativas:
Número excede os limites calculáveis.
Além da inconveniência nas três estatísticas base, havia também duas categorias extras na aura. Habilidades Passivas e Ativas. Não fazia ideia do que isso significava, e para piorar tais informações também não foram apresentadas.
— Por favor, levante a cabeça.
A voz era de uma pessoa normal, literalmente nada de especial. Longe de ser a de um líder carismático, um ditador ou um monstro. Na verdade, se tentasse ser o mais preciso possível, Vast diria como a de um adolescente curioso.
Obedeceu o pedido, se permitindo analisar aquela figura sentada logo diante de si.
Se escondia numa penumbra. Novamente, a confusão. Havia uma luz de origem desconhecida, e por mais que ela iluminasse esta pessoa, a própria se mantinha coberta por uma sombra que muitos não aceitariam a existência, passando a criar teorias da conspiração ou simplesmente desistindo de tudo que viram até então.
Porém, havia apenas uma coisa visível neste homem, algo que de alguma forma respondeu à Vast a pergunta: Por que eles o chamam de Rei Eterno?
Uma resposta simples: seus olhos. Lindos? Maravilhosos? Hipnotizantes? Haviam várias definições, mas o príncipe não conseguiu escolher nenhuma. Dispostos com um total de três cores — vermelho, azul e platina —, divididas em quantidades iguais na íris, enquanto a pupila era o negro, padrão de todos. Dotados da serenidade de quem não temia a derrota.
— Vast Los Filho — disse o Rei. — O que te traz aqui? Não precisa se acanhar, faça quantas perguntas quiser, apesar de que creio que o seu tempo não seja o bastante para eu responder todas.
Meu nome? O príncipe pensou, assustado. Seria o efeito de alguma Maldição? Ele olhou para baixo, querendo esconder o pavor. De tal forma, notou que no bolso frontal da camisa estava seu nome, bordado de forma invejável e totalmente legível com uma linha dourada. Provavelmente obra de Carmilla.
Se recompôs e respirou fundo. Aquele homem realmente não parecia querer seu mal, então tinha que recuperar todo o tempo que os Vampiros lhe fizeram perder.
— Eu estou aqui para dar um fim ao Vampirismo. — Direto e reto, mas sem reação do Rei. — As lendas dizem que é possível fazer um pedido ao Rei Eterno quando se alcança a Torre do Conquistador. Cá estou eu.
— Hehe! Então foi assim que as coisas se desenvolveram? — Ele olhou para cima, claramente animado. — Então você veio aqui para desejar que eu desse um fim aos Vampiros de uma vez por todas?
— Se possível…
O Rei deu uma curta risada, longe de ignorante ou orgulhoso, simplesmente de surpresa. Após isso, mirou o príncipe.
— Antes de qualquer coisa… O quão honesto você quer que eu seja?
Vast engoliu seco, mas ousou: — Totalmente. Poupando o máximo de palavras possíveis, de preferência.
O Rei sorriu e, como dito, começou:
— A minha própria pessoa não pode fazer nada, eu sou apenas um observador. O máximo que posso fazer é lhe proporcionar a situação necessária para tornar seu desejo realidade. — Uma breve pausa para respirar. — E você, Vast Los Filho, é muito fraco para fazer isso sozinho…
O príncipe resmungou em resposta. Queria questionar, mas nunca faria isso. Ainda que, de certa forma, o Rei Eterno exalasse um tipo de aura humilde, ninguém pensaria em duvidar de uma declaração firme como esta.
— No entanto — continuou —, você pode esperar por ajuda.
E seu semblante saltou em surpresa novamente. Esperar? Como poderia fazer tal coisa? A Maldição tinha um limite de tempo que se esgotaria hoje, isto sem contar as feridas ainda abertas em seu corpo. A manipulação de sangue era uma boa ajuda, mas não duraria para sempre.
O Rei então apontou para as pernas de Vast e perguntou: — De que feridas fala?
Ele de imediato averiguou, e para a surpresa de alguns, seus ferimentos estavam completamente curados. Assim, de um instante para o outro.
"Quando que ele…!?"
Lembrou-se da aura. Uma quantidade tão grande de habilidades ativas e passivas — seja lá o que isso significasse — que se tornaram incalculáveis. Alguém com tanto poder com certeza não falaria que era capaz de algo da boca para fora.
— Como exatamente isso funcionaria?
A resposta veio rápido, mas não antes do surgir de outra coisa no lugar.
Vast piscou os olhos e um altar que chegava na altura de sua cintura surgiu logo à sua frente, no alcance de suas mãos, separando ele e o Rei. Era adornada com detalhes ondulosos, aparentemente feitos à mão. O topo tinha uma base feita de madeira escura, com laterias reforçadas num metal dourado, cujo se estendia em cada uma das quatro pontas na forma de um lua minguante voltada para dentro. No topo, encaixada no espaço criado por estas luas, havia uma bola de cristal com metade do tamanho da cabeça do príncipe.
Enquanto Vast admirava aquela pequena estrutura, o Rei explicou:
— Eu posso colocar você em um estado de hibernação, imagino que saiba o que é isso. Não consigo dizer quando, mas sei que, em algum momento, mais pessoas vão chegar aqui com um objetivo igual ou semelhante ao seu. Basicamente, vou te colocar para dormir até este momento chegar. — Apontou para a esfera no topo. — Aproxime a palma da mão desta bola.
Ele o fez, e a esfera passou a emitir um brilho branco. Forte o bastante para que Vast cerrasse os olhos num breve momento.
— Quando mais pessoas chegarem e colocarem a mão sob esta esfera, em algum momento ela irá adquirir a tonalidade verde. Assim que isto acontecer, você e os outros que estiverem aqui acordarão da hibernação, pois será o sinal de que a força mínima necessária para cumprir o desafio foi alcançada. Apesar disso, a vitória ainda não será garantida.
Um curto período de silêncio entre os dois. O Rei notou o olhar analítico de Vast, focado naquela esfera, quem sabe até imaginando o futuro, quando aquela cor esbranquiçada fosse finalmente convertida no verde da vitória.
— Pode fazer.
A declaração repentina tirou um susto do Rei, que questionou na mesma hora.
— Tem certeza? Pensei que faria mais perguntas.
— Na verdade, não. Apenas saber que será possível cumprir com o que eu prometi já me basta para ficar tranquilo. — Ele respirou fundo, aliviado. — Além disso, quanto antes você me colocar para dormir, mais rápido eu vou acordar.
O Rei o encarou por alguns segundos, meio perplexo, para no fim se recostar em sua cadeira e, em tom satisfeito, dizer:
— Uma pessoa interessante. — Ergueu uma das mãos e estalou os dedos. — Muito bem, fique numa posição confortável e mantenha uma das mãos sob a esfera.
Vast apenas relaxou o tronco e deixou o braço esquerdo solto. Em seguida, uma transformação começou a partir da ponta de seus dedos.
Curioso… Sua pele mudava de textura, mas apenas isto. Não sentia dor, uma diferença de peso, frio ou calor. Era a exata sensação de começar a dormir após um longo dia de trabalho. Tanto seu corpo e suas roupas estavam se transformando em pedra.
Ao invés de se desesperar, ele aguardou ansioso pela transformação. Um casulo que eclodiria no tempo certo, tinha certeza, pois aquele que o cuidava era alguém mais do que confiável.
— Nos vemos em breve, príncipe Vast.
— Eu que agradeço. — Respirou fundo uma última vez. — Então, até breve.
Em poucos segundos, todo o corpo do príncipe foi envolvido naquela camada. Suas roupas e toda sua carne transformadas em pedra, um estado de conservação tão imaculável quanto o próprio passar do tempo. Havia se tornado numa escultura que faria até os mais incríveis escultores chorarem de admiração.
— Sim, até breve.
E de tal forma, o interior da Torre do Conquistador voltou ao silêncio absoluto. Em seu interior, duas pessoas agora aguardavam pela chegada dos próximos indivíduos, seja lá onde estivessem neste exato momento.