Volume 1
Capítulo 29: Paciência
Mani permanecia imóvel ao lado de Erne, observando-o, enquanto o general encarava o rei. A explosão parecia ter sido apenas um leve incômodo para ela, sem deixar sequer vestígios em suas roupas.
Erne, ciente de que a deusa poderia decidir seu destino a qualquer momento, sentiu alívio ao perceber que nem ela, nem o rei, desejavam seu fim naquele momento.
O ar que estava aprisionado em seus pulmões desde o momento em que sentiu aquela presença ao seu lado finalmente pôde ser liberado em uma longa expiração. Conforme a expiração se desenrolava, seu corpo se curvava e amolecia aos poucos, liberando toda a tensão.
— Parece que encontrou paz, Erne — observou o rei, esvaziando o último resquício de vinho na taça.
Dorni, que antes era incapaz de fazer mais do que apenas observar como um mero espectador, correu em direção a Erne ao sentir o clima antes pesado se dissipar.
—Mestre! Está tudo bem!?
— Silêncio, pupilo. — Erne apreciava a preocupação de seu aprendiz, mas não era momento para isso. Tinha um assunto mais importante a resolver. — Meu senhor, se me permite a fala…
— Fale, meu general.
— Ela está distante de seu verdadeiro poder — afirmou Erne, baixando o olhar, temeroso de possíveis represálias.
Todos possuíam pleno conhecimento sobre o poder das divindades. Erne compreendia que se ela estivesse verdadeiramente em posse de seu poder total, não precisaria se afastar do lado do rei para o apagar da existência, desintegrando-o.
Só de pensar nisso, um arrepio percorreu no fundo de sua alma. Em sua mente, Erne agradecia a todos os deuses pelo fato de ela ainda estar fraca.
— Puff. — O rei voltou-se ao trono e se jogou nele, parecendo desesperançoso. — Realmente, a falta poder.
A arma que poderia enfrentar Aldebaram mostrava-se adequada ao nível de seu general. Embora pudesse parecer algo significativo, diante do verdadeiro poder de Aldebaram, essa força não passava de uma formiga perto de um tamanduá faminto.
O rei não podia estar mais desapontado, no entanto, não permitia que isso o abalasse por completo.
— Bom, talvez exista uma forma de a fortificar.
Tais palavras chamaram a atenção de Erne, uma maneira de deixar aquela aparentemente inútil, realmente forte? Era algo a se desejar. Entretanto, o general sabia que não seria algo fácil.
— Pode compartilhar, meu rei?
— Claro, levando em conta que seu auxílio será de suma importância. — Ajeitando-se no trono, continuou: — Usaremos a yggdrasill.
O rei tinha em mente utilizar a grande árvore divina como uma maneira de fortificar verdadeiramente aquela deusa. Teoricamente, isso fazia sentido, considerando que essa árvore era a conexão de todos os deuses nórdicos. No entanto, existe realmente uma maneira de concretizar esse plano?
— Existe, a grande árvore acumula mana ao longo de milênios. Mani planeja absorver tudo para si.
Mani planeja? O general não tinha ouvido a voz daquela mulher até aquele momento, então como ela planejou algo. Melhorando a pergunta, porque ela decidiu ajudar Estudenfel? Não fazia sentido, levando em conta que todo povo do norte, era povo dela, seria o mesmo que escolher um filho favorito, e negligenciar os outros
Entretanto, Erne entendia que questionar equivaleria a manifestar um desejo de morte. Assim, mesmo sem total compreensão, ele optaria por acatar as ordens, ainda que de forma cega.
— Entendo, senhor. — reverenciando o rei, falou: — Agora com sua licença, preciso ir.
Os acontecimentos do dia geraram um estresse considerável. Erne sentia a necessidade de respirar um ar puro e recolocar as ideias no lugar, reorganizando seus pensamentos. Além disso, precisava planejar uma estratégia de invasão e treinar seus homens. Se os cabelos da cabeça desse veterano não caíssem nesta situação, não cairiam mais.
O rei, sem palavras ou ações restantes, permitiu a saída de Erne, junto com Dorni. Rapidamente, atravessaram toda a extensão da corte e saíram pelas enormes portas.
Contudo, a sala permanecia uma imundície, com sangue e cabeças espalhados por toda parte. O rei, incapaz de suportar tal visão deturpada e deprimente, retirou-se levando Mani consigo e instruiu alguém a lidar com a situação.
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Fora da sala do trono, no corredor que antecedia a saída do castelo, Erne avançava a passos largos e confiantes, enquanto Dorni seguia logo atrás com passos mais contidos e hesitantes.
Enquanto a expressão de Erne era mais decidida, a de Dorni mostrava indecisão.
— Meu senhor…
— Não precisa me chamar de senhor, Dorni. — Virou seu olhar para trás, avistando aquele jovem rapaz um tanto encolhido, fitando o chão. — ...O que foi, garoto?
— Porque me treina? — Dorni timidamente olhou para frente, mas ao notar Erne ainda o observando, rapidamente voltou seu olhar para baixo, com as bochechas rosadas. — Q-quero di-dizer...
— Hahaha! Só você para me arrancar algumas risadas em tempos tão tensos.
Seus passos ressoavam por todo o corredor, sendo o único som presente. O castelo mergulhara no silêncio após a reunião tumultuada; todos já haviam se despedido e se dirigido para seus respectivos domínios e residências.
Ainda era dia, mas devido à baixa entrada de luz solar nos corredores, estavam bastante escuros, iluminados apenas pelas tochas e candelabros presentes.
— Bom, eu te treino porque enxergo potencial em você.
Tais palavras pegaram o jovem rapaz de surpresa. Que potencial? Seu corpo sempre fora fraco e pequeno, sua força proporcional ao seu físico, sua esgrima comum. No final, ele apenas se via como um fardo para seu mestre.
— Que potencial? O que você enxerga em mim?
— Você entenderá quando chegar a hora. — respondeu Erne, uma afirmação vaga, nem nos mundos dos sonhos, isso deixaria Dorni satisfeito.
— Quero saber agora! O que eu tenho!? — Erguendo seu tom de voz, algo raro vindo do jovem rapaz muitas vezes tido como covarde. — Eu... eu sou fraco... Oq- — Ao notar seu tom elevado para com seu mestre, envergonhou-se imediatamente, ficando todo vermelho e se encolhendo ainda mais. — E-e desculpe…
— Hahahah! Vejo que está finalmente se impondo.
Erne não podia culpar o jovem por agir assim, e não o faria. Sua vida inteira foi marcada pelo desprezo devido à sua força e ao não se adequar aos tamanhos imponentes. O menosprezo moldou uma vida, tirando qualquer resquício de confiança. Portanto, agir assim era natural para o jovem, e Erne compreendia.
— Jovem, nunca permita que alguém dite sua força... A força vai além de músculos, muito mais que esgrima... Eu diria que é um estado mental. — Virando seu olhar para o jovem, concluiu: — Mas não tenha pressa para a compreender. A paciência é a virtude dos fortes, e você quer ser forte, não é?
Ainda encolhido, parecendo uma tartaruga no casco, agora ruborizada pelo constrangimento, Dorni assentiu com a cabeça, entendendo o significado daquelas palavras. No entanto, demoraria a compreender sua verdadeira força, mas de uma coisa tinha certeza...
"Eu sempre serei fiel a você... mestre.”
As palavras de seu mestre trouxeram questionamentos e dúvidas, levando Dorni a adotar uma caminhada mais firme e confiante enquanto perguntava:
— Você enfrentou a deusa de frente, tendo esse pensamento? De força ser algo mental?
— Talvez, eu não tinha muito o que fazer. — Erne colocou a mão atrás da cabeça. — Se não reagisse, provavelmente seria morto... ha, ha...
A risada sem graça demonstrava todo seu pavor; enfrentar uma divindade, mesmo longe de seus dias de glória, era algo, no mínimo, imbecil. Todo seu corpo clamava para que ele saísse de lá e corresse o mais longe possível.
— Mas é nesses momentos que demonstramos nossa força. — Sua mão começou a tremer, lembrando da situação. — Quando nosso corpo grita para fugirmos e gritamos de volta, obrigando-o a reagir. — Fechou a mão trêmula firmemente. — É nesse momento que um guerreiro de verdade nasce.
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Erne, habilidoso estrategista, compartilhava suas táticas no campo de treinamento exclusivo para nobres, delineando planos militares com os comandantes de pelotão.
Com os comandantes instruídos, eles disseminariam os planos pelos pelotões, garantindo que todos estivessem prontos para o iminente dia da invasão.
Com as estratégias, táticas e planos disseminados, Erne focou-se no treinamento da guarda real, formada inteiramente por nobres. Os únicos autorizados a praticarem nesses campos exclusivos, com a supervisão exclusiva de Erne.
— Tsc, um desperdício…. — praguejava Erne, observando tantos potenciais serem dispersados pelo sistema de nobreza, imposto até aos soldados.
— Mestre? — Dorni, escutou o preguejo de Erne, mas não compreendia o motivo. — O que ouve?
Dorni percebia a dualidade em seu mestre, notando uma expressão descontente nos campos nobres contrastada com um sorriso radiante nos campos de treinamento dos plebeus. Era como se ele tivesse duas personalidades distintas.
— Nada. — Jogando uma espada na mão de Dorni, ordenou: — Pratique.
O jovem prontamente acatou, iniciando rapidamente seu treinamento. Mantendo o corpo inclinado para frente, ele brandia a espada de cima para baixo, em repetições ágeis.
Erne expressava insatisfação, colocando a mão na cintura e apontando para o jovem.
— Tempo errado, descompassado, desengonçado. — Apontou para a espada do jovem. — Ela está dessincronizada com você, você está tentando fazer os dois movimentos ao mesmo tempo — Elevou o dedo que estava apontando para a espada em direção ao jovem. — Lembre-se, paciência, uma coisa de cada vez.
Com habilidade, o jovem compreendeu, corrigindo seus movimentos, diminuindo o ritmo e buscando sincronia em cada movimento. Lembrando das palavras de seu mestre sobre a força ser algo mental, concentrou-se, afastando pensamentos alheios e inúteis de sua mente.
Assim, seus movimentos começaram a realmente ficar sincronizados e corretos, para surpresa imediata de Erne, que pela primeira vez abriu um sorriso. Contudo, apenas movimentar uma espada de um lado para o outro não ia salvar sua vida em um campo de batalha.
Ao observar um jovem loiro treinando nas proximidades, percebeu seus movimentos ágeis e vigorosos, sem desperdício de energia. Suas técnicas eram tão impecáveis quanto as de soldados veteranos. Rapidamente, apontou na direção do jovem.
— Você aí, venha aqui.
O jovem não compreendeu o motivo de sua convocação, mas atendeu. Afinal, era Erne quem o chamava. Um sorriso abriu-se de orelha a orelha, provavelmente o general tinha reconhecido seu potencial, só podia ser.
— General, me chamou? — Sua felicidade estava estampada em seu rosto, enquanto em sua mente se desdobravam milhares de possibilidades, todas positivas.
— Sim, vejo que tem talento — O jovem, que já não se aguentava de alegria, ao ouvir tais palavras, quase deu um grito, mas se conteve. Erne então apontou para Dorni. — Treine com ele.
A alegria que antes transbordava se dissipou ao perceber que o motivo de sua convocação era treinar com alguém que considerava inútil, fraco e patético; quem ele achava que o jovem era? Mas mesmo descontente, ele não tinha escolha, pois a ordem vinha do general Erne.
— Tudo bem. — Rapidamente aproximou-se do jovem, ficando frente a frente. Seu ódio era intenso, sua vontade era a de esmagar aquele indivíduo frágil. — Você está morto.
Dorni simplesmente ignorou a provocação, já tendo passado por tanto que nem se importava mais. No entanto, as ameaças pareciam mais do que apenas provocações vazias. Ele se preparou para uma batalha intensa.
— Antes do embate, lembrem-se da cordialidade. — Erne foi criado aos moldes das escolas militares antigas, que prezavam pela cordialidade mesmo em campo de batalha. — Vocês estão do mesmo lado.
— Prazer — Em tom cordial, se curvou levemente. — Me chamo Dborn Estrikis, filho de Thorn Estrikis.
Imediatamente, Dorni fitou Erne. Aquele general o tinha posto para treinar com a merda do filho do guarda real, do próprio rei? Por outro lado, Erne aparentava a mesma confusão, nem lembrava de Thorn ter um filho.
“"Talvez fosse por isso que o garoto tinha tanto talento... Bom, agora já foi. Boa sorte, garoto." Com um sorriso confiante no rosto, Erne fez um sinal de joinha para Dorni.
Ao receber tal reação com certo desconcerto, Dorni sentiu como se sua confiança derretesse. "Mestre maluco", pensava ele.
Bom, seja como for, agora não podia voltar atrás. Teria que enfrentar tal desafio, e se por acaso vencesse, talvez demonstrasse seu valor a todos presentes naquele campo.
— Prazer. — Também em tom cordial, curvou-se levemente. — Me chamo Dorni…
Dorni não possuía sobrenome, afinal, sua progenitora era desconhecida. Sendo criado na rua desde que se entendia por gente e, ter sido resgatado por Erne, anos depois.
— O sobrenome dele é Dorkvir — Erne Dorkvir acabava de indiretamente adotar um filho, nomeando aquele garoto com seu sobrenome. Foi a primeira vez que Dorni sentiu-se parte de algo, parte de uma família.
Seus olhos umedeceram sutilmente, mas não havia tempo para isso. Uma batalha estava prestes a ocorrer, e agora ele tinha algo pelo qual lutar: a honra de seu mestre, a honra daquele sobrenome. Uma expressão raramente vista formou-se em seu rosto, a expressão convicta, confiante, longe daquelas que expressava em tempos de dúvida.
Duas espadas de aço nas mãos de dois jovens, prontos para batalhar. Mesmo sem o fio, garantindo segurança durante os treinos, a tensão pairava sobre eles, especialmente sobre Dorni. Essa tensão se espalhou por todo o campo, afetando até mesmo aqueles mais afastados.
— Prontos? — Erne olhou para Dorni, que assentiu com a cabeça. Em seguida, dirigiu seu olhar para Dborn, que também confirmou com um aceno. — Então, comecem!
Instantaneamente, os dois avançaram um contra o outro, cruzando o curto espaço que os separava. Em um movimento sincronizado, suas espadas percorreram toda a distância até colidirem, gerando um som estridente de aço chocando-se.
Rapidamente, afastaram suas lâminas e recuaram. Dborn, ágil, tomou a iniciativa avançando impiedosamente, pronto para causar uma dor descomunal naquele jovem frágil, fraco e inútil.
Girando pouco antes de se aproximar, gerou mais força e velocidade, sua lâmina viajava em direção ao ombro esquerdo de Dorni.
Dorni pulou, aproveitando que o salto geraria velocidade suficiente para poder se defender. E assim aconteceu: sua espada bloqueou a de Dborn, mas ele precisou usar as duas mãos para aguentar o impacto. No entanto, ainda no ar, foi deslocado e arremessado para trás.
— Durante uma batalha, colocar a mão na lâmina pode ser fatal para seus dedos — pontuou Erne. — Mas parabéns pelo pensamento ágil de pular. Agora, levante-se e continue a luta.
Dorni apoiou a espada no chão, apontada para baixo, fitou seu mestre e sorriu, assentindo com a cabeça.
"Ele está sorrindo? Aquele inútil realmente está gostando? Você irá sentir, seu merda." Vislumbrar o sorriso puro e inocente daquele que considera inferior, mesmo apanhando em batalha, o corroía por dentro. Uma vontade intrínseca de o destruir tomava posse de sua mente, posteriormente de suas ações.
Rapidamente, Dborn avançou, sem aguardar seu rival recompor-se. Erne poderia até querer repreender tal ato, mas em uma batalha real, seus inimigos não esperariam pacientemente ele levantar-se. Então, apenas observou.
“Lá vem ele, o que eu faço?” Em um instante as palavras de seu mestre vieram a sua mente “A paciência é a virtude dos fortes” o que isso poderia verdadeiramente significar?
E então, ele finalmente entendeu: Dborn estava vindo com raiva, ódio, vontade de o destruir. Ou seja, estaria menos preciso... Aqueles que realmente almejam a força devem ser pacientes, e assim Dorni fez, levantando-se vagarosamente, apoiando-se na espada e encarando Dborn. Uma expressão de desafio que logicamente enfureceu profundamente o jovem já odioso.
Dborn acelerou seus passos, já ágeis, e ao se aproximar, saltou mirando a cabeça de Dorni. Entretanto, Dorni não se moveu, dando nenhum sinal de querer se defender. Se ele desejava a derrota, o que Dborn poderia fazer além de fornecê-la? E assim faria.
"Garoto... Dorni, você não desistiu, né?" Estava visivelmente preocupado, mas notou como o jovem estava agarrando aquela espada... Era firme, ele não estava realmente apoiado nela. Então, Erne sorriu, seu pupilo talvez havia entendido.
Na visão de Dborn, metade do rosto de Dorni estava obscurecido por uma sombra; apenas sua boca podia ser vista, uma boca inexpressiva, neutra, apática. Então, sua lâmina aproximou-se da cabeça daquele jovem, e aquela boca antes sem nenhuma expressão adquiriu levemente um sorriso.
“Te peguei”. Como Dborn pouco raciocinou em seu golpe, fez tudo no puro ódio. Não pensou nos possíveis contragolpes, nem imaginava Dorni capaz de fazê-los. No entanto, o jovem moveu-se, dando um passo leve, ergueu seu cotovelo, que logo tocou a barriga de Dborn. Este já não tinha mais nada a fazer. Usando o cotovelo e parte do braço, Dorni conduziu o corpo de Dborn por cima do seu próprio, aproveitando a energia proporcionada pelo filho de Thorn no salto e arremessando-o para longe.
Rapidamente pegou a espada antes apoiada no chão e correu na direção de Dborn, apontando-a em sua cara.
— Eu venci. — Um rosto neutro, talvez por respeito. Mesmo tendo vencido, aprendeu com Erne, a respeitar seus adversários. Assim, dando a mão para ajudar Dborn a levantar-se. — Dborn Estrikis.
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Notas:
Venha bater um papo conosco e discutir sobre a novel no Discord ficarei muito feliz de saber suas opiniões.
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