Volume 2
Capítulo 1: Merecer (versão antiga)
Uma semana mais ou menos se passou desde a missão contra os Ghouls, Mary foi quem mais demorou para se recompor, incrivelmente, até mesmo Ethan estranhou.
Ele começou a reparar que em até mesmo algumas tarefas normais, como carregar caixas ou socar para ensinar um golpe, Mary estava preferindo fazer com o braço esquerdo, como se quisesse preservar o outro.
Isso era algo que estava começando a preocupar Ethan, e por que o braço de sua mestra estava ficando daquele jeito? Não podia Lucy apenas chegar e restaurar o membro de Mary? O garoto já sabia que ela tinha muitos segredos, então quem sabe o que poderia ter levado ela a ficar daquele jeito.
Ele lembrava de uma explicação da albina, dizendo que geralmente os efeitos colaterais dos equipamentos que os dois utilizavam, geralmente aparecia após vários anos de uso. Mas se Mary tinha apenas 24 anos, e pelo que ela disse, ficou mais ou menos dois anos treinando antes de realmente começar sua caçada pelos Heróis, então por que seus membros já estavam com danos ao que parecia, equivalentes a uma década?
Mesmo com essas dúvidas, Ethan sabia que não adiantaria muito perguntar para Mary, pois imaginava que a resposta que receberia seria um mero “não pense muito nisso”.
Os dois estavam saindo do salão de treino, Ethan e Mary estavam suados já, e o menino até sentia dor nos membros.
— Ai... Ei, Mary, quanto tempo levou pra se acostumar a dor do treino? — perguntava o menino enquanto enxugava seu rosto com a camiseta.
— O primeiro ano de treino intenso sempre é dolorido, mas não se preocupe, eu também comecei com sua idade. — Mary respondia enquanto se alongava.
— Não foi com dezoito que você treinou para enfrentar os Heróis? — ele perguntava, pegando a garrafa de água que era estendida para ele.
— Antes disso eu já treinava kendo, então era a mesma intensidade.
Nisso, era possível ver Lucy e David se aproximando, ambos cansados pelo treino, e a ruiva parecia um pouco irritada, pois estava com a mão no rosto, esfregando a bochecha.
— Você bem que podia maneirar na força. — ela se dirigia à Mary. — Não é porque eu me regenero que não quer dizer que não dói.
— Mas a dor é passageira, não é? — a albina respondia, e Lucy retrucava com um dedo do meio.
— Ela gosta de manter as aparências pros pacientes. Ainda assim, arrancar um dente sem nem usar aquela braçadeira? Qual a próxima surpresa? —David perguntava, secando o suor com uma toalha.
— Falando nisso, David, se importa de eu perguntar algo? — Mary iniciava.
— Depende da pergunta. — ele respondia enquanto jogava seus cabelos para trás novamente.
— Eu reparei isso na nossa última missão, porque você parecia que não estava indo com força total? — por causa da questão, David ficava um pouco receoso, ele olhava para Mary tentando intimidá-la, porém no final acabava apenas suspirando.
— A Sara me colocou uma restrição, eu não posso usar meu poder em escala total. —ele respondia e tomava um gole de água. — Por que quer saber?
— Me lembrarei disso na próxima missão. — a albina respondia e ajeitava seu cabelo. David apenas agradecia por ela não questionar a razão pela qual ele tem essa restrição.
— M-mas então, sem essa restrição, você conseguiria fazer o que, David? — Ethan questionava, curioso. O rapaz olhava o menino e se perguntava a mesma coisa.
— É... Eu acho que eu conseguiria congelar uma montanha, é. — ele dizia com um sorriso meio sem graça, como alguém que não queria assustar uma criança.
— Isso é Incrível! P-por acaso existe alguém como você David? — o garoto perguntava.
— Ah, antes de mim deve ter existido alguém com poderes de gelo. Há quanto tempo os singulares passaram a existir? — ele se questionava.
— Cerca de trinta anos. — Mary respondia enquanto terminava de se alongar e relaxava.
— Trinta anos foi o suficiente para sobrar poucos como o Bruno. — Lucy adicionava enquanto fazia seus dedos voltarem ao lugar.
— Como o Bruno? — Ethan perguntava.
— Os singulares mais poderosos do mundo já não existem mais. Vários que poderiam acabar com países inteiros estão agora a sete palmos do chão. — Mary retirava suas ataduras enquanto falava. — O Bruno é o último demônio que se tem conhecimento, a guerra deles contra os anjos não teve muitos vencedores.
— Então... Somos o que sobrou? — Ethan concluía. Lucy então olhava para um relógio ilusório que havia ali perto.
— Opa, deu a hora já. Bom, eu adoraria falar dos ossos do ofício, mas tenho pacientes a cuidar, com licença. Amor, você vai falar com a Sara? — Lucy perguntava antes de sair.
— Vou, vou sim, não tô nem um pouco animado, mas eu vou. — eles acenavam para Mary e Ethan e seguiam seus caminhos. — Apesar que eu já sei o que ela vai falar, sabe como ela é.
Enquanto eles seguiam para casa, Ethan pensava se deveria perguntar para Mary sobre seu braço, mas ele ficava bem receoso. A albina acabava notando, e até mesmo perguntou se ele queria perguntar algo, mas ele apenas tentou desviar o assunto.
— Ah... Então, ah, Mary, você acha que minha mira está boa? — ele tentava arranjar um assunto.
— Eu diria que sim, mas na nossa última missão você descarregou várias balas de uma vez em alguns momentos. Sabe o por quê? — ela fazia o menino pensar.
— Uh... Eu estava desesperado, eu acho, e por eles se regenerarem... — Ethan se lembrava de algumas cenas e principalmente o tiro final em Rebecca, e por um momento ele quase vomitou, se contendo bastante.
Mary colocava a mão em seu ombro, e virava o menino para ela.
— Ethan. Ainda não está bem?
— Não... E a Rebecca, ela só me fez questionar ainda mais de onde eu vim, parece que não é só isso, tem algo que eu esqueci? — ele questionava para sua mestra, que o olhava e por um momento, ela hesitava em falar, mas depois de um rápido raciocínio, ela suspira.
— Eu não sei, eu tentei pesquisar, mas não achei muita coisa. Sinto muito, Ethan. — ela arrumava os cabelos do garoto enquanto ele abaixava o olhar, um pouco decepcionado.
Enquanto os dois estavam ali, Mary via Alex chegando perto, porém ela parecia um pouco tímida de falar diretamente com a albina. Ela percebia que a loira queria dialogar, então se levantou e disse para Ethan:
— Vai indo pra casa e tomando banho, tá? Eu já chego, ok? — ele concordou e apenas seguiu um pouco cabisbaixo.
No caminho, ele parou para olhar para trás, e se perguntava mentalmente, quando que Mary iria parar de mentir para ele, e de esconder coisas sobre seu passado.
— É... O-oi, Mary, é, dia bonito, né? Então, sabe... — Alex não conseguia começar a conversa, ela sorria um pouco nervosa e tentava evitar contato visual.
— Não é educado olhar para os lados quando se está falando diretamente com alguém. — a albina cruzava os braços. Logo que tentou ver Mary e seu olhar se cruzou com o feroz da albina, ela sentiu como se seu coração fosse explodir de vergonha. — Pode falar, Alex, não irei te machucar.
Ela tremia, a loira não conseguia se livrar da vergonha e se perguntava se realmente deveria fazer algo assim, o que ela falaria? Deveria deixar para lá? Mary tinha acabado de sair do treino, então estava com a musculatura bem visível, o que deixava Alex ainda mais tímida e um pouco animada. O único pensamento que fez ela tomar atitude foi lembrar que o “não” ela já tinha garantido, era hora de descobrir se a outra opção também.
— Mary, uhm... E-eu gostaria de conversar com você a respeito de uma possível missão, sabe? O-o Bruno achou que seria uma boa nós trabalharmos juntas. — ela dizia totalmente sem jeito, o que deixava a albina confusa, e se perguntando porquê ela estava assim.
Por alguns momentos, ela ficava analisando a situação e percebia que não havia exatamente muita sinceridade nas palavras de Alex, então por causa disso, ela deu um passo a frente e deu um olhar até mesmo intimidador para a loira, que ficou bem surpresa e sentia que suas bochechas estavam pegando fogo.
— Você inventou essa história, não é? O que exatamente quer me falar? Diga. — Mary dizia enquanto inclinava um pouco a cabeça na direção da moça, que era questão de tempo até desmaiar de tanta timidez.
— É... é que... eu... — Alex respirou fundo, coçou atrás da cabeça e proferiu as palavras que tanto queria. — V-você quer sair comigo?
Após a frase ser concluída, Mary ficou parada no lugar, naquela mesma posição por alguns segundos, como se estivesse analisando se escutou direito. Ela retomava a postura, olhava para os lados e apontava para si mesma, como se estivesse confusa, aquela moça realmente estava querendo um encontro com ela? Alex apenas afirmava com a cabeça um pouco nervosa.
A albina olhava para os lados, agora era ela quem estava envergonhada, sem saber o que dizer, ela colocava as mãos na cintura enquanto buscava fôlego, se perguntava onde estava a pose de implacável dela.
— Ah, bem... S-se você não quiser, tá tudo bem eu... precisava tentar pelo menos. — Alex colocava as mãos atrás das costas e as mexia uma na outra para aliviar sua ansiedade.
Mary suspirava, nem mesmo acreditava que estava passando por algo assim, fazia muito tempo desde que sentia aquela vergonha, e ainda mais, isso a deixava sem chão, pois não sabia como reagir. Ela se lembrava de uma figura que havia a deixado, e pensava consigo mesmo que estava cansada de sempre parecer forte.
Finalmente, depois de pensar, ela levantava o olhar para Alex, agora não era mais feroz e penetrante, legitimamente parecia de uma pessoa comum, envergonhada e vulnerável.
— Quando? Onde? — enfim ela abria a boca para falar. A loira ficava em choque por alguns segundos também, e agora? Nem pensou direito nessa parte, então era hora de improvisar.
— H-hoje mesmo. A gente se encontra na praça principal? Às oito? — agora Alex parecia até mesmo mais confiante. A albina ajeitava seu cabelo e respondia meio baixo.
— C-certo.
— Ok... Uhm... Então... Até depois, hehe. — ela sorria e se virava, saindo a passos apressados. No caminho, ela pensava como era estúpida, por ter feito o pior pedido de encontro possível imaginado, e também como Mary estava extremamente atraente.
Mary também saía na direção oposta, indo para sua casa, e no trajeto ela só imaginava como pareceu uma boba naquele momento, a tão temida Assassina de Heróis não passava de uma moça que não sabe o que fazer em situações amorosas.
Ela não se apressava muito para chegar em sua casa, pois e agora? Como ela deveria proceder? Tinha roupa para isso? Deveria consultar Lucy para ter dicas de moda? Já fazia muito tempo desde que tinha ido num encontro, e nem foi em tantos assim em sua vida, Mary era completamente amadora quando o quesito era amor, e isso a frustrava.
Quando ela chegava em sua casa, ela lavava suas mãos, e enquanto Ethan estava tomando banho, Mary separava os alimentos e as ferramentas, e pegava a receita que ela iria ensinar hoje.
Enquanto lavava suas mãos, Mary acabava tendo uma recordação bem rápida, de alguns anos atrás, ela era confusa, mas o que se podia notar, era a mão dela, estava encharcada de sangue, e a albina parecia querer lavá-la e tirar o liquido das mãos o mais rápido possível. Ela recobrava a consciência e via que foi apenas uma lembrança.
Mas isso começou a fazer Mary se questionar, ela olhava em volta, via a mochila de Ethan, junto de suas armas, na cama, os móveis da casa, os alimentos, todo aquele conforto num mundo desolado, e até mesmo um convite para um encontro, por acaso ela merecia tudo isso? Ela podia se dar ao luxo de ter tanto depois do que fez?
Se apoiando na mesa, a albina recuperava o fôlego e colocava a mão na cabeça, suspirando e pensando que não deveria pensar tanto sobre isso, a prioridade naquele momento era Ethan e depois Alex.
Ela via o garoto saindo do banheiro, com roupas mais confortáveis e enxugando seus cabelos, ele olhava para sua mestra e ficava confuso.
— Aconteceu algo? — ele chegava perto para ver se ela estava bem.
— Bom... Ethan, você vai ficar bem se eu não estiver aqui antes de você dormir? Eu vou num encontro. — ela dizia como uma forma de escapar de suas más recordações. Ethan olhava ainda mais surpreso, e até colocava a mão na testa de Mary, para checar se estava tudo bem mesmo. Ela apenas abaixava a mão dele enquanto revirava os olhos. — Bobo.
— Q-quem? — o menino parecia um pouco feliz.
— Alex.
— Caramba, então calma, você tem que ficar linda pro seu encontro.
— Tá querendo dizer que eu não sou já? — ela perguntava sarcasticamente.
— Tem que ficar cheirosa, vai. Eu vou ficar bem sim. — ele fazia Mary ir em direção do banheiro.
— Ai, calma, tá bom, tá bom. — ela respondia enquanto no caminho passava no armário para pegar sua muda de roupa.
Ela adentrava no banheiro e fechava a porta, agora, sozinha novamente, ela suspirava, deixava suas roupas em um suporte ao lado e ia em direção à pia, onde ela se apoiava, olhava para dentro e em seguida olhava para sua mão direita. Gasto, queimado, irreparável, resultado de um esforço tremendo, ultrapassando qualquer limite.
Mary refletia em seus pensamentos e então erguia seu rosto para o espelho, onde prestava atenção em todas as cicatrizes de seu corpo, algumas era possível ela esconder com as roupas, mas uma que nunca conseguiria era a de seu rosto, que começava de baixo de seu olho esquerdo e terminava no final da bochecha.
Perdida em seus pensamentos, a albina começava a olhar profundamente em seu próprio olhar, relembrando seu passado, que a fez ser reconhecida como Assassina de Heróis.