Volume 1
Capitulo 31: Invasão a Windefel
Após uma noite agitada, todos respeitosamente obedeceram a Erne e foram descansar às 1 da manhã, sem questionar.
A noite deu lugar a uma manhã pacífica e radiante, no entanto, essa tranquilidade estava a pouco tempo de acabar. Pois, em algumas horas a marcha em direção a Windefel teria início.
Antes do momento marcado, Erne e Dorni realizavam o último passeio por Estudenfel, uma cidade imponente que carregava a herança dos antigos gigantes. Contudo, a decadência se fazia presente devido à negligência na manutenção.
Era como uma selva de pedra, já que todas as edificações eram construídas com materiais sólidos, predominantemente pedras.
— Mestre, porque as construções estão nestas condições? — questionava Dorni, observando os arredores.
— Bom… — Fez o sinal de dois com a mão, abaixando o primeiro dedo. — Falta de homens, pois a maioria está no exército. — Baixou o outro dedo. — Falta de dinheiro, pois nossa única fonte de renda era a exportação de metais preciosos, como o próprio Mithril.
Estudenfel ganhou fama como um país minerador devido às montanhas ricas em diversos minérios, como Mithril, Ferro, Ouro, Diamante, entre outros. Em tempos antigos, era uma das nações mais ricas do norte. Contudo, a política rigorosa de fechar fronteiras e evitar negociações com outros países nórdicos resultou na decadência de sua economia.
Como o último país nórdico ao norte, para alcançar terras além das nórdicas, seria necessário atravessar Windefel, Asdenfel ou Lidenfel. Contudo, ao cruzar qualquer um desses reinos, enfrentaria Ciantefel, apelidado de "muro nórdico", por estar à frente de todos os reinos do norte, dificultando o acesso a outras regiões.
— Ou seja, estamos presos aqui. — completou Erne, era o básico de história. No entanto, não culpava Dorni por sua falta de conhecimento, considerando sua origem nas ruas, onde a educação básica era escassa. Determinado a mudar isso, Erne reconhecia que Dorni era agora parte de sua família e merecia o melhor, incluindo acesso à educação. — Você vai estudar, quando voltarmos da guerra.
— O que??? — Dorni, já não enxergava os estudos como algo essencial, ainda mais para um guerreiro. — Eu serei um guerreiro, para que estudar? Vou usar livros para bater?
Um jovem rebelde, uma característica comum na juventude. Erne, recordava de seus próprios tempos de juventude, as mesmas palavras saíram de sua boca, mas seu mestre, sabiamente disse:
— Você pode ferir alguém com uma arma, entretanto, salvar sua própria vida com um livro. — repetiu Erne, relembrando um ensinamento de seu mestre. Na época, não compreendeu completamente o significado dessas palavras, mas um dia a compreensão chegou e nunca mais esqueceu. Passando a mão nos cabelos do jovem, concluiu: — Por isso, estude, jovem. E, um dia, assim como eu, você irá entender.
Era reconfortante sentir alguém acariciando seus cabelos; um sorriso abriu-se em seu rosto, acompanhado por um virar de olhos em direção a Erne.
— Uhum! — Assentiu com a cabeça, ainda que ponderasse sobre os estudos; decidido, confiaria nos julgamentos de seu mestre.
— Ainda assim, precisamos vencer a guerra. — Olhou para baixo, um olhar carregado de tristeza e indignação. — Pois cortaram até nosso acesso ao conhecimento… Com o barramento de livros…
Como desmantelar um país? Corte a educação, era um método demorado, porém eficaz, pois as inovações tecnológicas seriam mínimas, e, com o tempo, nações em desvantagem tenderiam a ser subjugadas por aquelas com progresso mais significativo.
De fato, além de proporcionar avanços em tecnologia e armamentos, uma nação bem educada também se destacava economicamente, graças às melhores qualificações técnicas de sua força de trabalho.
— Por isso, temem Lidenfel?
— Onde ouviu isso? — questionou Erne, pois raramente se falava de outros países em Estudenfel. No entanto, no final, não deixava de ser verdade. — Sim... Lidenfel é um dos países mais desenvolvidos do mundo em inovações tecnológicas e mágicas. — Fechando a mão, apertando firmemente, continuou: — Mas, a que custo…
— Qual o custo, senhor? — ao indagar, ouviu um choro contido atrás de si. Ao virar-se na direção do leve choro, deparou-se com uma criança de pele azul, sentada ao meio-fio. A criança, mesmo que timidamente, continuava a limpar seu rosto constantemente, encharcado pela chuva de lágrimas contínuas. — Uma criança, sozinha?
Erne e Dorni avançaram rapidamente na direção da pobre criança. Apesar da idade avançada do general, sua estatura imponente e músculos robustos podiam intimidar a criança. Para evitar isso, Erne desacelerou os passos, permitindo que Dorni, mais jovem e de estatura mais baixa, tomasse a dianteira. Isso ajudaria a acalmar a criança, evitando qualquer receio inicial.
Apesar do cuidado adicional, a criança não deixou de assustar-se ao ver o jovem aproximar-se. Abraçando as próprias pernas e escondendo a cabeça entre os joelhos e o peito, demonstrava todo seu pavor e receio.
— Ei, carinha, tudo bem? — Dorni tentou uma abordagem amigável, esperando por algum resultado. No entanto, a criança mal reagiu; a única resposta foi um leve tremor ao ouvir a voz do jovem Dorni. Coçando seus cabelos, dando um leve sorriso, disse: — Não vai ser fácil…
Erne terminou de aproximar-se e analisou a criança de cima a baixo. Observou escoriações e machucados, aparentemente recentes, talvez com uma semana no máximo.
— Olhe ali. — Erne apontou para o braço da criança, onde havia grandes escoriações e marcas. — Esse jovem já passou por muito.
Dorni ficou imóvel ao notar todas as marcas no garoto, sem saber como prosseguir. Erne, então, tomou a frente, agachando-se perto da criança. Com sua mão calejada, pousou no ombro do garoto. Ao sentir o toque, o jovem arrepiou-se inteiramente, apresentando um leve tremor.
— Não precisa ter medo, jovem — disse Erne. Diferente de Dorni, que tinha uma voz calma e tranquila, Erne possuía uma voz rouca e grave, o que aumentou o temor do garoto. — Vejo que não quer falar… — Olhou ao redor, buscando algum familiar ou alguém que parecesse conhecer a criança, sem sucesso. Em seguida, voltou seu olhar para o garoto. — Cadê sua mamãe ou seu papai?
Novamente, a criança permanecia em um silêncio absoluto, mas, contrariando as expectativas, o jovem decidiu romper o mutismo e proferir suas primeiras palavras.
— Eles… estão em Lidenfel.
Erne compreendia o significado dessas palavras, consciente de que a criança cresceria sem pai ou mãe a partir desse momento. No entanto, o garoto não parou; era como se uma chave tivesse sido girada.
— E-eles, nos fizeram trabalhar….
— Trabalhar, meu jovem. Como?
— Eles batiam no papai e na mamãe, os chamando de… raça azul, maldita.
Um ódio descomunal acendeu-se como um pequena chama no interior de Erne, embora ele não deixasse transparecer por fora, cuidando para não assustar ainda mais a criança.
— Entendo, e aí? — Erne não desejava fazer essa pergunta, mas sentia a necessidade de mostrar a Dorni, o preço de ter um país de inovações tecnológicas, o custo que Lidenfel pagava com prazer.
— E-eles, meus pais e eu fugimos…. Mas… — Já não suportando, desabou em lágrimas, e suas roupas finas começaram a encharcar. — Eles… Bateram no meu pai….
— Calma, jovem. — Era no mínimo hipócrita pedir calma à criança enquanto ele mesmo estava prestes a explodir. Aquela pequena chama de ódio, já não era tão pequena, ele apertava sua própria mão para tentar conter a raiva, sentindo suas unhas cravarem na pele. — Pode falar…
A criança já estava no ápice de seu desalento, a melancolia havia tomado posse do que antes era um lugar comum de passagem. O clima frio parecia intensificar-se, uma névoa escura, triste e gelada, pairava e permeava o local.
— Eles… bateram no meu pai… e o levaram de volta. — Apertando o próprio braço, começava a deixar marcas, adicionando mais à tapeçaria já existente delas. — Minha mãe… me ajudou a cruzar a fronteira… Mas…
— Tudo bem, jovem, pode parar. — Erne não podia permitir que a criança falasse mais, evitando fazê-la reviver todo o trauma, mesmo sabendo que em parte, ele tinha contribuído para reviver parte dele. Além disso, ele não podia suportar ouvir mais, sua mão já sangrava pelo aperto das unhas contra a carne. Olhando para Dorni, com seriedade, disse: — Você me perguntou, qual o preço que Lidenfel paga para ser tão avançado, sua resposta está aí.
Erne já havia tido o bastante. Levou a criança até o orfanato e retornou em silêncio, mas com passos firmes e largos em direção às suas tropas, que estavam prontas para a invasão. Ele estava determinado a acabar de uma vez por todas com aquela situação problemática.
— Tropas!! — Com um grito firme, e mão ao topo, chamou a atenção daqueles soldados. — Hoje daremos o primeiro passo, em direção a vitória da tradição! Me acompanhem e lutem com alma! Pois, a vitória será garantida! Ao meu comando! Vida longa à tradição!
— Vida longa à tradição. — todo exército, homens e mulheres, todos gritavam em sincronia perfeita.
— Vida longa a Estudenfel!!!
— Vida longa a Estudenfel!! — Todos repetiam aquilo que seu general mandava.
Assim, iniciou-se a campanha para a dominação do norte. O exército marchava em formação, passos firmes ressoavam estridentes, fazendo o chão tremer a cada avanço. Em cada rosto, apenas a convicção e certeza da vitória; os tempos de incerteza haviam ficado para trás.
À frente de todos, Erne guiava a tropa a cavalo, com Anelise ao seu lado. Dorni caminhava ao lado de Erne. Todos estavam prontos para a batalha iminente.
Erne, como era da classe mago-cavaleiro, era um dos poucos a montar a cavalo, o que lhe conferia vantagens estratégicas. Rapidamente, chegaram próximo a Windefel, ansiosos para iniciar a invasão, e a marcha não durou três dias.
— Agora que estamos próximos, irei repassar a estratégia. — Em uma espécie de mesa improvisada, um mapa de Windefel estava estirado. — Não trouxemos arietes, nem escadas, pois não se fará necessário. — Apontou para o muro oeste. — Este muro, segundo as informações, carece de fortificação. Usaremos os poucos magos que temos para derrubá-lo com magias destrutivas.
— Sim, eu liderarei o regimento mágico, junto com algumas tropas regulares — afirmou Anelise.
— Ótimo. — Olhando para Dorni. — Como precisamos de distrações, eu, Dorni e mais algumas tropas, avançaremos pela frente. — Olhou para um mago próximo. — O capitão dos magos de defesa Centurión, irá nos acompanhar e junto ao seu pelotão, irá nos fornecer barreiras mágicas.
A estratégia básica de distração estava estabelecida para encobrir o verdadeiro plano. Duas horas se passaram, todas as estratégias foram revisadas, e todos estavam prontos para dar início à ação.
Com um assobio estridente, um pelotão composto por estranhamente poucos soldados comuns e a elite, portando distintas classes, emergiu das sombras das florestas aos gritos, chamando a atenção dos soldados de Windefel.
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Rapidamente, as notícias foram comunicadas ao rei da cidade, Sian.
— Meu rei. — O soldado ajoelhou-se perante o rei, em uma agitação fora do comum.
— Fale logo, não enrole! — Essa estranha agitação do homem, junto aos gritos ecoados a pouco tempo, deixou o rei apreensivo
— Sim! Estamos sofrendo uma tentativa de invasão!
Notícias péssimas em um momento crucial. O plano para invadir Estudenfel acabara de iniciar, mas parecia que o tempo conspirava contra eles.
O rei jogou suas costas no trono, e colocou a mão na testa.
— Barão cavaleiro, Darian.
— Sim, meu rei…. — Darian já tinha conhecimento prévio das próximas palavras do rei.
— Prepare as tropas, convoque o povo. — O rei não tinha escolha; sua cidade não resistiria a um cerco, e a escassez de alimentos já afligia Windefel em tempos de paz, o que durante uma guerra tendia a piorar. — Apenas homens não enfermos acima de 15 anos, deixe as mulheres e crianças fora disso.
Darin não respondeu, apenas saiu rapidamente da sala, pronto para cumprir as ordens. Como cavaleiro responsável pela defesa da cidade, todo o peso recairia sobre ele, inclusive a dolorosa tarefa de comunicar pessoalmente a morte de cada soldado às suas famílias.
O rei estava tenso, embora demonstrasse uma calma impressionante por fora. Afinal, essa era sua responsabilidade; um monarca desesperado só causaria mais tensão e apreensão. Um rei deve ser firme e confiável, demonstrar medo seria algo abominável para qualquer governante.
— Meu marido, fique calmo. — Mesmo que o rei mantivesse sua falsa calmaria, aqueles que verdadeiramente o amavam perceberiam. Caberia a Seraphina o dever de manter o monarca centrado. — Eu estou ao seu lado.
O rei Sian, sentiu uma serenidade rara em tempos tempestuosos. Enquanto a mulher que amava estivesse ao seu lado, ele manteria-se firme.
Rapidamente, as notícias da convocação obrigatória espalharam-se pela cidade, causando revolta, como era de se esperar. Ninguém queria lutar e correr o risco de perder a vida; mães não desejavam ver seus filhos em perigo, pais queriam vê-los crescer, não simplesmente perecer em uma batalha.
Mas em tempos desesperados, medidas desesperadas eram necessárias. A punição por recusar o serviço militar era a morte, forçando os homens a se alistarem e irem rapidamente para a linha de frente.
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Ao lado de fora, a batalha parecia ainda não ter iniciado.
— Mestre, parece que eles não irão sair de lá.
Os soldados de Windefel permaneceram dentro de suas muralhas, limitando-se a atirar flechas ocasionalmente. Isso obrigou o exército de Estudenfel a se aproximar e recuar constantemente.
— Senhor general, por que estamos recuando toda hora? — um soldado perguntou, sem entender essa repetição constante de avançar e recuar.
— Oras, pois estamos lidando com giganoides… — Um sorriso confiante surgiu em sua face. — E, giganoides costumam ser bem irritados e impacientes.
Em cima das muralhas, os soldados já estavam cansados de testemunhar a mesma movimentação constante, avançando e recuando. Suas flechas pareciam nunca acertar ninguém dessa maneira.
— Eu cansei, vamos atacar! — O homem encarregado de manter a calma foi o primeiro a sugerir o ato tolo, o comandante.
— Sim! — Rapidamente, as fileiras começaram a repetir o sim, proporcionando confiança ao comandante.
— Olhem para lá, são tão poucos soldados. Rapidamente os subjugamos. — Ao horizonte, apenas alguns soldados dispersos de Estudenfel eram visíveis, proporcionando uma confiança acima do normal e totalmente prepotente ao comandante e seus soldados.
— Verdade! — concordou o primeiro soldado.
— Então, vamos! — afirmou o segundo soldado.
— Melhor esperarmos a ordens de Darian, pessoal. — O soldado mais lúcido falou, mas este foi ignorado por seus colegas.
Os portões começaram a ser abertos, brados e mais brados poderiam ser ouvidos, ecoando por toda montanha.
— Mestre, eles realmente irão fazer aquilo? — perguntou Dorni, não acreditando na tolice que os soldados de Windefel estavam cometendo.
— Sim, eles não lidam com invasão a mais de um século. — Montado no cavalo e com uma expressão de descrença, deu um suspiro. — Ahh, isso os deixou burros, com assuntos relacionados à guerra.
A paz podia ser uma benção, mas trazia consigo uma maldição: a falta de experiência em batalhas. Qualquer reino que estava regularmente em conflito, teria a consciência de que não se abandona a vantagem defensiva de um muro para atacar em campo aberto…
Rapidamente, os numerosos soldados de Windefel estavam avançando em campo aberto, sem tática, nem formação, apenas corriam em direção a suas inevitáveis mortes.
— Vamos trazer a cabeça daquele a cavalo!!
— Sim, vamos!!
— Espere, o que ele está fazendo. — Na visão do comandante de Windefel, Erne erguia a mão e fazia o sinal de um, com o dedo indicador.
Esse sinal significava: Primeiro regimento. Ao abaixar firmemente sua mão, soldados e mais soldados saíram dos arbustos e das sombras das árvores, superando em muito os números dos soldados de Windefel.
Graças aos treinos regulares, sua velocidade superava a dos windefelianos. Assim, os alcançaram com enorme velocidade, e uma batalha foi travada, unilateralmente, pois os estudenfelianos eram muito mais treinados e capacitados para a guerra.
Cada golpe dos supostos vitoriosos era como um corte profundo na alma dos derrotados, e o solo se tingia de vermelho enquanto os estudenfelianos ceifavam vidas sem piedade. O lamento angustiante dos caídos ecoava entre os gemidos agonizantes, formando uma sinfonia mórbida de desespero. Os apelos por intervenção divina eram abafados pelo caos, deixando os derrotados entregues ao tormento de uma derrota irrevogável.
A medida que avançavam implacavelmente, os windefelianos viam suas fileiras dizimadas sem piedade. Cada passo dos estudenfelianos era como um golpe certeiro no coração da esperança, um pesadelo real onde a vitória se tornava uma quimera distante. Os lamentos dos derrotados ecoavam entre os escombros, abafados pela selvageria dos conquistadores que não conheciam a piedade. A presença divina parecia ter abandonado aqueles que agora agonizavam, deixando apenas o vazio desesperador de uma derrota inevitável.
— Recuar!! — berrava o comandante, ao ver a derrota iminente. — Recu- — Seu berro foi interrompido, por uma flecha que atravessou sua boca e saiu por sua nuca.
Sua derradeira visão antes de cair sem vida no chão? Erne com uma mão erguida, fazendo o sinal de dois com os dedos. O início da chuva de aço começaria e a já imensa devastação, tomaria proporções nunca antes vistas.
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Notas:
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