Volume 1
Capítulo 68: Simetria Infernal
Alaric e Gideon ocupavam suas posições no topo da muralha sudoeste, observando atentamente o vasto exército de Estudenfel que aguardava pacientemente. Eles sabiam que a invasão só seria desencadeada quando os suprimentos de Lidenfel se esgotassem.
Enquanto aguardavam, os magos de Estudenfel avançaram à frente do exército, unindo seus poderes para conjurar uma imensa bola de fogo. Se lançada, ela poderia devastar grande parte da cidade, a afundando em chamas.
No entanto, para alívio de Alaric, alguns homens que pareciam ser importantes trouxeram um artefato capaz, em teoria, de criar uma barreira mágica que envolveria toda a cidade, protegendo-a de qualquer magia destrutiva lançada pelo ar.
Ele esticou a mão na direção do artefato, que repousava sobre uma almofada, nas mãos de uma mulher. Seus dedos tocaram a textura metálica do objeto antes de agarrá-lo e erguê-lo até o céu, analisando-o atentamente.
— O que devo fazer? — indagou, girando o artefato de um lado para o outro no ar.
— Clique no botão — orientou o homem que trouxera o artefato.
No centro do objeto, havia uma protuberância semelhante a um botão. Gideon observava seu irmão com expectativa, consciente de que aquilo poderia salvar o reino e dar-lhes algum tempo para pensar.
Alaric então aproximou a mão do rosto e movimentou o dedão levemente até o botão. Num instante, ele clicou.
— Nada aconteceu… — comentou Gideon, seu cenho franzido ao perceber que nada havia mudado. — Alaric! Nada aconteceu!
De repente, o solo começou a tremer sob seus pés, como se fosse um pequeno terremoto. Ao longe, nuvens de poeira ergueram-se nos quatro cantos da cidade.
— O que está acontecendo!? — Alaric segurou o homem pelo colarinho, sacudindo-o com raiva. — O que você me fez fazer!?
— Na-nada, são as estruturas que ativam a barreira! — exclamou o homem, sentindo seu corpo inteiro se mover enquanto era sacudido.
Alaric o soltou abruptamente, e Gideon o agarrou para ajudá-lo a se firmar. Com a mão na cabeça, o homem virou-se para Gideon, agradecendo.
Alaric dirigiu-se à ameia interna para observar as estruturas que o homem mencionara. Logo viu, emergindo da poeira, quatro pontas triangulares elevando-se aos céus, seguidas por estruturas quadradas que pararam ao alcançar o topo.
— Uau… e agora? — questionou Gideon, admirado, diante daquela maravilha da engenharia e ciência.
— Agora, vocês ficam impressionados — comentou o homem, em um tom confiante e orgulhoso, já recomposto após ser arremessado. — Contemplem! Nosso escudo supremo! Urbs Scutum!
Alaric observava, seus olhos claros refletiam o brilho no topo de cada triângulo nas estruturas. Gideon estava de boca aberta, quase babando diante da cena.
De repente, o brilho atingiu uma intensidade deslumbrante, forçando todos a fecharem os olhos diante de sua resplandecência. Era um brilho tão poderoso que podia ser visto até do centro do continente, como um segundo sol brilhando nas terras congeladas do norte.
Com um pulso de energia que estremeceu até o mais ínfimo cidadão, estruturas translúcidas começaram a se formar, emergindo dos quatro pilares como o símbolo de proteção máxima. Elas se expandiam pelo céu, assumindo uma presença imponente e reconfortante.
— Estão lançando!! — berrou um dos soldados, que observava os magos conjurando a bola de fogo.
Um murmúrio de agitação começou a se espalhar, e o medo crescia como grama sob a chuva. Os soldados arregalavam os olhos, alguns se encolhiam entre as pernas, enquanto outros cobriam a boca, sem reação.
— Acalmem-se!! — ordenou Alaric. Ele deixou de observar as colunas e avançou em direção à ameia externa, subindo-a para ficar de frente para o exército de Estudenfel. — Vocês são soldados! Ou um bando de covardes!? Não acreditam na tecnologia que seu próprio povo criou!? Parem de choramingar e testemunhem! Vejam o que um povo unido é capaz de criar!
Alaric voltou-se para seus soldados, os raios do sol brilhavam em seus cabelos vermelhos, que ondulavam ao vento. Seu sorriso irradiava confiança, superando qualquer receio presente no local, e seu punho cerrado se elevou ao mais alto céu, como o de um herói liderando seus seguidores.
Gideon sorriu orgulhosamente para o homem que seu irmão estava se tornando. Os soldados, que antes tinham os olhos arregalados de temor, agora os estreitavam em determinação. Aqueles que antes estavam encolhidos entre as pernas erguiam-se com coragem, enquanto os anteriormente sem reação ganhavam convicção e esperança com as palavras daquele jovem líder.
As espadas foram sacadas, erguidas em uníssono em direção ao céu, acompanhadas por gritos de guerra, enquanto a bola de fogo se aproximava. Alaric permaneceu firme diante dela, sua silhueta escura destacou-se contra o brilho incandescente.
Mas isso não abalou seus soldados. Quando a bola de fogo estava prestes a despencar sobre a cidade, ameaçando causar um desastre sem precedentes, a barreira se completou. A bola de fogo bateu no domo e se espatifou, explodindo em chamas que não causaram o mínimo dano.
— O que eu disse!? Confiem em mim! — Ele virou-se para o exército inimigo e apontou com determinação. — E eu os conduzirei à vitória!
Os soldados sorriram, alguns aliviados, outros transbordando de uma alegria que rivalizava com o próprio exército inimigo. Naquele momento, sentiram que um verdadeiro líder havia surgido e estavam prontos para seguir aquele jovem general.
"Realmente, Sutran não inspirava seus homens nem um pouco..." pensou Alaric, observando como a mínima demonstração de liderança e determinação fez com que todos os soldados o respeitassem e se comprometessem a servi-lo. No final das contas, um líder que não lutava na linha de frente, era apenas um inútil que emitia ordens, e esperava que alguém as seguisse.
— Aldebaram estava certo mesmo, Alaric — começou Gideon, sorrindo. — Você está parecendo um líder...
Alaric o fitou, ainda com o sorriso confiante em seu rosto, e se afastou da ameia. Ele atravessou a multidão de soldados que o cercava e se aproximou de Gideon, pousando a mão em seu ombro.
— Talvez vocês tenham razão — Ele ergueu os olhos para o céu azul, pontilhado por nuvens brancas, antes de voltar o olhar para Gideon. — No entanto, só estou fazendo o que é necessário para alcançar nossos objetivos...
Alaric não via o que estava fazendo como algo especial; para ele, era apenas mais um passo em direção à realização das ambições que habitavam cada pessoa do grupo.
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No lado do exército de Estudenfel, as coisas estavam controladas. Erne observava de cima de seu cavalo, enquanto Dorni permanecia ao seu lado, a pé.
Eles acabavam de testemunhar a tentativa fracassada de atingir a cidade com a bola de fogo. Todos os homens se entreolharam, expressando decepção.
— Ânimo! — exclamou Erne, liderando todo o exército enquanto galopava de um lado para o outro em seu cavalo. — Já esperávamos que eles teriam algo assim. Mas isso não muda nossos planos. Vamos esperar até que seus mantimentos acabem! Então atacaremos com toda a nossa força!
Os soldados, que estavam desanimados, recuperaram seus sorrisos confiantes e voltaram a observar as muralhas.
— Esquadrão dos magos! — Erne dirigiu-se aos homens e mulheres com mantos. — Descansem! Não adiantará atacar com aquela barreira lá.
Todos obedeceram e baixaram as mãos, recuando até um acampamento improvisado na floresta.
— Mestre... aquele que vimos acima das muralhas... — comentou Dorni, com um tom de preocupação, pois reconhecia bem aquela silhueta.
— Sim, é o jovem que humilhou Mani... — Erne desviou o olhar pesaroso para as muralhas, enquanto segurava as rédeas do cavalo. — As coisas estão se tornando cada vez mais complicadas…
— E por que não trouxemos aquela deusa? — indagou Dorni, visivelmente confuso. Em uma invasão como essa, contar com o apoio dela seria reconfortante. — E nem mesmo aqueles magos gêmeos?
— Mani disse que precisava resolver algumas questões pendentes — respondeu Erne, seu olhar vagando até Dorni. — E os magos não são parte do exército; eles não precisavam vir e nem poderiam, na verdade.
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Na paisagem sombria e demoníaca, que compunha o território infernal, dentro de uma torre negra inclinada, estavam reunidos Noir, Amon e Bleu.
— Tudo pronto, Amon? — indagou Noir, com uma voz incisiva, seu olhar penetrante estava fixado em Amon. Este, ajoelhado diante dele e de Bleu.
Amon ergueu a cabeça, revelando seus olhos temerosos, e respondeu com apreensão:
— Sim, meu senhor...
Bleu avançou à frente de Amon, virando-se para encarar Noir com um rosto neutro, revelando poucas expressões.
— Então vamos logo. Essa torre inclinada... está longe de ser simétrica — Ele expressou seu perfeccionismo doentio, uma característica que jamais mudava.
Noir, já familiarizado com os maneirismos de Bleu, suspirou profundamente, revirando os olhos.
— Antes de partir... — Seu olhar se tornou denso, fixando-se de forma penetrante em Bleu, que tremia levemente sob seu olhar intimidador. — Como sabe, não é para você matá-los, apenas induzi-los a invocar a deusa.
— Eu sei... — Sua resposta foi quase um sussurro, repleto de medo, revelando sua obediência temerosa às ordens de Noir. — Farei conforme orientado…
Com tudo discutido, só restava aguardar que Dalian cumprisse sua parte e um portal se abrisse. Como a barreira ainda estava quase intacta, Noir não poderia atravessá-la, pois a energia necessária para isso poderia trazer o inferno abaixo. Por isso, um primordial de poder mais fraco foi escolhido para a tarefa. Estavam entre Bleu e Rose, mas optaram por Bleu, acreditando que seus poderes seriam mais eficazes.
— Se me permite, senhor — pediu Amon, dirigindo-se a Noir, que assentiu com a cabeça. — Obrigado. Minha sugestão é que usemos o mago Dalian, especialmente porque enfrentaremos um Escolhido, e o último Escolhido derrotou muitos de nossos mais poderosos…
— Foram Azazel, Belzebu e o Leviatã, né? — indagou Noir, tocando o queixo pensativamente.
— Sim, senhor. — A expressão de Amon se tornou séria. — Soube que estão escondidos ou selados em algum lugar no mundo terreno.
Ao ouvir isso, os olhos de Noir se estreitaram e um sorriso amplo se abriu em seu rosto, revelando principalmente os caninos. Ele dirigiu seu olhar para Bleu.
— Se precisar de ajuda, procure por Belzebu e Azazel — Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Eles são da minha linhagem, o que significa que são poderosos…
Azazel e Belzebu eram dois dos seres mais poderosos do inferno, considerados "filhos" de Noir. Seus poderes eram conhecidos por rivalizar com os de alguns deuses. No entanto, durante a invasão demoníaca à Terra, quando os demônios foram derrotados, esses três acabaram ficando para trás e causando estragos. Foi então que Dolbrian os derrotou, prendendo-os lá desde então. Algumas histórias sugerem que foram selados pelo Escolhido em algum lugar desconhecido, enquanto outras afirmam que se esconderam por medo após sua derrota.
— Como desejar... — Bleu abaixou seus olhos azuis, perdido em pensamentos, antes de erguê-lo novamente para Noir. — E de que linhagem é o Leviatã?
— A fera que tudo devora, general infernal. Apenas por essa descrição, você pode imaginar — respondeu Noir.
Ao ouvir isso, Bleu começou a ponderar, levando a mão até sua barbicha azul. O termo "devorar" ecoou em sua mente, trazendo-lhe uma súbita compreensão. Seus olhos se arregalaram de felicidade ao fazer a conexão, e ele estalou os dedos, apontando para o primordial.
— Jaune, não é? — Um sorriso de entusiasmo iluminou seu rosto, como o de alguém que acabara de fazer uma descoberta significativa.
No entanto, a reação de Noir foi de desgosto, expressa por uma sobrancelha arqueada e um leve balançar de cabeça. Afinal, Bleu precisara de um momento de reflexão para chegar a essa conclusão?
— Seja como for... — Noir voltou seu olhar para Amon, que estava ao seu lado. — Já deve estar na hora.
E assim um brilho intenso, começou a emanar no centro deles, com símbolos indecifráveis. Sua aparição foi acompanhada de uma ventania poderosa. Estava na hora de um primordial pisar na terra, após milênios.
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Em Windefel, ainda repleto de soldados de Estudenfel que levavam e traziam prisioneiros para conter possíveis revoltas, encontravam-se Mani, Dalian e Delilian próximos a Yggdrasill.
Dalian pediu à deusa que os acompanhassem, dizendo que era necessário que ela visse algo importante.
— Que não me façam perder tempo, humanos — Observando a grande árvore, seus olhos estavam desanimados.
— Você ficará impressionada — respondeu Dalian, com um sorriso presunçoso. — Mas antes, preciso que faça algo por nós.
A deusa ficou confusa e levemente irritada por ser arrastada até ali e agora ser exigida a fazer algo. Sentia que os humanos estavam se excedendo em sua ousadia. No entanto, sem nada a perder e já estando ali mesmo, decidiu ouvir.
— O que vocês querem? — perguntou, cautelosa.
Dalian então retirou uma faca que estava escondida sob sua túnica azul e a apontou na direção da deusa. Ela arregalou os olhos, surpresa, mas logo os estreitou em irritação.
— Relaxa, não queremos te ferir... nem conseguiríamos — explicou Dalian, girando a faca na mão e segurando-a pela lâmina, apontando o cabo para ela. — Por isso, você mesma irá se ferir…
— Vocês estão malucos, humanos!? — Sua voz ecoou pelo ambiente, carregada de raiva, enquanto seu olhar estreito se fixava em Dalian, denotando sua ira. — Estão a poucas palavras de verem a luz do sol pela última vez. Sugiro que as escolham bem.
— Acontece que... — Delilian, que até então observava em silêncio, interrompeu para explicar.
Ele descreveu em detalhes como haviam marcado a Yggdrasill com um intricado símbolo de invocação demoníaca a algum tempo antes e como, para ativá-lo e convocar o que precisavam, era indispensável o uso de sangue divino.
Reconhecia que talvez fosse imprudência compartilhar todos esses detalhes com uma deusa, mas não havia outro caminho viável; eles jamais conseguiriam extrair sangue dela. No entanto, Dalian, com sua inteligência aguçada, já havia compreendido o funcionamento daquela divindade, e sua arrogância parecia ser facilmente manipulável.
— Então, senhorita deusa... — A voz de Dalian soou confiante, enquanto ele recolhia as mãos atrás das costas. — Não gostaria de testemunhar aquele que a humilhou chorando sobre os cadáveres de seus entes mais queridos? Não seria uma visão magnífica?
Ela ponderou por alguns breves segundos, e como um sol surgindo em um dia nublado, um sorriso prepotente começou a se formar em sua face divina.
— Talvez esse seja um passo a mais em busca daquilo que procuro... Meus dias de glórias, quando essa porcaria de barreira era inexistente.
Estendendo a mão, ela solicitou a faca a Dalian. Este prontamente obedeceu, entregando-lhe a lâmina. Com um corte raso em sua palma, o sangue vermelho começou a escorrer.
A deusa aproximou-se da árvore sagrada e observou o símbolo profanador, revirando os olhos. Os humanos realmente haviam ultrajado a árvore divina. Mas naquele momento, isso não importava. Ela esticou a mão ferida, tocando o símbolo, e a Yggdrasill começou a reagir.
Um vendaval intenso teve início, balançando a árvore com veemência. Seu tronco ia de um lado ao outro, parecendo que iria ceder a qualquer segundo. As folhas no topo começaram a murchar e a despencar como na primavera, uma chuva foliar teve início. Os símbolos no tronco marrom, agora manchado de carmesim, começaram a aumentar de tamanho.
— Uma nova era irá se abrir! — declarou Dalian, com toda a felicidade que lhe restava. — Está vendo, Delilian!?
— Estou! — Ele lutava para se manter de pé, graças ao forte vento que chicoteava seu corpo, obrigando-o a tapar o rosto com as mãos.
Seus cabelos voavam, e assim o símbolo começou a brilhar, gradualmente aumentando sua intensidade. Até que uma silhueta começou a se formar.
— Um demônio primordial!? — Mani, já havia sentido aquela aura antes, e sabia muito bem que um ser com uma aura tão pesada de morte e terror, só podia ser um dos seres mais poderosos do inferno. — As coisas irão ficar divertidas, hahaha!
A silhueta ganhou vida com uma tonalidade vermelha que apenas uma demônio poderia ter, contrastando com as marcas e símbolos, em um azul tão profundo quanto o índigo.
Seus músculos esculpidos eram perfeitamente simétricos, destacados pelo quimono azul que vestia. Uma barbicha azul adornava sua face, complementando seus olhos desprovidos de alma, cujas íris intensamente azuis, pareciam abismos sem fim do mesmo tom e a pupila era apenas um risco perdido em seus olhos.
Seus cabelos lisos e médios, cuidadosamente alinhados em uma tonalidade azul, enquadravam dois chifres curvos para trás, perfeitamente simétricos.
— Finalmente voltei a pisar nesta terra — Sua voz ecoou em um tom grave e poderoso, reverberando pelos arredores. Seus olhos de formas abruptas fixaram-se em Mani, lançando uma sensação de imponência. Uma brisa súbita passou ao lado dela, e ao olhar, surpresa tomou conta de seu rosto. Ao seu lado, um corte profundo no chão estendia-se, atravessando algumas casas e atingindo uma montanha ao fundo. O corte era perfeitamente alinhado, reto e imaculado. — A partir de agora, os humanos conhecerão a verdadeira simetria.