Volume 1

Capítulo 7: O passado sempre volta (versão antiga)

 

Lucy cruzava os braços enquanto suspirava, como se estivesse diante de duas crianças, logo em seguida foi encostar—se na parede e esperar que os dois resolvam as intrigas, pois, conhecendo seu namorado, sabia que era difícil fazê—lo esquecer o passado. Ethan se aproximava e ficava ao lado dela, mas um pouco afastado, segurando a katana de Mary, que, junto da bainha, chegava quase no peito do garoto, então estava pesada.

A ruiva olhava para ele, um olhar tímido e curioso, até esperançoso, o que de certa forma era uma surpresa. Não imaginava que alguém como a Mary, uma legítima assassina retalhadora, poderia fazer uma pessoa ficar apegada a ela, como se fosse alguém da família. O garoto olhou para Lucy, gaguejando um pouco, mas enfim conseguindo perguntar o que queria.

— É... A Mary já esteve aqui, né? – o menino ainda parecia evidentemente medroso de conversar com outras pessoas. Lucy pensou se deveria responder, junto disso, vinha uma estranha relutância de falar com Ethan; mas, visto que o garoto também não sabia muito sobre o passado de sua mestra, decidiu falar. Ela se aproximava um pouco mais dele e se abaixava para ele escutar melhor.

Enquanto isso, Mary e David terminavam de se alongar e se posicionavam para combate, pareciam que iriam treinar sem seus poderes, somente no físico, uma arrogância por parte do rapaz. Eles se encararam com olhares não muito amigáveis e o singular gélido partiu para cima primeiro, tentando dar um soco na direção do rosto de Mary, que só precisou inclinar o rosto para o lado e logo depois colocar a mão aberta no rosto de David para empurrar, fazendo-o inclinar para trás até cair.

Enquanto os dois treinavam, Lucy e Ethan conversavam.

— A Mary já viveu um tempo conosco, há uns dois anos mais ou menos. Tinha o olhar mais sanguinário que já vi e, mesmo que ela não demonstrasse muito interesse em nada, ela até que tentava ajudar aqui na cidade, e apesar de caridade ser sempre bem-vinda, os rumores que se espalharam sobre ela não a deixavam com uma reputação muito boa. A habilidade dela é bem difícil de aplicar ofensivamente, mas ela aprendeu, e não havia ninguém igual a ela na cidade, e isso preocupa até hoje o conselho da cidade.

— Sério? Mas porquê? – o pequeno ficava extremamente confuso a respeito disso.

— Muitos questionavam algumas decisões e ações dela, entre as reclamações do povo era que o jeito brutal e sem remorso de Mary enfrentar seus inimigos, principalmente se fossem dos Heróis, iria acabar influenciando mais pessoas a se tornarem como ela, o que traria muitos problemas para a cidade.

— Sem remorso? Mas... – Ethan ficava um pouco decepcionado, pois apesar de Mary ser exigente, ela cuidava bem do garoto, e não parecia nada com essa estripadora que Lucy estava falando.

— Talvez ela tenha mudado. – a ruiva olhava para Ethan, como se ele fosse o motivo de a assassina ter amolecido seu coração, mas não tinha certeza se era por questão emocional ou se a singular albina era uma legítima manipuladora.

Mary se inclinou para trás para desviar de um chute giratório de David. Naquele ponto, a moça já havia percebido que o rapaz não estava mais treinando apenas, estava tentando realmente acertar para machucá-la, tanto que em alguns golpes ele nem tentava de fato socar, mas sim segurar Mary para congelá—la. A cada golpe errado que ele dava, era possível ver o rapaz ficando com mais e mais raiva.

A albina percebeu isso e evitava atacar, somente desviando, o que deixou David mais irritado, tanto que ele começou a utilizar seus poderes para criar lâminas de gelo na tentativa de cortar Mary. Assim que viram isso, Lucy e Ethan saíram da parede que estavam encostados e foram correndo parar o singular.

— Por que. Por que?! – David gritava com raiva enquanto preparava um soco revestido de gelo, indo na direção do rosto de Mary.

Porém, antes de acertá-lo, sua camada gélida foi desfeita e a albina segurou sua mão. Em questão de apenas um segundo, Ethan tocou no peito do rapaz para ele não conseguir usar sua habilidade, aproveitando isso, Lucy afastou seu namorado da situação, puxando-o por trás. O singular de gelo ficava se debatendo tentando ir para cima de Mary, que estava com o menino em sua frente, já preparando-se para pegar sua arma.

— David, o que foi?!

— Por que?! Por que você deixou o meu irmão morrer?! – ele gritava para a albina, quase lacrimejando. Mary ficava sem responder nada, pois sabia do que ele estava falando. Ethan ficava confuso e olhava para trás, para sua mestra, como se quisesse questionar se aquilo era verdade.

— David! – Lucy chamava a atenção dele novamente, segurando o mais forte que ela conseguia. – Já conversamos sobre isso várias vezes!

— É só ela me dar uma resposta! E dependendo eu penso se acabo com ela aqui mesmo! – os dez segundos já haviam acabado, e o rapaz começava a revestir suas mãos de gelo novamente.

Mary levantou seu olhar e continuou com sua expressão neutra, notava-se que expressões não eram seu forte. Ela se aproximou de David e disse para ele:

— Eu não me arrependo, por uma única razão. É o que Ryan gostaria que eu tivesse feito, alguém que se dedicou a proteger a facção dos Cicatrizes e a segurança do irmão, o que acha que ele priorizaria? Apenas a própria vida, ou a vida de dez cidadãos, entre eles uma pessoa importante para ele?

— E por acaso você tem moral para falar de priorizar vidas? Assassina de Heróis. – David conseguiu ficar mais calmo por causa de Lucy, mas ainda não estava satisfeito. O olhar de Mary se tornou mais vazio ao escutar “Assassina de Heróis”, pois ela começou a se lembrar de quando começou sua vingança contra esses singulares.

Logo em seu início, Mary já foi colocada em situações de vida e morte que não apenas garantiram que ela se tornasse mais fria, como também fizeram dela uma guerreira sanguinária em busca de um objetivo, mesmo tendo um poder relativamente fraco, cada vez ficando mais cega por sua ambição.

Sua última lembrança era de dois anos após seu início de “carreira”, ela estava num campo aberto e tempestuoso, em volta estavam corpos ensanguentados, junto de armas brancas banhadas em vermelho, caídas no chão, sem alguém para as utilizar. Não pareciam pessoas aleatórias que se meteram no caminho de Mary, era possível notar que todos ali tinham alguma ligação.

Os olhos da albina estavam arregalados e seu corpo tremendo, fora que ela estava cheia de ferimentos como buracos em seus braços, vários cortes pelo corpo, as roupas muito rasgadas e vermelhas por causa do sangue, e um corte que se desatacava era em seu rosto, que passava pelo olho e bochecha esquerdos. Neste cenário mórbido e trágico, Mary largava sua katana e caía ajoelhada, só conseguindo pensar no que ela havia feito e o que levou a tudo isso, tendo que ficar por um bom tempo naquele local tão visceral.

Mary terminava de lembrar e olhava para David com uma expressão um pouco mais viva, em vez de totalmente vazia, porém ao mesmo tempo, um pouco acabada

— Sim, eu sou uma assassina, e o que eu quero é me vingar dos Heróis. Porém, eu já sou diferente há muito mais tempo do que pensam. Antes mesmo de me conhecerem, eu já havia mudado.

— E vai querer que eu acredite nisso?! – respondia David indignado.

— Ethan e aquelas dez pessoas sobreviventes da missão de resgate são a prova viva disso. – Mary dava as costas enquanto olhava para trás e dizia: – Tente honrar Ryan, ao invés de jogar a culpa em mim, afinal, foi ele quem me pediu isso. Me julgue se quiser, mas eu ainda vou lhes ajudar a deter os Ghouls. – em seguida ela saiu andando do salão de treinamento.

David quase lacrimejava de tanta raiva, ele tentou ir atrás da albina, porém, Lucy o abraçou forte por trás.

— David... Por favor, fica comigo, não vai atrás disso novamente. – ela dizia quase chorando no ombro dele enquanto o abraçava. O singular gélido vai aos poucos abaixando seu braço e segurando na mão de Lucy, também tentando conter as lágrimas. – Nós sabemos, não dá para voltar atrás, só podemos seguir em frente, David.

O casal chorava junto enquanto Ethan ficava um pouco perdido por ali, então sem muita opção, ele decidiu ir atrás de Mary, saindo do salão de treinamento. Ele a encontrou logo na saída, simplesmente parada e olhando para a cidade em que estavam. Mary pensava como aquela facção, na verdade mais parecia apenas com um vilarejo, por ter tantas pessoas que não desejavam rivalizar com outros grupos, não desejavam a guerra.

— Mary. – Ethan chamou por ela, a albina se vira via o garoto, pensando mais ainda sobre, e até abaixando o olhar. Sem entender muito bem, ele se juntou a sua mestra e ficaram observando a cidade.

— É bonito, não é? – perguntou Mary. Na frente deles, estava a praça com uma fonte e bancos em volta, pessoas sentadas, curtindo o momento relaxante, brincando com seus filhos ou tendo experiencias amorosas.

— É, bastante. – ele não sabia exatamente o que dizer, e, assim que olhava para o rosto de Mary, Ethan conseguia ver sua mestra com um olhar um pouco decepcionado.

— Eu não pertenço a esse lugar, minha mera presença já pode acarretar em tragédias, queria eu poder fazer parte. – Mary olhava para sua mão, aquela luva toda gasta e usada, a palma dela que não podia ser vista, mas estava cheia de calos, o tanto de cicatrizes que ela tinha no braço e cobria com as ataduras e a braçadeira. – Só que eu também não tenho mais volta.

— Mary, c-como assim? – perguntou Ethan. Ela olhava para o garoto e entendia que ele ainda era muito inocente.

— Nada, Ethan. – ela voltava a olhar para a cidade. – Você quer me perguntar algo, né? Diga.

— Ah, é verdade, bom, eu só queria saber mesmo, o que aconteceu com o David? Você deixou o irmão dele morrer? – perguntou, fazendo com que Mary levasse um tempo para responder.

— É, é verdade. – disse com uma certa calmaria.

— Você... Não parece tão incomodada em falar isso.

— E do que adiantaria eu ficar incomodada? É realmente o que aconteceu. – Mary retomava algumas memórias para poder explicar para Ethan. – Eu estava na equipe de Ryan, o objetivo era resgatar alguns reféns que vivem aqui, só que, quando estávamos para escapar, o local desmoronou e, para evitar um destroço de cair em cima de uma criança, Ryan se jogou e a empurrou. Eu tentei ajudar, mas ele já estava com metade do corpo esmagado, então ele só falou para o deixar ali, os reféns eram mais importantes. – ela terminava de falar com um certo pesar na fala, mas não exatamente incômodo.

— Mas por que David ficou tão bravo então, você não explicou antes? – questionou Ethan.

— Expliquei, mas pela minha má fama, era inútil. Eu ainda sou e sempre vou ser uma ameaça. – Mary dizia com um certo tom de aceitação na voz.

O garoto olhava para sua mestra, aquele olhar de guerreira meio desesperançosa, mudada por cicatrizes e que, apesar de ainda ter seus olhos no objetivo ainda, não aparentava querer usar todo tipo de artifício para alcança-lo, e talvez estivesse em dúvidas sobre o que fazer. Ele então segurou a mão de Mary e diz:

— Eu não acho você uma ameaça. – ela ouviu isso e por um momento se sentiu mais aliviada e até um pouco mais feliz, mas não demonstrou, apenas olhou para Ethan e depois para frente novamente.

— Enfim, vamos ajudar eles, e quem sabe eles poderão nos ajudar também, entendido? – disse num tom calmo.

— Sim senhora. – os dois ficavam observando a cidade mais um pouco, até que duas pessoas, uma mulher e um rapaz se aproximaram. Logo de cara, Mary reconhece o homem por causa da altura e dos dreadlocks amarrados que ele possuía.

— Mike. – a albina começou.

— Mary, a quanto tempo. – respondeu Mike, que logo fazia junto de Mary, um cumprimento que ele gostava de fazer com todos os seus conhecidos, e pelos barulhos, era visível o colete jeans que ele utilizava, era um visual bem simples, pelo visto ele não aparentava ser do tipo que ia para a linha de frente.

— Tá de brincadeira, você a conhece? – perguntou a outra moça logo ao lado.

— É, ela já fez umas missões com a minha ajuda. – ele respondia de maneira mais amigável que David ao encontrar Mary.

— Ai, tô nervosa, calma, eu tô bem? Como que tá minha roupa? – a moça ficava se avaliando e percebia-se que estava com vergonha, como se estivesse pra conversar com uma celebridade, o que deixou Mary e Ethan confusos.

— Ei ei, calma. – disse Mike de maneira gentil e em seguida apresenta ela para a dupla em sua frente.

— Ah, muito prazer, eu sou a Alex, eu ouvi várias de suas histórias, você é incrível, a Assassina de Heróis? Mas você salvou várias vezes o nosso povo. – ela dizia animada enquanto cumprimentava Mary sem ela nem mesmo ter estendido a mão ainda.

Enquanto era forçadamente cumprimentada, a albina analisava aquela pessoa; era jovem como Mary, porém mais baixa que ela, suas roupas davam a impressão dela ser alguém pronta para correr, com roupas leves e tênis, seu maior chamativo era seu cabelo loiro, liso e raspado em uma das laterais, e por fim ela parecia gostar de piercings.

— E quem é o novo amigo aqui? – Mike dizia se abaixando para ficar mais na altura do garoto.

— E-Ethan. – respondeu um pouco nervoso.

— Nome legal, a gente te guia para a escola, vem. – Mike ofereceu a mão para o garoto, que recuou um pouco.

— E-eu vou ajudar a Mary a vencer os Heróis. – respondeu, mas com mais convicção. Essa frase deixou tanto Mike quanto Alex surpresos.

— O que? Mary? – ele olhava para a albina, que não escondia e acenava positivamente. – Você tá doida? É uma criança ainda.

— É, mas foi eu quem treinou ele. E também, não tem muito o que eu fazer, ele quer ir.

— Ok, realmente é uma surpresa, mas, se está dizendo, então tudo bem. – o rapaz respondeu enquanto coçava a nuca.

— Mas ele é tão fofinho. – a loira acariciava os cabelos de Ethan enquanto se inclinava para ficar na altura dele. O garoto ficou meio apreensivo de primeira, mas acabou gostando da caricia e até ficou envergonhado.

— Não bajule ele tanto. – a albina diz num tom “calmo”.

— Bom, contamos com a sua ajuda novamente, Mary. – Mike estendeu a mão para ela, com um sorriso determinado no rosto. – Vamos derrotar os Ghouls.

— Igualmente. – Mary o cumprimentou, mas sem demonstrar expressão.

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Ao fundo, entre duas casas, uma pessoa observava a situação nas sombras, pelos trejeitos aparentava ser uma mulher. Ela colocava a mão em seu rosto, lambia seus lábios e dava uma risada sutil.

— Que piada boa. – disse num tom sádico.



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