Volume 1
Capítulo 14: Criança Abandonada
O primeiro teste que Ezkiel fez foi chamar seu filtro de sonhos. Precisava saber se outras pessoas podiam vê-lo. Era um risco, mas a melhor oportunidade que teria no tempo atual.
“Sei que no mundo real, Jason não conseguiu vê-lo. Mas aqui... pode ser diferente. Tem até pessoas que estouram portões com moedas.”
Nome: Ezkiel Arcs
Raça: Coletor de Sonhos
Corpo: Humano
Classe: –
Fios de sonho: 0/1000
Estágio: Sem alma
Grau: –
Talentos:『Torturado』『Falha do Importuno』
Habilidades:『Coletar Sonhos』『Analisar de Sonhador』
Sonhos Coletados: 『Anátema do Prisioneiro』
Algumas informações não estão visíveis ao usuário.
Assim que a tela surgiu, ele fitou Lavia. Seus olhos se encontraram enquanto a interface transparente pairava entre os dois. Ela o observou por mais um instante, os olhos ainda levemente inchados pelo choro, e se levantou, envergonhada.
“Ufa! Igual ao mundo real. Ninguém mais vê.”
Ezkiel voltou a focar na tela, desta vez lendo com atenção.
“Corpo: Humano? Por que isso está categorizado dessa forma? Será que posso mudar de corpo? Melhor esquecer isso por enquanto. Vou focar no que tenho a mínima ideia. Em relação a Classe eu não faço ideia, mas fios de sonho apareceram quando eu coletei a Anátema do Prisioneiro, porém não aumentaram. Deve ser uma forma diferente de coletar sonhos, porém como tem um contador, parece ser algo importante.”
Ele fez uma pausa, observando Lavia enquanto movia o ombro recém-costurado. Não queria parecer um completo idiota encarando o nada.
“Estágio parece ter uma relação com os Arque e Magnus, que são estágios muito acima em relação a poder. O próprio prisioneiro parecia estar no estágio de Magnus e poderia matar um Sem alma com apenas um olhar. Os sigilos na porta eram de nível "Arque" e quase destruíram minha mente; só sobrevivi por causa do meu talento. Isso me diz duas coisas: primeiro, esses níveis de poder são absurdamente altos, e não sei se as pessoas nascem assim ou evoluem com o tempo. Segundo, os talentos são cruciais. Torturado, por exemplo, me fez conseguir resistir a um sigilo que deveria ser mortal ao meu estágio.”
Ezkiel parou e encarou seu próprio corpo. Ele sentiu uma onda de gratidão por aquele talento. Sem aquela resistência e força de vontade do seu corpo, ele teria morrido na cela.
“Talvez eu consiga mais talentos ao coletar sonhos, mas não sei como, nem quais seriam. E, segundo a fala do prisioneiro, nem todos são bons. O "fardo" que ele mencionou sobre o Falha do Importuno me parece um péssimo sinal.”
Balançou a cabeça, afastando o pensamento. Um problema de cada vez. Precisava focar naqueles que poderia resolver.
“Agora sim vem a parte que mais estava pensando: Grau. Os acólitos falaram sobre isso quando estavam entrando na prisão. Um deles disse que uma ruína da Nova Ordem não era do nível dele, que estava próximo do grau 2. Então, existe um sistema de evolução. Isso sim é interessante! Não faço ideia de como funciona, mas posso perguntar a Lavia antes de ir embora. Mesmo que soe suspeito, eu já estarei indo embora de qualquer forma.”
Por último, Ezkiel olhou para o que considerava seus maiores trunfos como Coletor de Sonhos: as habilidades. A primeira ele já usara. A segunda...
“Analisar de Sonhador.”
Ele ativou a habilidade, mas nada aconteceu. Confuso, parou um pouco. Pensou que talvez tivesse algum pré-requisito para ativar. Sagaz, releu o nome da habilidade.
“Será que é isso? Analisar... Precisa de um alvo?”
Ele focou em Lavia que estava guardando os equipamentos médicos após limpá-los. Pensou na habilidade e, no mesmo instante, viu a garota tropeçar e derrubar o balde com os panos sujos. Ela olhou para os lados, confusa, e seus olhos encontraram os de Ezkiel. Envergonhada, ela rapidamente juntou os panos e saiu de casa.
Nesse meio tempo, uma nova interface havia surgido perante os olhos do Coletor.
Nome: Lavia Teimos
Raça: Humano
Local de Nascimento: Ruína de Markshal
Idade: 17 anos
Classe: —
Estágio: Sem alma
Grau: —
Talentos: —
Sonhos Detectados: 1/?
Sonhos:『Retirada de Markshal (Missão)』
Informações possíveis:
Lavia foi nascida das Ruínas de Markshal por dois exilados do Império de Darmos que se conheceram no local. Após conseguirem recursos suficientes partiram junto a um grupo de exploração para outro país, deixando a criança de apenas 5 anos para trás.
Com chances de sobrevivência pequenas, foi salva diversas vezes por outra criança, também nascida nas ruinas. Um relacionamento surgiu e se mantiveram unidos por todos esses anos. Após a partida dos melhores exploradores, houve uma mudança de gestão. Novas regras foram impostas e muitas crianças morreram para conseguir recursos para um grupo seleto. Os impostos tornaram-se mais caros, chegando a níveis abusivos. Logo, toda a Torre do Sino se tornou um governo ditatorial.
O amante de Lavia se uniu aos novos líderes no objetivo de manter sua posição e aumentar seu poder. Aceito de bom grado por possuir um talento. Enquanto a garota foi mais uma vez, deixada para trás.
Barton mudou, e ela, voltou a se sentir solitária. Ele ainda fazia os pagamentos de moradia e alimentação, entretanto, se sentia a criança pequena abandonada.
Uma criança que ainda sonha em um dia conseguir levar todos os outros como ela para um lugar seguro, longe das Ruinas...
Algumas informações estão faltantes pela ausência de conteúdo absorvido.
“Isso é quase uma descrição completa da história de Lavia e a origem do seu sonho: Retirada de Markshal. Ela era uma criança deixada para trás pelos próprios pais. O filtro consegue me dar informações que ela não quis me contar.”
Com essa informação, ele poderia quebrá-la. Mas, em vez disso, ao olhar para a garota, agora sabendo de sua dor, sentiu-se mais próximo. Próximo o suficiente para retirar mais informações sobre o mundo e alcançar mais sonhos.
“Parece também que uma pessoa pode ter mais de um sonho e existem tipos de sonhos. O que consegui do prisioneiro era um tipo trilha, o que ainda não sei o que significa. A missão parece mais simples. Se eu cumprir a missão completo o sonho. Agora, quais recompensas devo ganhar é a questão. Pena que ainda não sei a resposta sobre a pessoa morrer ao coletar o sonho dela. De qualquer forma, não farei isso com ela.”
Um pensamento lógico e frio surgiu, que nem mesmo ele gostaria de aceitar. Lavia nunca conseguiria completar sua missão sozinha. Era fraca e não era uma combatente. Precisaria de alguém como Barton, um especial, para cumprir o seu sonho, mas ele não tinha essa vontade. Ou... se Ezkiel coletasse o sonho dela, ele poderia tentar.
“Não! Que ideia idiota! Como eles aceitariam ser salvos por um cara acorrentado? Tentariam me matar para ficarem ricos. Eu não consigo nem salvar a mim mesmo. Além de que, eu nem mesmo consigo me salvar. Como posso tentar salvar os outros?”
Ele se sentiu mal com o próprio pensamento. A ideia de salvar aquelas pessoas não tinha lhe ocorrido antes, mas a história de Lavia o fez refletir. A compaixão, porém, foi engolida pela necessidade de sobreviver.
— Lavia. Posso pegar minha adaga de volta?
A garota, que havia retornado, o encarou. Emoções conflitantes passaram por seu rosto: um misto de tristeza e alívio. Ela se inclinou, puxou a adaga da bota e a jogou no chão, perto dele.
— É sua mesmo! Não sou uma ladra.
Ele pegou a arma e a prendeu na cintura. Seus olhos se fixaram em Lavia mais uma vez.
— Eu sei que não é.
Havia pena em sua voz. Pena por ela ter sofrido tanto, por ter um sonho que talvez nunca se realizasse. Pena pela toda sua vida lastimável. Ele queria ajudá-la, mas não conseguia nem mesmo se ajudar. Precisa achar uma forma de sair furtivamente dessa cidade e de conseguir um bom abrigo para quando despertasse pudesse voltar ao seu mundo em segurança. Ainda tinha que pensar em como fazer toda a viagem pela zona da morte enquanto mantinha esse corpo a salvo.
— Não me olhe assim, prisioneiro. Eu vou ficar bem. Você tem problemas maiores para cuida.
“Você não faz nem ideia.”
Ezkiel começou a amarrar as correntes firmemente pelos braços, cobrindo os antebraços de forma equilibrada. O peso era enorme, mas pelo menos assim não faziam barulho e nenhuma delas estava na sobra do seu cotovelo, lhe deixando a movimentação padrão do braço. Depois, enrolou a corrente do pescoço cruzando pelo peitoral e pelas costas. Testou mover o pescoço e não havia nenhuma pressão. A respiração ficou um pouco mais difícil, mas era suportável.
Lavia observou a cena em silêncio, com o mesmo olhar de pena que ele lhe dera. Os dois pensavam parecidos entre si. Ela o via como um pobre coitado, fraco, que seria caçado e morto, sem chance de escapar desse fim e sem ninguém nesse mundo. Pelo menos ela ainda tinha Barton. Queria poder ajudá-lo, mas era ela quem precisava de ajuda. Não tinha forças para lutar pelos seus objetivos.
— Acho que vou indo. Obrigado pela ajuda, Lavia. — Ezkiel caminhou em direção à porta, a mão já perto da adaga.
— Espera. Acho que isso serve em você. — Ela jogou para ele duas peças de roupa: . Uma calça beje escuro, um pouco maior do que o tamanho de Ezkiel e uma camisa branca encardida, que deveria ter dois botões superiores perdidos a muito tempo. — Te daria sapatos, mas só tenho os meus.
Ela deu um leve sorriso. Ezkiel se trocou num canto, longe do olhar dela. As roupas ficaram largas em seu corpo esquelético, mas eram infinitamente melhores que os trapos. Escondiam parte das correntes do peito, deixando apenas a gargantilha, os grilhões dos braços e algumas voltas visíveis.
— Você me ajudou muito mais do que precisava. Obrigado de verdade, Lavia! Te agradeço profundamente.
A sinceridade em sua voz era absoluta. O estado que Ezkiel entrara naquele local era muito diferente do que sairá. As informações, a comida, as roupas... tudo faria diferença. Além de não ter sido morto por ela enquanto dormia.
— Espero que você consiga sair deste lugar... — Ele se virou para a porta, sem olhar para trás. — E que consiga salvar o máximo de pessoas possível.
A fome de coletar o sonho dela surgiu novamente, mas ele a suprimiu com mais facilidade. No momento que sabia que ela chegaria, conseguia se precaver para negá-la e seu corpo parecia ter um bom controle sobre suas necessidades.
— Prisioneiro! — ela chamou. — Se encontrar outro explorador, fuja, o mais rápido que puder. E reze pelos deuses para não encontrar Barton. Ele não vai te deixar escapar.
Estava sem rumo, mas parecia ter um plano de por onde começar a procurar. Porém, um sentimento ruim veio ao seu corpo. Um calafrio estranho preenchia suas espinhas novamente.
“Por que o aviso de Lavia soou menos como um conselho e mais como uma premonição?”
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