Volume 1

Capítulo 1: Mary e Ethan (1) (versão antiga)

 

Em um mundo de singulares, ter uma habilidade poderosa é sobreviver e prevalecer, e os que não podem lutar, ficarão sempre nas sombras, esperando que não sejam encontrados.

Mas esse não era o caso de Mary.

Para ela não importava a imposição de obediência através do medo e da influência, e nem que seu poder era considerado fraco, somente útil para situações muito especificas, ela faria os Heróis pagarem pelo que fizeram.

Pela ironia do destino, agora ela, uma guerreira implacável, estava ali, de frente para um garotinho franzino e sem qualquer sinal de ameaça. Mesmo achando que não tinha tempo para isso, que não servia para esse tipo de coisa e, ainda mais, não queria se afeiçoar a alguém, pensou consigo mesma que deveria ser paciente, ao menos um pouco, e assim, após trocar algumas palavras com Ethan, decidiu aceitar. Ela o ajudou a se levantar e o pegou no colo. O garoto estava muito fraco, por isso acabou dormindo pela falta de energia.

— Não estou fazendo isso por você, garoto. — disse Mary, após isso ela suspirou e perguntou para si mesma se aquela escolha era a certa. Isso era uma questão difícil de saber. No fim ela apenas saiu dali com Ethan em seus braços.

No mesmo dia que se conheceram, naquela noite, a moça decidiu conhecer melhor Ethan enquanto estavam em volta de uma fogueira no terraço de um prédio abandonado. O garoto ainda estava com as roupas em trapos, mas ao menos seus ferimentos estavam tratados.

— Ethan.

— Hm? — o menino ainda tinha um olhar vazio e perdido.

— Antes de mais nada, me diga, você tem pais? Sabe onde eles estão? — perguntou de maneira calma. Ethan tentava se lembrar de algo e levou um tempo até conseguir falar.

— Eu... Não lembro quem são meus pais. Desde que eu consigo me lembrar, eu não parava em nenhum lugar por muito tempo. Eu só sabia que era por causa do meu poder, diziam ser único, mas ninguém sabia o que era. — Ethan se lembrava de como era sua rotina: desde que tem memórias, sempre foi vendido para todo canto do mundo. Muitos diziam que era o anti-singular, mas nem mesmo pesquisadores clandestinos puderam determinar o que sua habilidade fazia, pois ela nem se manifestava.

Nenhuma das vezes deu certo, mesmo passando fome, apanhando de vendedores insatisfeitos, ele não conseguia. Mas, por algum motivo quando ele viu Mary em ação, e ela encostou nele sem a pretensão de machucá-lo, a moça conseguiu sentir a habilidade dele como se tivesse ativado somente para ela.

— Certo. Ethan, você tem quantos anos? — indagou para o menino.

— Doze. Foi o que eu ouvi na última negociação. Para onde eu irei agora? — ele perguntou, como se já imaginasse que Mary o venderia por um preço alto.

Isso deixou a moça um pouco mal, ela estava basicamente com a vida de um menino totalmente quebrado por dentro em suas mãos. Ela suspirou, pensou, olhou para o horizonte e refletiu se essa era a melhor escolha. — Nenhum lugar.

Mary passou a cuidar de Ethan, deu-lhe roupas novas e tentou treiná-lo para se tornar alguém mais forte. Ela tentava, mas Ethan não conseguia lembrar de quase nada, sobre os experimentos que passou, quem já passou em sua vida, suas memórias se tornaram apenas vozes que ele sequer sabia de quem eram. O menino tinha algumas cicatrizes de corte nas costas e abdômen, e nos braços pareciam haver várias marcas roxas, como se ele fosse constantemente segurado fortemente por eles.

 A ideia inicial de Mary era apenas que o garoto seria uma arma em potencial para ela utilizar, porém Mary percebeu que com essa mentalidade, mantendo-se afastada, fria e não criando afeição, de nada adiantava, o menino só se sentia desmotivado e não conseguia treinar.

Ethan somente não revidava os sermões e desapontamentos de Mary porque ele não tinha muito o que fazer, era ou ficar com ela e pelo menos ter comida e onde dormir ou morrer no mundo afora.

Mesmo que, por causa de seu passado, a moça não quisesse desenvolver outro laço, ela tentou ser mais aberta e compreensiva. Um dia, na tentativa de treino, Ethan acabou cortando a palma de sua mão por acidente com a faca. Ele já imaginava que receberia outra bronca de Mary e se preparou para tampar seus ouvidos, derramando sangue em sua orelha. Ele mal ligava para a dor nesse ponto.

Porém, para sua surpresa, o que a moça fez foi pegar calmamente a mão de Ethan e enfaixá-la. O garoto olhou confuso para ela, que não expressava nada, apenas se mantinha quieta. Ela então pegou a faca do chão e devolveu para Ethan.

— Se utilizar a outra mão a tempo, não vai acabar agarrando a lâmina. Tente. — disse Mary, em um tom calmo e bem mais receptivo.

Ethan ainda estava confuso, mas decidiu tentar mais uma vez. Ele se posicionou, fez um movimento de corte com a faca, jogou ela para cima, girando-a e deu um soco no ar, em seguida ele utilizou a outra mão para enfim agarrar o cabo da faca ao invés da lâmina. Isso surpreendeu o garoto, que parecia sentir uma ponta de felicidade, e mesmo que Mary mantivesse uma expressão neutra, havia ficado orgulhosa.

Naquela mesma noite, os dois estavam em um cômodo prontos para descansar, ao menos o garoto, que estava deitado em uma espécie de lençol no chão, enquanto Mary ficava de vigia na porta, somente encostada na parede. O garoto acabou perguntando algo. Como qualquer criança ou pré-adolescente, ele sempre queria saber mais.

— Mary, eu nunca consegui saber, você por acaso entendeu qual é meu poder? — Ethan perguntou timidamente. Pensando se deveria aceitar a tentativa de aproximação do garoto, ela decidiu falar, se aproximando de onde ele estava e sentando-se ao seu lado.

 

Conforme o tempo passava, os dois precisavam constantemente mudar seu esconderijo e evitar conflitos contra singulares que a albina sentia serem mais poderosos. Houve apenas uma ocasião que foi inevitável, uma pessoa com poder de vigor infinito confrontou Mary, e, quando Ethan estava no chão, o garoto tentou buscar uma solução em volta para ajudar sua mestra, e por sorte acabou achando uma pistola junto a um cadáver.

 Tinha apenas uma bala e, mesmo que o garoto só tenha lido uma vez sobre armas de fogo numa revista que achou no chão, ele, tremendo, suando e muito assustado, disparou e acertou bem no pulmão do rapaz. Agora com ele nesse estado, Mary conseguiu finalizá-lo facilmente.

 A moça olhou para o garoto, que estava sentado no chão quase lacrimejando de tanto nervosismo e viu que poderia ser uma boa escolha para ele utilizar pistolas, pois assim se manteria longe o suficiente para não ser acertado pelo singular, mas perto o suficiente para poder ajudar Mary. Mesmo que o poder dele exigisse que encostasse na pessoa para ativar, talvez fosse melhor por enquanto que o garoto mantivesse distância.

A primeira tentativa de verdade de Ethan praticar com uma arma não deu muito certo. Naquela hora o menino provavelmente conseguiu disparar por causa do desespero que lhe deu uma adrenalina a mais, agora mais calmo, mal conseguia sustentar uma pistola levantada, sempre tinha que segurar com as duas mãos. Mary havia esquecido de um fator importante, Ethan não tinha força para aguentar o coice de uma arma.

Um único tiro foi o que o garoto conseguiu dar, pois, depois dele, a arma rebateu para trás e acertou sua testa, quase apagando-o e levando Ethan ao chão. Quando Mary o ajudou a se levantar, viu a testa do menino sangrando e ele ficando confuso com algo escorrendo em seu rosto.

Ficou claro para a moça que aquilo seria mais trabalhoso do que ela pensava, era o mesmo que ensinar o básico a uma criança no meio de um fogo cruzado. Mesmo que tivesse um foco de querer derrubar os singulares dos Heróis, ela não podia simplesmente deixar o menino para trás naquele momento. Apesar de seu passado conturbado, ela ainda tinha um pequeno senso de moral e ética. Querendo ou não, ela agora era responsável por garantir a segurança dos dois.

Decidida então, Mary passou a ensinar tudo que aprendeu em seus treinos para Ethan. Começando por coisas básicas como correr para tornar seu corpo mais resistente a esforço, flexões para ele começar a ter mais força e socar um saco de pancadas para aprender como realizar um golpe sem machucar a mão. Visto que, após um bom tempo só nisso, Ethan já estava ficando forte o suficiente, a moça começa a ensiná-lo sobre combate corpo a corpo e sobre como escapar de situações complicadas.

Mary encontrara um lugar bom para ele treinar, no terraço de um sobrado destruído. O caminho era cheio de destroços e pequenas estruturas feitas de terra. A moça se ajoelhou na altura de Ethan e o mostrou o caminho em sua frente.

— Seu objetivo é chegar até aquele prédio, há uma janela quebrada nele. – ela apontava para a estrutura que estava um pouco mais afastada do último sobrado. Seria necessário um salto grande para chegar nele, mas era possível. — Primeira lição, Ethan.

— Pense rápido, certo?

— Sim, visualize a área ao seu redor, pense na melhor trajetória por ela e o que pode usar a seu favor. Mas pense rápido, podem ser questão de segundos ou até milésimos. Saiba assimilar o que você consegue ou não fazer, e se o tempo necessário é o bastante. — disse mostrando a área à frente do garoto.

— É muita coisa para lembrar. – Ethan respondeu, com uma certa tremedeira na voz, claramente nervoso.

— Vai se acostumar, estarei vendo de perto seu progresso. — ela respondia e se levantava.

Pegando impulso e correndo na direção da beirada do terraço, saltando na direção de outro, onde no meio havia uma estrutura de terra e, sem perder o equilíbrio, utilizou o pedaço de terra como base para saltar até o terraço logo em frente. Ela então olhou para trás e fez um sinal indicando para Ethan vir.

O garoto ficava apreensivo, respirou fundo e tentou repetir o que sua mestra fez. Até conseguiu se manter equilibrado na estrutura de terra, porém, ao pular para o terraço logo a frente, ele escorregou na ponta dele e bateu a canela na quina do terraço. Ethan gritou de dor e quase caiu da estrutura, porém Mary conseguiu agarrar seu braço antes e o puxou para cima.

Contendo seu choro e apenas gemendo de dor pela perna, a moça levantou o rosto do menino e perguntou:

— Se o que aconteceu não te impede de continuar andando, não pare, entendeu?

Ethan ouviu aquelas palavras e levantou-se. Não conseguia conter algumas lágrimas de dor e sua perna continuava latejando de dor.

— Não parou. — era visível a dificuldade somente pela voz dele.

— E você também não deve. — Mary ajoelhou-se ao lado do garoto, limpou uma de suas lágrimas com o dedo e apontou para frente. — Sem parar, Ethan, não olhe para trás, e não tenha medo de errar para aprender, entendido?

— Sim. — Ethan secou o rosto com o braço e olhou para frente. Ele começava a andar um pouco mancando, evoluindo para uma corrida dolorosa, até chegar ao ponto em que ele simplesmente passou a ignorar a dor e continuou correndo até chegar na beirada do terraço.

Ele saltou e, assim que aterrissou em outro pilar de terra no meio do caminho, ele já pulou para o terraço em sua frente. Ethan conseguiu chegar do outro lado com bem mais facilidade. O garoto então é visto com roupas mais gastas, um pouco mais alto e um corpo melhor, até mesmo com ataduras pelos braços e joelhos.

Dessa vez o caminho do terraço era com mais obstáculos. Ele correu, saltou por cima de um destroço relativamente pequeno de concreto sem dificuldade, depois usou outro logo à frente de base para pular um buraco que havia ali no meio.

Então se viu de frente com alguns pilares de concreto posicionados diagonalmente um ao outro, onde algumas barras de aço estavam expostas das estruturas e mais acima algo que lembrava o restante de um andar daquele prédio. O garoto utilizou do pilar mais próximo para pegar impulso e então saltar de barra em barra até chegar no andar superior.

Ele agarrou a beirada do local e quase se desequilibrou, ficando suspenso por uma mão apenas. Ele olhou para baixo, alguns fragmentos de pedra caindo em direção ao chão, era uma queda relativamente alta. Ethan então recuperou o fôlego e agarrou com a outra mão também, precisando de um certo esforço para subir definitivamente na estrutura. Assim que ele subiu, nos buracos que deveriam ser as janelas, haviam dois bonecos de pano posicionados ali.

Ethan sacou uma faca e perfurou o boneco logo em sua frente no local que seria o peito, em seguida ele sacou a pistola de seu coldre nas costas e disparou na cabeça do da esquerda. O garoto então retirou a faca e chutou o boneco, fazendo-o cair prédio abaixo.

Ethan, assim que se posicionou na beirada, é visto com uma calça cargo preta surrada, um tênis gasto, uma camiseta regata verde com capuz, e seu cabelo que antes era de certa forma comprido, estava raspado nas laterais apenas. Além disso, seu porte físico estava mais atlético e sua altura um pouco maior que antes.

O garoto observava em frente e via no fundo o prédio com uma janela quebrada, onde nele estava posicionada Mary, vendo o progresso de Ethan. E mesmo que não demonstrasse ou talvez não quisesse admitir, estava orgulhosa de como ele evoluiu em apenas 2 anos. Porém é claro, o menino ainda tinha que chegar no prédio, então sem perder tempo, ele retomou fôlego e partiu para tentar alcançá-lo.



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