Volume 2

Capítulo 77: Um Bêbado

Era uma noite agitada na tranquila vila, aninhada entre as árvores da floresta. A escuridão era suavemente iluminada pela luz da lua, enquanto os grilos entoavam suas melodias e os insetos dançavam ao som da noite. Em meio a essa sinfonia natural, ecoava pelo ar um som humano, vindo de um estabelecimento de telhado curvo.

De dentro desse recinto, as pessoas saíam cambaleando, abraçando-se e exibindo sorrisos radiantes em seus rostos. Os bardos, com sua alegria contagiante, entoavam suas canções e dedilhavam seus instrumentos com entusiasmo, enchendo o ambiente com música e vivacidade.

Enquanto os clientes nas mesas de madeira erguiam suas canecas em brindes animados, outros as esvaziavam num só gole. Lanternas vermelhas pendiam do teto, lançando uma luminosidade quente sobre o lugar. Quadros de dragões adornavam as paredes.

Cada mesa era cuidadosamente arranjada, com coberturas bordadas e um vaso de cerâmica contendo uma flor branca no centro. Era um local acolhedor, um refúgio de confraternização onde as pessoas podiam temporariamente esquecer seus problemas e simplesmente desfrutar da companhia umas das outras.

No balcão, onde o proprietário e sua equipe atendiam aos pedidos, um jovem parecia solicitar mais uma dose.

— Você já excedeu um pouco hoje, não acha? — comentou um homem que servia os clientes.

Era um homem de idade avançada, porém com uma aparência jovial, resultado de seus cuidados pessoais. Aparentava estar longe de completar os quarenta anos. Com um bigode curvado sobre o rosto e cabelos negros penteados de forma impecável, ele exibia uma aura de respeito. Sua vestimenta única, composta por uma camisa branca coberta por um paletó preto, só enfatizava sua elegância. Ele era verdadeiramente um barista.

Ahh… cala a boca e me dá logo a bebida. Toda vez é a mesma coisa… — respondeu o rapaz, exibindo um semblante descontente diante do comentário do homem, embora mal conseguisse erguer a cabeça. — Nem bebi tanto assim...

— Dez canecas ao todo. — O homem pegou uma das canecas para lavar, entre várias outras, enquanto a noite seguia agitada. — Pra mim, isso é bastante.

— Às vezes você parece meu pai, Chen... que saco! — Com a cabeça apoiada no balcão, sem demonstrar sinais de conseguir erguê-la, o rapaz desabafava sua insatisfação contra o mármore negro, desferindo socos fracos de um bêbado. — E olha que nem pai eu tive pra saber…

Chen observava o rapaz com preocupação enquanto pegava o paninho de seu ombro para secar a caneca. Sentia-se responsável por ele, mesmo que o jovem fosse mais velho e supostamente soubesse o que estava fazendo. Enquanto pensava em como convencê-lo a ir embora e descansar, outro rapaz se aproximou, vestindo um uniforme vermelho.

— Sr. Chen, quer que eu o leve para casa? — O rapaz estava acostumado a fazer isso, não era a primeira vez que o outro ultrapassava seus limites. — Pelo menos antes que ele vomite no balcão...

— Eu não vou vomitar! — protestou o jovem, erguendo o punho em desafio à acusação, sem desgrudar o rosto do balcão. — Já disse, estou bem!

Enquanto o funcionário suspirava, coçando a testa, sua atenção foi desviada por três indivíduos, vestidos em túnicas que se aproximaram por trás do bêbado. As expressões dos recém-chegados indicavam problemas.

— Bem-vindos, desejam algo? — Chen tomou a frente para atender, pegando outra caneca para secar. — Temos desde bebidas não alcoólicas até aquelas que podem deixá-los inconscientes por três dias, haha!

— Queremos a mais cara que você tiver... — O mais baixinho tocou o ombro do bêbado. — Ele vai pagar, não vai?

Chen já antevia o problema que isso causaria, mas antes que pudesse tomar qualquer ação, o bêbado desencostou um pouco o rosto do balcão e observou os indivíduos de soslaio.

— Tira a mão de mim — pediu em tom seco, como se tivesse momentaneamente recobrado a sobriedade.

O rapaz, ao ouvir o pedido em um tom inesperadamente firme, recuou a mão do ombro do bêbado, surpreendido. No entanto, logo sua expressão se tornou desafiadora.

— Você acha que um tom ameaçador vai me assustar? — Sem hesitar, voltou a tocar o ombro do bêbado. — Seu idiota! Eu vou...

Antes que pudesse terminar suas ameaças, sentiu o braço ser torcido com um leve toque do bêbado, que nem mesmo tirou o rosto do balcão.

Aaah! — Ao conseguir soltar o braço das mãos do bêbado, recuou, massageando-o enquanto latejava de dor. — Você sabe quem eu sou!?

— Não sei, e não me interessa — Segurando a alça da caneca, ergueu a cabeça e tentou sentir o sabor da bebida, mas percebeu que estava vazia. — Chen, me dê mais…

Entretanto, Chen estava em choque, assim como o baixinho que ainda segurava o braço torcido, diante de uma resposta tão desafiadora. O bêbado, impaciente, esperava que enchessem a caneca que segurava nas mãos, e notou que o homem atrás de si não havia saído, continuava enraizado no mesmo lugar.

Ahh, você não vai embora?

— Seu idiota... — O olhar do baixinho percorreu entre os dois comparsas ao lado, e um sorriso confiante surgiu em seu rosto. — Rapazes, vamos dar uma lição nesse sujeito...

— Sem fazer estragos aqui! — exclamou Chen.

Os homens entenderam erroneamente que a reprimenda era dirigida a eles, então agarraram o bêbado, que não ofereceu resistência, e começaram a levá-lo para fora. No entanto, a quem a barista se referia era outra pessoa...

— Sr. Chen... aqueles homens vão ficar bem? — perguntou o funcionário, observando-os sair pela porta.

— Vai depender do humor dele...

— Então isso é um não…

Já do lado de fora, os homens jogaram o bêbado sem cerimônia, fazendo-o cambalear pela rua de terra até ele conseguir se firmar.

— Vamos ver quem vai bancar o durão agora. — O baixinho, com um sorriso confiante estampado no rosto, parecia seguro de sua vitória. — Você está acabado, só não percebeu ainda...

O bêbado os observou, parecendo analisá-los. Eram três indivíduos: dois corpulentos e um baixinho, que parecia o líder, típico delinquente. Os corpulentos pareciam ser seus capangas. Como não portavam armas cortantes, ficou claro para o bêbado que eles planejavam espancá-lo. Analisando suas posturas, a resposta de quem sairia vencedor ficou evidente.

— Vamos esquecer isso... — No entanto, suas expressões deixavam claro que não estavam dispostos a esquecer. Ou seja, no final, o bêbado teria que lutar. — Ahhh, que seja... não diga que não avisei depois...

Assumindo uma postura de combate, ergueu as mãos para o céu, convocando uma energia intensa que começou a se concentrar no firmamento, quase ofuscando a imponente lua com seu brilho. O ar ao redor começou a vibrar, uma brisa leve surgiu, agitando os cabelos vermelhos como chamas enquanto seus olhos claros se tornavam cada vez mais penetrantes e determinados. Então, a partir do resplendor radiante, uma lança se materializou, tomando forma nas mãos do jovem.

"Há quanto tempo você não luta, Alaric? Alguns dias? Alguns meses? Anos? Ahhh, que saco!" refletia o jovem consigo mesmo enquanto girava a lança no alto de sua cabeça e depois a abaixava ao lado do corpo.

Os homens ficaram levemente assustados ao ver a arma, mas a tolice predominava em seus cérebros. Assim, decidiram enfrentá-lo, de qualquer maneira.

— Peguem ele, rapazes!

Os dois robustos avançaram em direção a Alaric, suas mãos nuas cerradas em punhos. O jovem permanecia imperturbável, com um olhar de desdém estampado em seu rosto. O primeiro se aproximou rapidamente, lançando um soco que cortou o ar em direção ao rosto do rapaz.

Contudo, Alaric simplesmente inclinou o corpo, permitindo que o punho passasse sem causar dano, desequilibrando seu oponente. Em um movimento fluido, o jovem retaliou, golpeando as costas do homem com o cabo da lança, fazendo-o tombar ao chão em agonia.

O segundo agressor avançou, enquanto Alaric aguardava com calma. Quando o soco veio, o jovem se abaixou habilmente, deixando o ataque passar por cima de sua cabeça, e num instante, utilizando a lança, aplicou uma rasteira. O homem sentiu suas pernas cederem sob seu peso, perdendo o contato com o solo.

O único som que ecoou foi o impacto seco do corpo colidindo com a terra.

"Qual é a desse cara?", pensava o baixinho ao ver as duas montanhas que eram seus capangas caírem com golpes simples, mas executados de forma sublime. "Mas ele não matou... haha!"

Ao ver que Alaric não matou os capangas, o baixinho sentiu o coração encher-se de confiança e perder o medo da morte. 

Ele deslizou a mão até as costas, onde encontrou um pequeno canivete guardado em um bolso oculto. Com movimentos precisos, retirou-o e girou-o habilmente entre os dedos antes de avançar em direção ao jovem Alaric.

Embora tenha notado o brilho do aço, o jovem não demonstrou medo, apenas observou o agressor se aproximando. Quando o baixinho estava a poucos passos, tentou desferir um golpe no peito de Alaric, mas sua falta de técnica tornou fácil para o rapaz interceptar o ataque com a lança. Sem hesitação, ele cortou os punhos do agressor em um único movimento preciso.

— O que… Aaaah! — O berro agônico ecoou, quando ele se deu conta de que suas mãos foram decepadas, sem piedade alguma. 

O baixinho recuou, cambaleando, antes de cair no chão, dominado pelo choque. Alaric abaixou-se diante dele, encarando-o intensa e friamente.

— Quem enviou vocês? — A pergunta pairava no ar, pois era evidente que o ataque não fora uma iniciativa pessoal. No entanto, tudo o que recebeu foram gemidos agonizantes como resposta. — Parece que é uma perda de tempo…

Quando Alaric estava prestes a encerrar a vida daquele indivíduo, Chen saiu pela porta, clamando:

— Sem morte à porta da minha taverna, Alaric! — Era intolerável ter cadáveres à vista de seu estabelecimento.

— Você tem sorte… — Alaric ergueu-se, recolhendo sua lança, voltando-se para adentrar o bar. — Espero não te ver mais por aqui…

O jovem atravessou a soleira da taverna, deixando para trás os três corpos. Nas sombras das casas na esquina, duas silhuetas observavam atentamente, antes de desaparecerem sem deixar rastros após o desfecho.

Com a calma de quem acabara de decepar dois braços, Alaric reassentou-se diante do balcão, surpreendendo os funcionários. Apenas Chen, que já estivava acostumado com o temperamento do rapaz, ficou tranquilo quanto a tudo isso.

— Isso prova que estou sóbrio? — indagou Alaric, apoiando um braço no balcão.

— Você não desiste, né? — Chen pegou uma caneca recém-limpa e começou a enchê-la. — Precisa parar de usar a bebida para afogar as mágoas, sabia?

Quando a caneca estava cheia, Chen levou-a até o balcão e empurrou-a na direção de Alaric, que a recebeu e bebericou, sem hesitar.

— Não uso a bebida para afogar as mágoas… — o rapaz colocou a caneca no balcão e observou seu reflexo no líquido ondulado. Um jovem na casa dos vinte anos, com a barba por fazer. — É apenas o momento em que consigo esquecer da minha vida.

— Isso parece muito com afogar as mágoas — comentou Chen, mexendo no seu exuberante bigode. — Não sei pelo o que você passou, mas vejo que te afetou.

Alaric o encarou um pouco antes de voltar a atenção para a cerveja, sem responder àquele comentário que, por ser certeiro, o incomodou. 

Entretanto, para não responder a Chen de forma rude, envolveu a alça com os dedos e levou a borda da caneca até os lábios, onde saboreou e afogou o aborrecimento no líquido que amargava seu paladar.

— Sr. Chen, acabei de preparar os últimos pedidos — Surpreendendo-o, uma jovem adentrou o espaço, sua beleza extraordinária quase fazendo Alaric engasgar. — Quer que e-

A sensação de calor subiu pelas bochechas de Alaric, sua atenção foi completamente capturada pelos encantos da moça. Era quase impossível não se perder naquele rosto angelical, na cascata de cabelos castanhos e no olhar tão profundo.

Entretanto, ele teve que interromper a contemplação quando percebeu a moça corando ao notar seu olhar cobiçoso. Para disfarçar, ou pelo menos tentar, deu outra golada na cerveja.

— Já te apresentei a nossa nova funcionária? Ying Xu? — Quase como se Chen soubesse dos pensamentos do jovem, começou a apresentá-la. — E ele é o Alaric.

Xu Ying pareceu constrangida com a maneira como foi apresentada, mas suas bochechas só esquentaram de verdade ao encarar o rosto do rapaz. Lutando contra a vergonha, estendeu a mão em direção a ele.

— Prazer, sou nova aqui…

— Prazer… — Alaric apertou a mão dela.

O aperto foi breve, e ela logo se soltou, voltando ao trabalho depois de resolver o que precisava com Chen. Enquanto ela se afastava, Alaric tomava mais alguns goles da bebida, observando-a partir.

— Parece que o rapaz inexpressivo, finalmente expressou alguma emoção... — caçoou Chen ao retornar ao balcão e apoiar os braços sobre ele.

— O que você está tramando? — indagou, sabendo que, para ele, ter apresentado aquela garota daquele jeito, tinha algo. — Desembucha, Chen.

— Nada... — respondeu de forma sugestiva.

O velho não iria falar, e Alaric já esperava isso; às vezes, ele era bastante misterioso no seu modo de agir. No entanto, outra questão começou a rondar a mente do jovem, algo que ele deveria ter perguntado antes.

— E quanto àqueles três? Você os conhece? Já os viu por aqui antes?

— Os que você bateu? — Chen viu um rapaz deixar uma caneca no balcão e a pegou, levando-a até a pia para lavar, enquanto refletia. — Não, nunca os vi por aqui…

— Eles me atacaram a mando de alguém… — declarou, erguendo a caneca aos lábios e dando mais um gole antes de continuar. — Tenho certeza disso.

— Durante os seus três anos aqui, você se envolveu em alguns problemas — observou, ao passo que terminava de lavar a caneca. — Acha que algum desses problemas está buscando vingança?

— É uma possibilidade. — O jovem começou a balançar o recipiente da cerveja, agitando-a. Parecia pensativo, observando a bebida ondular. — Mas sinto que seja algo mais...

Chen concluiu a limpeza da caneca e voltou-se para Alaric, usando o pano do ombro para secá-la enquanto lançava um olhar curioso para o jovem.

— E o que te leva a pensar assim?

— Talvez seja um pressentimento? Eu sei que pode parecer loucura... — disse o jovem que já enfrentara demônios, conversara com lobos e hospedara um deus em seu corpo. — Mas costumo confiar nos meus instintos.

— Seja qual for a situação, por favor, tome cuidado. — Um sorriso afável iluminou o rosto do homem enquanto ele expressava sua preocupação. — Tenho apreciado sua presença e não gostaria de encontrar seu corpo por aí...

Alaric baixou a cabeça, sinalizando sua disposição para aceitar esse afeto. No entanto, logo sentiu um aperto no peito. Era um sentimento comum, como se algo dentro dele o compelisse a se afastar, como se quisesse evitar qualquer ligação emocional profunda. 

Esse dilema sempre o assombrava; sempre que ele se aproximava de construir laços sólidos, algo o fazia recuar. Seria medo? Talvez. Após tudo o que passara, parecia mais um receio persistente, uma cautela enraizada por experiências anteriores.

— Morrer e deixar de apreciar esta bebida dos deuses? — Ele ergueu sua caneca com um amplo sorriso, mas que não parecia sincero. Um sorriso quase amarelo, igual a todos que ele dava a partir daquele fatídico dia. — Nunca!

“Ele mudou de assunto para a bebida... típico dele." Chen percebeu o sutil desvio de tema, evitando responder às palavras de afeto dele. No fundo, era algo com que Chen já estava familiarizado; Alaric sempre mantinha certa distância, apesar de frequentar aquele lugar há quase três anos consecutivos.

— Posso beber essa bebida dos deuses com você…? Alaric…



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