Volume 1

Capítulo 2: Mary e Ethan (2) (versão antiga)

 

Pelos escombros, ouviam-se sons de esforço. Uma figura encapuzada era vista correndo pelo terraço de uma casa e em seguida saltando para outro. O ser em questão usava uma camiseta regata verde com capuz, uma calça cargo preta rasgadas na região dos joelhos, tênis gastos e luvas meio dedo pretas. Um garoto baixo e magro. Estava com o corpo enfaixado na região dos cotovelos, joelhos, nos dedos e alguns no rosto.

Ele se encontrava correndo por uma área também destruída, aproveitando-se das estruturas que foram formadas por singulares, como árvores e pedaços de concreto organizados irregularmente, uma corrida de obstáculos.

Apesar de em alguns momentos ainda ter dificuldade, o garoto, mesmo que fosse novo já demonstrava uma bela habilidade em acrobacias, tanto que foi capaz de usar um pedaço de árvore para se impulsionar, agarrar a beirada de uma estrutura de concreto e escalar rapidamente. Ao ficar de pé no punhado de concreto, ele viu no horizonte algumas ruínas e bem no fundo, o que parecia ser uma cidade, também destruída.

O vento soprara em sua direção e retirou o capuz de sua cabeça, revelando seu rosto. Tendo olhos azuis, cabelos loiros e lisos, raspados nas laterais, ainda possuía uma cicatriz de corte horizontal logo abaixo de seu olho esquerdo. Fora isso, o que se notava era que o garoto tinha um porte físico magro e atlético, não era exatamente forte, mas com certeza era eficaz. Sua expressão era um pouco ansiosa, consideravelmente melhor que a versão vazia dela.

Ele respirava fundo e conversava consigo mesmo.

— Calma Ethan, é só seguir como a Mary disse. — sussurrou para si mesmo, em seguida virou-se de costas para a beirada da estrutura, fecha os olhos e dá um passo para trás, caindo em direção ao chão.

Enquanto fazia isso, o garoto rapidamente saca de coldres em suas pernas, duas pistolas e, sem abrir os olhos, ele estendeu os braços para os lados, disparando dois projéteis em direção a alvos posicionados a uma boa distância dali.

Logo que aterrissou, ele abriu os olhos e acaba vendo alguém encostado na parede em sua frente. Ao levantar o olhar, percebeu uma mulher de shorts justos, botas e camiseta branca, com olhos cinzas e cabelos brancos. Mary tinha voltado para conferir o treinamento do garoto.

— Você errou o tiro da esquerda. — disse ela, apontando com a cabeça para a direção dita. Ethan agora reparava para seu erro, realmente a bala havia passado longe do alvo, ele ficara cabisbaixo por novamente ter falhado.

Ela foi até o garoto, que mal chegava em seu peito em relação à altura, inclinou um pouco seu corpo para ficar na altura de seu rosto e levantou o queixo dele. — Sem ficar se culpando, olhe para seu erro e pense em como não errar futuramente.

— Como devo fazer isso? — ele perguntou, um pouco relutante.

— Assim como fez com a faca. — respondeu, passando o polegar pela cicatriz perto do olho de Ethan. O garoto tentou entender e estendeu seu braço esquerdo na direção do alvo.

Mary ficou ao seu lado e colocou sua mão nas costas de Ethan enquanto a outra tentava deixar a pistola do menino alinhada. — Você está querendo aprender de uma vez, faça um passo de cada vez, mesmo que tenha que aprender a atirar novamente.

— Um passo de cada vez. — o garoto concentrou-se e focou sua visão no alvo em seu lado esquerdo. Aquela situação sempre foi e sempre seria complicada para ele, o que um menino da idade dele mais gostaria era a aprovação dos outros. Felizmente, ou infelizmente, ele só tinha uma pessoa para tentar impressionar.

Prendendo a respiração um instante antes de atirar, Ethan disparou, porém o projétil não acertou o alvo em cheio, apenas de raspão, o que acabou o deixando frustrado e cabisbaixo novamente.

— O que eu falei? Sem se culpar. Venha. — disse Mary, sem a entonação de desaprovação que Ethan esperava, o que o deixara surpreso.

— S-sim, senhora. — respondeu enquanto levantava a cabeça e guardava suas pistolas. Os dois iam na direção de um prédio abandonado, logo eles adentraram no estacionamento no primeiro andar.

— Vamos ver como seus golpes estão, hoje você pode usar a faca. — virando-se para Ethan, percebia que ele estava girando uma faca militar em sua mão com extrema maestria. Era só uma distração mesmo. — Hum, você melhorou bastante.

— Será que um dia eu terei uma katana igual à sua? Não seria mais fácil eu começar com uma já? — Ethan questionou, encolhendo os ombros, e se posicionando na sequência.

— Não temos um ferreiro conhecido para fazer armas como essa. E mesmo que tivéssemos, ainda é muito novo, uma katana seria pesada demais para você. – ela responde. A moça porém, percebia o garoto analisando a possibilidade, averiguando o peso de sua faca, realizando alguns golpes no ar, como se quisesse dizer para Mary que queria testar.

— Posso? – perguntou o menino, testando até onde podia ir com essa ousadia. Após assimilar que ele realmente tinha perguntado aquilo, Mary suspirou enquanto revirava os olhos, logo em seguida estendendo sua bainha na direção de Ethan e a destrancando.

— Só dessa vez. – dito isso ela colocou a mão na cintura e esperava o inevitável acontecer. Ethan pegou no cabo da espada e a retirou do seu local de descanso. Para a surpresa de ninguém, o menino não conseguia manter a lâmina por muito tempo levantada.

Com bastante esforço, ele tentou a equilibrar e acabou deixando cair a arma no chão, causando um barulho de metal quicando que o faz abrir uma expressão desconfortável, como se soubesse que havia feito besteira. Ele olhava para Mary, esperando que ela fosse o confrontar por tal atitude, mas ela apenas acenou negativamente e ajoelhou para pegar sua katana.

— Q-quanto pesa essa espada? – perguntou Ethan, um pouco receoso.

— Um quilo e meio. — após mencionar o peso e o menino conseguiu entender porque não era capaz ainda de manusear uma arma daquelas. Ele notou sua mestra estendendo a faca do menino para ele pegar. – Por enquanto você não precisa de algo que pese mais do que duzentos gramas, apressadinho. – ela então tocou na testa dele com o indicador e empurrou levemente para trás.

O garoto ficara envergonhado por achar que conhecia mais do que Mary, e passou a mão na testa. A albina guardou sua espada na bainha novamente, olhando para ele com um olhar mais sério.

— Pronto agora? — Mary demonstrava um olhar mais assustador e até mesmo sanguinário para o garotinho.

— Sim, senhora. — Ethan se posicionou com sua faca empunhada. Ele suava de nervosismo, tinha que causar ao menos um corte nela ou não jantaria em dobro.

— Agora.

O garoto então partiu para cima da moça, saltando e realizando uma apunhalada na direção do ombro de Mary. Ela bloqueou o braço do garoto com a mão, então Ethan fez um chute horizontal antes de aterrissar no chão.

A moça abaixou a cabeça e, assim que o garoto ficou de frente e aterrissou, ela se posicionou e deu um soco na direção do rosto do garoto, que conseguiu desviar por muito pouco e tentaria esfaquear o braço da albina na sequência, porém, antes que pudesse fazer isso, a moça agarrou o braço dele e girou na direção oposta a dele, fazendo o garoto girar no ar.

Mas, aproveitando-se desse giro, Ethan conseguiu chutar o rosto de Mary, fazendo-a soltá-lo, mesmo que não tenha sido tão forte. O garoto então terminava de girar no ar e aterrissou no chão agachado.

Ele reparou em sua faca no chão e aproveitou que sua instrutora estava fora de foco devido ao chute para pegar sua arma, tentando em seguida dar uma fincada na mulher. Porém, Mary estava apenas fingindo estar desorientada e, antes de Ethan perceber, ela fez um movimento de retirar a faca da mão dele, batendo na arma e no braço do garoto ao mesmo tempo, jogando ambos para direções opostas.

Mary então agarrou o pulso dele e deu uma rasteira por trás nele, fazendo-o cair de costas no chão. Ao se recuperar do baque, ele abriu os olhos e viu seu braço esquerdo levantando com sua mestra segurando o pulso. A expressão dela era séria, mas não demonstrava decepção, pois na outra mão ela estava justamente a faca de Ethan, a moça estava segurando-a pela lâmina, com o cabo virado para o garoto. Ele acaba entendendo que era para pegar novamente.

— Bom, Ethan, muito bom. — a moça o elogia, o menino de primeira não entendia o que significava, mas quando olhou mais atentamente para a faca, ela estava com sangue na lâmina, e o líquido estava caindo justamente da mão de Mary.

O garoto ficou surpreso que ainda sim conseguiu causar um corte nela, podia ter sido apenas descuido da moça na hora de desarmar Ethan, ou ela realmente quis conceder uma vitória para o menino.

— Então... Eu consegui o jantar dobrado? — ele pegava o cabo da faca e aproveitara de Mary já estar segurando seu pulso para receber ajuda para se levantar.

— Pensar na recompensa pode ser um grande incentivo, use a seu favor. Ainda temos que trabalhar sua mira com as duas mãos e corpo a corpo.

— Entendido. — ele acenou positivamente. Mary e Ethan então subiam às escadas em direção ao seu esconderijo improvisado. — Ah, Mary, como eu estou? Já fazem dois anos, eu agora consigo lutar, posso te ajudar a caçar.

— Não está totalmente pronto, principalmente sua habilidade, já que ela depende de outro singular para se ativar. — respondeu.

— Mas então não é melhor eu ir junto? Dessa forma eu posso controlar melhor meu poder enfrentando outros singulares.

— Não até eu perceber que está melhor no gatilho.

— Mas você não aprendeu melhor lutando de verdade? — o garoto tentava insistir.

— Ethan. — Mary parou e virou seu rosto de relance apenas, foi o suficiente para o menino se calar e não questionar mais.

— Sim senhora. — ele abaixava a cabeça e os dois continuam andando.

— Eu quero sim derrubar os Heróis, mas não farei isso às custas de te sacrificar. — Mary responde, o que deixou Ethan curioso, não entendia o que ela queria dizer.

Após preparado, ambos se sentaram ao redor da fogueira e jantaram. Na verdade, apenas Ethan comeu, Mary por alguma razão ficava pensando olhando para as chamas e para o garoto. Ela se lembrou de como as coisas eram no começo, principalmente por Ethan inicialmente ser muito mais contido do que agora.

Enquanto Ethan jantava um espeto de peixe, ele pensava como diabos Mary conseguiu aquilo, ao menos estava bom. Mary observava a chama e mexia um pouco nela para não apagar.

— Mary.

— Hm?

— É... Você por acaso teve ou tem uma família? — o garoto ao menos queria saber o que era ter uma. A moça levantou o olhar para ele; aquela expressão neutra e fria sempre deixava o garoto assustado, mas para sua surpresa, Mary não o reprime, na verdade só levou um tempo para falar.

— Sim, eu já tive.

— E o que aconteceu? – perguntou. Levara alguns instantes para ela ter coragem de responder.

— Um singular dos Heróis. Eu não consegui entender na hora o que ele podia fazer, estava bem escuro. — Mary se lembrava dela, seus pais e irmãozinho tentando correr de um trio de singulares.

Um do trio fez um movimento com as mãos, e a mãe, percebendo que algo estava vindo, empurrou sua família para o lado, e quando Mary olhou para onde sua mãe estava, só havia um braço e as pernas de sua parente, o restante de seu corpo simplesmente havia sumido.

Ela olhou para o lado e viu seu irmãozinho tentando correr em sua direção. Mary estava deitada no chão e por isso foi capaz de evitar ser acertada por algo. A mesma coisa que fez o corpo de sua mãe sumir também fez o mesmo com o pequeno.

A última coisa que ela ouviu foi seu irmãozinho gritando pela irmã e depois seu corpo havia sumido totalmente. Por último seu pai, que, assim que se levantou e viu o braço e pernas de sua esposa apenas, ficou totalmente enraivecido e se virou para os três singulares.

Ele tentou sacar a katana que tinha em sua mão, mas antes de a retirar da bainha, sua perna esquerda também havia sumido, fazendo-o cair no chão em agonia. Mary nem sabia como reagir, as lágrimas escorriam por seu rosto sem parar, porém, ela estava tão perdida que nem voz tinha. A última coisa que Mary se lembrava era de seu pai lhe entregando a katana e falando para ela fugir.

— Mas por quê? — Ethan questionava, chocado.

— Aparentemente meu pai já foi um Herói, mas se aposentou. O problema foi que, mesmo tendo cumprido todos os acordos, eles não o deixaram em paz. — disse a moça com a cabeça baixa. — Quer dizer, ele não tem exatamente culpa, mas... — ela fechava o punho, um misto de dor e tristeza percorria seu ser. Ethan viu aquilo e se sentiu um pouco culpado.

— D-desculpa, eu não devia me intrometer. — ele quem ficou com a cabeça baixa desta vez.

— Não, tudo bem. O que importa é conseguirmos encontrar os Heróis. — ela o tranquilizou, relaxando a mão.

— Ah, verdade. Conseguiu alguma informação na naquela tribo de viajantes? — Ethan levantava a cabeça, tentando mudar de assunto.

— Não, e na verdade muitos ali disseram que não querem ir contra os Heróis, seria suicídio. Mas acho que tenho uma última opção, mais a frente daqui tem um grupo meio pequeno de singulares da qual ajudei no passado: os Cicatrizes. E parece que estão passando uns apertos.

— Outro grupo de singulares?

— Bem provável. — Mary se levantou e foi na direção da janela daquele prédio destruído. — Termine de comer e vá dormir.

— Sim, senhora. — Ethan respondeu, terminando de comer o peixe.

Mary ficou olhando o céu noturno e estrelado, o vento balançava seus cabelos brancos enquanto ela fazia uma promessa a si mesma de que iria acabar com a facção. Se preciso, iria assassinar quantos Heróis fossem necessários.

Um pouco longe dali, na tribo que Mary havia visitado, um singular tinha um brilho azul em sua mão, mostrando algo que pareciam ser coordenadas, ele ria enquanto olhava para alguém ao seu lado. Outro singular, dessa vez bem alto, parrudo, com um moicano preto e curto, ele também sorria.

— Encontramos. Estão dando uma grana boa para quem trazer o garoto vivo até àquela cidade. Você consegue né, Dex? — perguntava o singular com o brilho na mão.

— Sabe o porquê do garoto? Ah, não tem problema, pode deixar comigo. — o outro logo ao lado dizia enquanto mostrava seu braço e seu sorriso. O braço dele começava a se envolver em algo que parecia músculo vivo.



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