Volume 2

Capítulo 82: Espíritos

O sol estava prestes a se pôr completamente, e a brisa do entardecer, somada à densa vegetação das altas árvores na floresta, criava uma leve penumbra. Em meio a essa semi-escuridão, Alaric corria sem desviar o olhar à frente. Um olhar estreito que indicava a seriedade da situação; ele não podia se dar ao luxo de perder um segundo sequer.

Cada passo rápido era mais determinado que o anterior, ecoando por toda a mata e mesclando-se aos sons naturais do ambiente: o canto dos pássaros nas últimas horas do dia, o som suave do vento entre as folhas das árvores, os pequenos animais que corriam apressados entre os arbustos, muitos assustados pela passagem veloz de Alaric.

Ele avançava por um caminho sinuoso e rústico, um entre os vários que irradiavam da vila, situada em meio a uma clareira verdejante. Esses caminhos se estendiam em direção a casas e fazendas distantes, incluindo a morada de Alaric.

No entanto, a maioria dessas trilhas permanecia desconhecida para o jovem, cuja experiência se limitava aos confins da vila e aos arredores de sua própria casa. Mas algo o estava guiando, isso o seguia soprando as dicas ao pé de seus ouvidos. De maneira, que ele poderia até correr de olhos fechados que não iria se perder.

Entretanto, os efeitos do esforço excessivo começavam a se fazer presentes em seu corpo destreinado. A ofegância já o dominava, e os pingos salgados de suor escorriam por suas têmporas, amplificados pela umidade da densa floresta que cercava a área. Por sorte, a necessidade de continuar correndo havia chegado ao fim.

Ao recuperar o fôlego, suas íris se fixaram no que buscava: um dos armazéns pertencentes a Ping Xiong, o maior traficante e criminoso daquela região. Em uma vila abandonada por qualquer autoridade oficial, aquele lugar servia perfeitamente como um depósito para suas "mercadorias", oferecendo um refúgio onde ninguém se atreveria a interferir.

— Ei! O que está fazendo aqui!? Por acaso sabe a quem essa propriedade pertence!? — bradou um dos homens, com uma expressão indignada.

— É! Dê o fora! — ecoou o outro, com um tom desafiador.

Eram dois homens jovens, suas vestimentas lembravam armaduras de panos e couro leves, indicando as posições de guardas do local. Os olhos claros de Alaric desceram até a altura das cinturas deles, onde haviam bainhas de espada, sugerindo que estavam prontos para agir se necessário.

— Não quero arrumar problemas, só estou em busca de uma pessoa — disse Alaric em tom compassivo, tentando não transmitir ameaça em sua voz.

Contudo, não parecia que iria funcionar, pois aqueles dois começaram a se aproximar. Com expressões sarcásticas, começaram a rodeá-lo, o analisando minuciosamente. Alaric não desviava o olhar da frente, nem demonstrava qualquer nervosismo com aquela movimentação, mantendo-se firme em sua postura desafiadora.

— Eeee... Procurando alguém? — Ele não viu uma bainha na cintura do jovem, o que lhe deu confiança. — Ouviu isso? Esse idiota está procurando alguém e parece que acabou se perdendo também, haha!

— Pelo visto, você é um forasteiro... — Ele se posicionou de frente para Alaric, encarando-o com seriedade. — Como veio parar aqui? Não acredito que tenha sido por acidente….

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Após chamar Alaric para um canto, a senhora Lia Ying inclinou-se para ele, com o rosto marcado pela preocupação enquanto se preparava para explicar o porquê daquele estranho comportamento. Com um tom desesperançoso, proferiu:

— A Xu Ying... minha neta... — Alaric já tinha escutado esse nome, e isso o fez estreitar o olhar. — Ela foi levada... pelos homens do Xiong…

— Onde? — Ela não compreendeu o que ele quis dizer com isso, então o jovem se corrigiu: — Para onde a levaram?

— Não sei... — Sua cabeça caiu, fixando-se apenas no chão, mas então ergueu-a com determinação: — Mas há um jeito de descobrir! Me acompanhe!

Ela assumiu a liderança, e o jovem a seguiu. Juntos cruzaram quase toda a vila até chegarem à casa dela. Uma residência de aparência modesta do lado de fora, mas com um ar acolhedor. Ela abriu a porta e o convidou a entrar.

Logo na entrada, um pequeno altar capturou sua atenção, com algumas velas e um quadro pintado no centro. A pintura retratava uma bela mulher, com cabelos que caíam em cascata, em um tom de castanho encantador. Seus olhos eram tão profundos quanto os da própria Xu Ying, a garota que Alaric conhecera na taverna na noite anterior, apresentada por Chen.

— É minha filha... era... — Esse "era" foi dito em um tom tão melancólico, transmitindo ao rapaz todas as respostas necessárias. — Vamos! Não podemos perder tempo!

Alaric assentiu com a cabeça e começou a segui-la pelo interior daquela casa. Era uma residência simples, construída de madeira, mas algo nela emanava um aconchego reconfortante, uma atmosfera de lar, de casa de vó. Crochês decoravam todos os cantos, enquanto quadros adornavam as paredes, contando histórias silenciosas. No entanto, Alaric não teve tempo para examinar cada detalhe. Os passos apressados da mulher o levaram a seguir até o segundo andar, onde ela se dirigia.

O destino deles era a última porta do corredor no segundo andar. O jovem percebeu que a casa estava silenciosa, exceto pelo som de seus próprios passos. Isso o levou a concluir que ela morava sozinha, apenas com sua neta.

— Vem! — Ela o chamou, já abrindo a porta, e eles entraram. — Sente-se ali.

No interior do cômodo médio, uma grande janela se destacava atrás de uma cortina vermelha, mantendo o ambiente escuro. Cômodas estavam dispostas nas laterais, enquanto uma pequena mesa com uma bola de cristal no centro ocupava o espaço central, rodeada por quatro almofadas. Ela indicou para que ele se sentasse em uma delas.

Sem proferir palavra alguma, o rapaz dirigiu-se a uma das almofadas e acomodou-se. A senhora Ying assumiu sua posição na almofada do outro lado da mesa.

— Meu jovem, não se assuste... — Alaric não entendeu de imediato, mas logo captou a mensagem. Ela estendeu as mãos em direção à bola de cristal, que começou a adquirir uma coloração roxa, como se névoas dançassem em seu interior. — Sou uma médium e irei pedir ajuda aos espíritos que vagam pela floresta.

— Está tudo bem, faça o que precisa — respondeu Alaric brevemente, parecendo indiferente.

Porém, por dentro, a curiosidade o consumia, mas não havia tempo para perguntas. A senhora Ying fechou os olhos, concentrando-se. O ambiente mudou; o jovem podia sentir a presença de algo os observando.

— Ó, espíritos bondosos que vagam sem propósito. Concedam-nos sua ajuda e deem propósito à sua existência.

Alaric pôde sentir algo, que quer que fosse, se aproximando lentamente, parecendo hesitante. Seu coração começou a bater mais rápido sem motivo aparente, e os pelos de seus braços se arrepiaram, como se tivesse visto a coisa mais medonha do mundo.

— É uma reação comum, não se preocupe. Este espírito que nos observa é bondoso, ele apenas está com medo de você... por algum motivo — Ela falava de olhos fechados, mas parecia enxergar tudo naquela sala. — Ah, entendo... ele tem medo do que está dentro de você...

"Um deus? Faz sentido..." Seria compreensível o espírito temer a aura de um deus, algo santificado. Se fosse assim, não teria o que fazer.

— Não é a aura divina que te cerca... ela na verdade está enfraquecida, como se fosse a aura de um deus morto... — Ela parecia escutar o que o espírito falava, enquanto esfregava a bola de cristal, agitando cada vez mais aquela névoa. — É outra coisa... algo que não carrega a bandeira de um deus... mas o cheiro da morte, de um deus da morte…

— Um deus da morte? — Alaric arqueou uma sobrancelha, perplexo diante dessa nova informação. — E por que um espírito teria medo da morte?

— Não é o medo da morte em si, jovem Alaric… é o medo de ser levado por ela… Hades, Hela, Anúbis, Emma-o, Yanlou ou Osíris… todos são deuses que conduzem as almas aos submundos… Já deve imaginar o motivo do temor…

— Mas o espírito presente aqui não é bondoso? — Alaric perguntou.

— Se um espírito vagueia sem propósito na terra, há razões por trás disso. Talvez sua essência não seja maligna, mas há algo sombrio em sua história. Algo que o impede de ser acolhido tanto no submundo quanto no paraíso. 

Alaric estava perplexo com a revelação, uma informação que lançava luz sobre mistérios antigos. Contudo, uma frase ressoava em sua mente: "Como se fosse a aura de um deus morto." Será que Apolo, o próprio deus do sol, estava em perigo? O pensamento ecoava em sua mente enquanto ele refletia sobre o tempo desde a última vez que teve contato com a deus, o que tornava essa possibilidade cada vez mais plausível.

— Aproxime-se, nenhum deus da morte está presente aqui — A voz da senhora interrompeu seus devaneios, ecoando como um sussurro enigmático para algo atrás do jovem. Alaric não ousou olhar para trás, mas sentiu uma sensação inquietante percorrer por toda a espinha. — Isso, chegue mais perto.

Um calafrio percorreu o corpo de Alaric quando sentiu um peso sobrenatural em seu ombro, como se uma presença invisível estivesse se apoiando nele.

— Ele…

— Ele se tornou um encosto... quase um espírito obsessor; ficará em seu ombro — Ela começou a mexer novamente naquela bola de cristal, e o ambiente inteiro estremeceu. — Se o deixar aí, ele irá se alimentar de suas emoções, vitalidade. Óbvio, ele é bem mais fraco que um espírito obsessor; então, demorará muito para lhe causar qualquer problema. Mesmo assim, lançarei uma proteção astral em sua alma, para impedir que ele roube suas forças e emoções em excesso.

Alaric já podia sentir os efeitos, a disposição de antes parecia menor e uma dor no ombro direito o incomodava, aquilo era perigoso.

— Agora vá, ele tentará se comunicar com você de alguma maneira, te guiando. Ao fim, quando o propósito dele tiver acabado, ele irá embora.

O rapaz não questionou; apenas se levantou e se pôs a sair, já havia perdido muito tempo parado. De imediato, escutou um leve sussurro em seu ouvido direito, o lado onde o espírito estava. Assim, começou a seguir suas indicações.

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Retornando ao momento em que os dois rapazes o investigavam, Alaric percebeu que não adiantaria tentar dialogar com criminosos. Enquanto ponderava sobre sua próxima ação, um sussurro arrepiante ecoou em seu ouvido: "Ela está lá dentro." Era uma voz débil, perturbadora, vinda de alguém que não pertencia mais a este mundo. Embora desconfortável, Alaric sabia que precisava da ajuda daquele espírito.

Com os dois rapazes observando-o, um por trás e o outro encarando-o de frente, Alaric agiu rapidamente. Sem aviso, desferiu um golpe certeiro no nariz do rapaz à sua frente, desequilibrando-o instantaneamente. 

Antes que o outro pudesse reagir, Alaric se abaixou, aplicando-lhe uma rasteira, fazendo-o cair de costas ao chão. Sem dar-lhes tempo para se recuperar, Alaric continuou sua ofensiva, desferindo chutes precisos em suas cabeças até que ambos perdessem a consciência.

— Agradeçam por eu não estar sedento por sangue e estar com pressa... — declarou, enquanto se afastava, deixando os dois corpos inertes para trás.

Ao alcançar as imponentes portas do armazém, ele estendeu a mão em direção à maçaneta. Antes de pressioná-la para baixo, examinou cautelosamente os arredores com os olhos, assegurando-se de que não havia testemunhas por perto.

Com um movimento suave, abaixou o trinco e empurrou a porta. Adentrando o ambiente, seus olhos rapidamente detectaram a presença de mais dois guardas. Antes que pudessem articular qualquer reação, o punho do jovem se precipitou em suas direções, transformando-se na última imagem que registraram antes do baque no chão amadeirado.

"Eles são bem fracos..." Todos aqueles homens desmaiaram após meros, porém poderosos socos. Avançando mais profundamente no local, Alaric observou uma profusão de caixas, gaiolas e jaulas. Antes de investigar o conteúdo de cada uma, ele teve que lidar com os numerosos guardas presentes. A tarefa foi fácil, e em breve ele era o único consciente no recinto.

— Vamos ver... — Aproximando-se de uma caixa, ele invocou sua lança. Usando-a como alavanca, abriu o recipiente. — Drogas...

Dentre os mais variados tipos, não era surpresa para ele. Expressando certo nojo, ele se virou e dirigiu-se a uma jaula onde encontrou um tigre, todo machucado.

— Você lutou bastante, não é mesmo... — Agachou-se, expressando melancolia enquanto tocava as grades. O que fez o tigre tentar atacá-lo. — E ainda deseja lutar...

De repente, uma sensação familiar percorreu seu corpo, uma sensação que ele recordava ter sentido antes. Levantando-se rapidamente, ele buscou pela fonte desse sentimento. Após algum tempo de procura, finalmente encontrou, era uma pequena gaiola.

— Espera, já vi isso antes... — Ele recordou um evento ocorrido há muito tempo, quando dois homens estranhos carregavam uma gaiola semelhante. Naquela época, não pôde examinar seu conteúdo, pois um dos homens era um necromante aparentemente, e ressuscitou um gigante, forçando Alaric a enfrentá-lo. — Aquela luta foi complicada…

Enquanto se aproximava, discerniu um tênue brilho irradiando daquela gaiola. No ambiente mergulhado na escuridão, essa fonte de luz destacava-se vividamente. À medida que se aproximava para investigar, um ruído abrupto ecoou quando a porta superior foi aberta.

— Quem está aí! Mostre-se, covarde! — Alaric se ocultou entre as caixas, observando o homem de meia idade, com cabelos ralos, barba por fazer e uma figura um tanto robusta, vestido com elegância. Suspeitou que aquele fosse o líder do lugar.

"Espere..." Os olhos de Alaric se arregalaram, repletos da mais pura raiva, ao perceber quem estava nas garras daquele indivíduo. Com os braços amarrados às costas, estava uma garota, cujos cabelos castanhos e olhos profundos ele reconheceria em qualquer lugar, mesmo úmidos.

— Sei que você está aí! Se não sair... — O homem puxou uma enorme faca de suas vestes, pressionando-a contra o pescoço de Xu Ying, ameaçando tirar-lhe a vida. — Aposto que está aqui por ela! Então, se não quiser ver o sangue dela manchar o chão desse lugar, se revele!

Sem opções, Alaric deixou sua lança encostada em uma das caixas, fora do campo de visão, e saiu das sombras. Já erguendo as mãos em sinal de rendição, mas o olhar ainda estava repleto de fúria.

— Então você é o desgraçado que espancou meus homens... — Algumas veias saltaram em seu rosto, enquanto pressionava a lâmina afiada contra o delicado pescoço de Xu Ying. — Me dê apenas um motivo para não encerrar a vida dela neste exato momento!

— Porque logo em seguida eu encerraria a sua — respondeu, sem medo ou hesitação, a voz soou tão firme que era impossível duvidar de suas palavras.

No entanto, sua resposta não pareceu agradar ao mafioso, que rangeu os dentes em irritação. Apesar da audácia demonstrada, o ranger de dentes logo se transformou em um sorriso presunçoso.

— Você é bastante corajoso, moleque... mas se não percebeu a situação, ela está a um passo da morte, e você está muito distante para intervir.

Ele não exagerava; a lâmina roçava perigosamente contra a pele da garota, e mesmo que Alaric tentasse superar seus próprios limites de velocidade, ele nunca chegaria a tempo de salvá-la da degolação iminente. Diante dessa cruel realidade, o rapaz desviou o olhar em irritação, sua postura valente estava cedendo à impotência, uma falta de força que o incomodava como nunca.

— Enquanto ela estiver nas minhas mãos, você estará completamente à mercê de minhas vontades... — murmurou Xiong, a voz carregada de confiança e malícia.

Entretanto, Alaric parecia distraído, os olhos desviaram-se das palavras pronunciadas para pousarem sobre uma gaiola reluzente. Dentro dela, uma figura peculiar capturou sua atenção.

Era uma criatura diminuta, pequena o suficiente para caber na palma da mão. A pele resplandecia, os cabelos azulados lembravam as águas mais profundas, e os olhos verdes irradiavam uma expressão suplicante. Vestia um diminuto vestido verde, enquanto quatro asas semelhantes às de uma mariposa tremulavam em suas costas. Mesmo com Alaric não compreendo qualquer palavra, ele entendeu que ela estava implorando.

— Quer que eu a liberte? — sussurrou, quase para si mesmo.

O pequeno ser assentiu com a cabeça, com os olhos transbordando de gratidão. Alaric, sentindo que já não tinha nada a perder naquele momento, virou-se bruscamente para o mafioso, estendendo os braços num gesto teatral de indignação. O movimento inadvertido fez com que a gaiola fosse “acidentalmente” derrubada no chão, mas Xiong pareceu não perceber.

— O que pretende fazer com ela!? — questionou Alaric, sua farsa de indignação ainda se fazia presente em suas palavras. — Por que ela!?

— O que quero fazer? Já deve imaginar... o porquê? Bom, digamos que os pais dela me deviam... Estou apenas recuperando meu pagamento à minha maneira...

Alaric bufou de ódio, mordendo os lábios com vigor, enquanto a falsa indignação começava a se transformar em uma verdadeira revolta. Aquelas palavras repulsivas ecoavam em sua mente, envenenando seus pensamentos e acelerando seu coração de maneira descontrolada.

— A morte é pouco para você... — Quanto mais intensos se tornavam seus sentimentos, mais ele sentia o peso em seu ombro direito, o espírito estava se alimentando.

— Não é a primeira vez que ouço isso. E não é a primeira vez que não me importo — Ele abriu aquela boca nojenta e beijou a bochecha de Xu Ying, fazendo-a estremecer por completo. — Tão doce...

O jovem estava prestes a cometer uma loucura, sem pensar direito e, isso poderia custar-lhes a vida. Mas a repulsa que o consumia era mais forte do que qualquer raciocínio lógico. Tudo o que ele conseguia fazer para se conter era canalizar sua raiva nas palmas das mãos, apertando-as até perfurar sua própria pele.

— Ala... ric… — A voz dela saía arrastada, embolada, como se as palavras tivessem dificuldade em escapar de seus lábios. — Me... aju... de...

— Você a dopou!?

— E se dopasse, o que teria isso de importante? — Xiong retrucou, com o sorriso assumindo uma feição ainda mais repugnante, asquerosa, que fez Alaric querer vomitar.  — Faço o que bem entender com minhas propriedades…

O jovem estava à beira do descontrole, as unhas cravadas na carne, os lábios em frangalhos pelo incessante ato de mordê-los. Contudo, nada parecia suficiente para conter a fúria que fervilhava dentro dele, uma chama voraz consumindo-o por completo.

Entretanto, um vislumbre de esperança iluminou aquela alma atormentada, quando seus olhos claros capturaram um brilho tênue se aproximando sorrateiramente de Xiong. O pequeno ser, com os olhos cerrados e a boca entreaberta, revelou os pequenos, porém afiados dentes, e num gesto repentino, cravou-os na parte calva da cabeça de Xiong. O susto e a dor fizeram com que ele soltasse Xu Ying e se virasse abruptamente.

Essa distração foi o tempo necessário para Alaric, que havia recuperado a lança escondida, saltar em direção a Xiong, os olhos faiscando com determinação e sede de sangue.

O mafioso virou-se outra vez, deparando-se com o jovem quase pairando sobre ele, o que o fez arregalar os olhos, e estremecer por inteiro.

— Como um humano pode saltar tão alto? — Essa dúvida foi apenas uma das muitas que surgiram como sombras fugazes em sua mente tumultuada. Em um gesto de desespero, olhou para os dedos adornados com inúmeros anéis e, sem hesitar, bateu um contra o outro.

— Nos encontraremos novamente, moleque. Esta vila, ainda será o palco do início de minha ascensão, o sangue deles serão dedicados ao meus…

Alaric caiu pesadamente no chão, esperando encontrar o corpo de Xiong para acertar, mas para sua surpresa, ele não estava mais lá. Em vez disso, só sentiu o corpo ainda atordoado de Xu Ying desabando atrás dele. Agindo por instinto, girou rapidamente e a segurou com delicadeza, envolvendo-a com seus braços fortes enquanto a erguia como se fosse uma princesa em apuros.

— Você está segura agora. Vou levá-la para casa.



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