Volume 1

Capítulo 16: Esperança

Em Aldemere, mais precisamente em Reven, o caos se desencadeava após a conquista de Re’Loyal. Pessoas eram obrigadas a realizar trabalhos forçados, e a violência grassava indiscriminadamente. O inferno havia descido sobre essa porção de terra.

No meio desse caos, dois homens se erguiam e caminhavam por esse chão infernal.

Dois homens de pele branca e estatura mediana, com uma semelhança notável entre si. Ambos ostentavam cabelos negros que caiam graciosamente sobre seus ombros. Vestidos em túnicas nobres azuis, seus olhares revelavam uma determinação compartilhada.

— Delilian. — Ele olhou para seu irmão — Tá tudo bem?

— Sim..sim — momurou Delilian, mas não era o que realmente parecia, já seu rosto expressava a aversão.

Após a batalha na prisão fronteiriça, Dalian e Delilian ficaram responsáveis por Reven. 

À medida que avançavam, deparavam-se com um cenário caótico: soldados preenchiam as ruas, enquanto à esquerda, uma fila de pessoas acorrentadas seguia em ordem forçada. A incerteza era visível em cada rosto, refletindo o temor pelo desconhecido que aguardava aqueles que eram arrastados pela cruel marcha.

— Tá vendo aqueles homens ali? — Dalian apontou para um amontoado de homens ao meio da fila. — Vão trabalhar forçados nas minas de diamante em Re’Loyal hahahah!

Haha, entendo… — Delilian realmente não dava qualquer sinal de contentamento.

Após o pacto com o demônio, a impressão que dava era de Dalian ter ficado mais maléfico e Delilian sentia isso. Não que ele já não fosse antes, mas o pacto aumentou esse traço exponencialmente, aparentando que sua mente sofreu algumas mudanças; talvez por isso usou todos os feitiços infernais, sem nunca ter visto antes.

— Dalian, acha que estamos fazendo o correto?

— Claro que estamos — falou certeiramente, sem qualquer hesitação. Dalian realmente acreditava que tudo estava correto.

Dalian aproximou-se de seu irmão em passos decididos, colocando suavemente o braço por trás dele, apoiando-se em seu ombro. 

— Afinal, é tudo por você irmãozinho. — Um sorriso inundou sua feição.

— Mas… Não acha demais tudo isso?

O sorriso que antes inundava a feição de Dalian, transformou-se, mudando drasticamente para uma expressão séria. 

— Não venha me falar o que é demais ou não. — Dalian soltou seu irmão. — Já começamos, agora iremos até o final.

Delilian ao escutar as palavras firmes de seu irmão, abaixou a cabeça, uma expressão de desgosto tomava seu rosto. Mesmo que fosse um dos responsáveis por tudo que estava ocorrendo, não queria que chegasse ao ponto que chegou. Para ele já haviam ido longe demais.

Já Dalian pensava ao contrário, talvez pelo pacto ou não, mas achava que isso não era nada, que poderia ir mais longe. 

“Irmão… O que você se tornou…?” questionava-se Delilian.

Em meio a fila de cativos, uma figura destacava-se. Se tratava de uma jovem garota de cabelos roxos escuros. Seu destaque se dava por sua beleza, muito mais que seus cabelos. Já que muitos ali tinham cabelos de cores menos comuns.

Ela seguia a fila, cabisbaixa, com uma expressão de dúvida e temor, não era para menos. Afinal, não tinha a certeza do que o futuro a reservava.

Os cativos eram mandados para as minas de diamantes em Re’Loyal e mulheres consideradas belas, eram leiloadas para nobres ou donos de terras.

No final pouco importava o que aconteceria com a pessoa, porque a única certeza imutável era a de que seria horrível.

A bela garota ouviu dois homens também cativos à sua frente conversarem. E o assuntou chamou sua atenção.

— Sim, ele é um monstro. Talvez nos liberte — disse o primeiro homem, com o olhar voltado para baixo.

— Você acredita nisso mesmo? — Ele deu um leve sorrisinho. — É… Talvez seja melhor acreditar… Qual o nome dele?

— Todos estavam o chamando de “Vulto da morte” 

Hahaha! — Foi uma risada estridente, logo ele controlou-se até porque não queria chamar a atenção dos guardas. — Como um salvador tem um nome desses?

A garota ficou fascinada com o que ouvia, um salvador que poderia libertá-los. Era pedir demais algo assim.

— Ei! Pode me contar mais? — falou a garota com a curiosidade de mil sábios.

— Claro garotinha a história…

Então o homem contou, sobre um jovem guerreiro que enfrentou os irmãos magos no campo sangrento. Com suas espadas brilhantes e incrível agilidade, decepou muitas cabeças, matando 10 homens ao todo.

— Ele era um deus… Ou como chamou-se, Alaric — completou um idoso atrás da garota. Pelas suas vestimentas e cicatrizes, dava a entender que era um soldado de Reven.

— Oi!? — A história que já era fantástica para a garota, ficou ainda mais colorida e poderosa. Um deus lutando era extraordinário.

Infelizmente, sua surpresa chamou a atenção de um soldado perto, que aproximou-se dela.

— Pare de falar e ande! — disse, dando um tapa em sua nuca, o golpe foi forte o suficiente para derrubar a garota. — Ei! Levante-se! — A medida que gritava dava chutes e pontapés na pobre coitada.

Delilian que passava próximo percebeu a confusão, e correu para acudir a pobre garota.

— Ei! Delilian! — exclamou Dalian, ao ver seu irmão indo em direção aos cativos.

O mago avançou rapidamente em direção ao soldado, agarrando-lhe o braço. Este virou o olhar na sua direção, e o que viu fez sua expressão desbotar. Um rosto marcado pelo ódio e indignação transbordantes. O soldado apenas sentia as bufadas de ar quente que vinham em sua direção.

— O que pensa que está fazendo!? — questionou o mago, que a medida do tempo apertava o braço do soldado mais e mais.

Já sentindo seu braço próximo a partir em dois, suava frio. O horror tomava conta de seu semblante.

— E-eu está-

— Suma daqui! — Delilian soltou o braço do homem, que, não pensou duas vezes e fugiu, tropeçando no caminho.

— Delilian? — Dalian chegou perto de Delilian, ao ver o soldado correndo, perguntou: — O que ouve?

Dalian não tinha notado toda situação, mesmo que notasse não iria se importar e provavelmente não deixaria seu irmão intervir.

— Isso aconteceu — falou Delilian, dando a mão para a garota levantar. — Venha não vou te machucar.

A jovem, que já havia enfrentado muitos desafios, não estava disposta a depositar sua confiança nele tão facilmente. Mesmo aceitando a ajuda e levantando-se, correu a toda velocidade logo em seguida. Sua ideia um tanto tola era distanciar-se o máximo possível.

Projétil infer-

Delilian pôs a mão na frente de Dalian, exibindo uma seriedade no rosto, que, ele jamais presenciou 

— Pare — proferiu apenas isso, seu tom sério e ameaçador conteve seu irmão.

Mas Dalian não permaneceria em silêncio; voltou seu olhar na direção de seu irmão, uma expressão séria estampada em seus olhos. Ele colocou a mão sobre o ombro de Delilian e, em um tom tranquilo, porém ameaçador, afirmou: 

— Começamos isso Delilian. — A medida que falava apertava o ombro de seu irmão. — E iremos até o fim.

— Irmão… Não sei.

Tap! 

O som estridente do tapa de Dalian em seu irmão, ecoou por toda rua. Todos cativos e guardas pararam para observar o ocorrido.

— Que foi!? — Dalian olhou para todos na rua, e continuou: — Continuem seus afazeres antes que eu mande executar! Cada um de vocês!  

Todos ao escutarem a ameaça clara, voltaram ao seus afazeres. Ninguém era idiota o suficiente para desrespeitar as palavras de Dalian.

— Irmão? — questionou Delilian com a mão no rosto ardente e vermelho pelo tapa. — O q-

— Me escute. — Aproximou a cabeça do seu irmão a da dele. — Estamos fazendo tudo isso pelo “Livro dos mortos”, não é mesmo?

— Mas… — Um misto de hesitação e angústia tomou sua mente, consequentemente as palavras. — Sei lá… Tá mesmo certo?

— Sim está, traremos sua família de volta. — Um tom suave tomou suas voz, talvez em uma tentativa de manipular seu irmão. — Então, apenas confie em mim.

Seu irmão, que já estava abalado emocionalmente, simplesmente não questionou mais. Apenas aceitou o que Dalian falava, mas a incerteza nunca fugiu de sua mente.

Os dois magos seguiram em frente em direção ao castelo de Reven, afinal, haviam tornado-se governantes locais.

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Mais adiante, em Reven, precisamente na imponente ponte que separava a parte comum da cidade de Reve da favela local, estava a garota que havia escapado de Dalian e Delilian.

A jovem garota havia corrido incansavelmente, sem destino, até alcançar a ponte. Ao caminhar um pouco mais, chegou à antiga rua comercial da favela, ou pelo menos o que costumava ser. Agora, a favela tinha sido reduzida a destroços, com escombros por toda parte. Corpos queimados e mutilados eram testemunhos do que antes fora um lar. O culpado por essa devastação era Dalian, cujo desejo cruel de destruir a favela se concretizou com a chegada ao poder.

A vista de desolação quebrou a jovem garota, que caiu sob joelhos. Seus olhos arregalados refletiam a desesperança. Era um choque tão profundo, que lágrimas recusaram-se a cair de seus olhos. E sua voz desapareceu no vasto nada presente ali. O sol ainda raiava no céu, mas a impressão era a de uma escuridão tomando o local.

Mas mesmo em pedra uma flor luta para nascer, e a esperança nunca deixará de existir. No meio de todo terror e devastação, uma figura feminina emerge.

— Garota, levante-se — ordenou uma senhora que usava um pedaço de madeira como bengala.

A garota, antes em transe, ao escutar a voz rouca da velha senhora, voltou a si e levantou-se. Ao olhar para aquela que falava, levou um tremendo susto. 

— Zumbi!!! — Ela instantaneamente abaixou-se e encobriu a cabeça com as mãos.

— Eu não sou um zumbi! — A idosa deu uma bengalada na cabeça da jovem.

Aí! — Ao sentir o golpe levantou-se novamente e franziu o olhar. — Ei! Doeu!

— Isso é por me chamar de zumbi, meu nome é Andra!

A garota parou e observou Andra. Afinal, o que uma idosa estaria fazendo ali? Bom, a jovem ainda carecia de respostas.

Mas em respeito a senhora, ela estendeu sua mão em direção a Andra, e em tom cordial falou:

— Prazer, me chamo Nadine.

Andra aceitou o comprimento de Nadine, que vestia trapos velhos fornecidos pelos soldados Loyanos. A idosa ao notar, prontificou-se a dar vestimentas melhores para ela.

Nadine, que não confiava fácil em ninguém, ao ver uma pessoa desconhecida fornecer algo assim, desconfiou instantaneamente. Até porque, o que Andra ganharia em troca?

— Quando alguém oferecer ajuda. — Deu outra bengalada na cabeça de Nadine. — Você aceita mocinha.

Aí! Tá bom, tá bom. Eu aceito.

As duas dirigiram-se à residência de Andra, se é que poderia chamá-la assim. No momento, era apenas um amontoado de madeira, incapaz de oferecer qualquer proteção significativa. 

Nadine não tinha motivo para se queixar; afinal, qualquer lugar parecia mais acolhedor do que a residência de um nobre repugnante.

— Aqui. — Andra saiu do que parecia ser um quarto com roupas em mãos. 

— Obrigada… — Nadine sentia-se tímida, afinal, ninguém jamais lhe havia oferecido algo antes. Apesar da vergonha inicial, ela acabou aceitando.

Nadine vestiu as roupas, surpreendentemente confortáveis. Contudo, percebeu que a calça estava um pouco mais justa do que o usual, mas optou por ignorar. Afinal, não queria causar constrangimentos.

Ao terminar de vestir-se, procurou por um espelho para checar a aparência. Ao andar pela casa encontrou um espelho com várias partes faltando, mas isso não a impedia de ver-se.

Ao encarar seu reflexo, surpreendeu-se intensamente. A calça marrom escura, apesar de ajustada, realçava suas formas inferiores, enquanto o contraste com a camiseta regata branca produzia um efeito sublime. O cinto largo de couro destacava-se em sua cintura.

Seus pés eram adornados com botas de couro resistentes e para finalizar; um sobretudo com capuz verde escuro, que lhe dava um estilo único e ótima camuflagem na floresta.

Todo conjunto contrastava bem com seus cabelos roxos e olhos castanhos escuros.

Nadine não pôde deixar de notar, que todo esse conjunto pareciam muito de uma arqueira.

Então, movida pela curiosidade decidiu perguntar:

— Senhorita Andra… — falava enquanto ajustava as mangas do sobretudo. — Isso parece um conjunto de arqueira.

Ah… isso é porque. — Andra por um momento pareceu orgulhosa ao falar, como se tivesse invocado uma sensação de nostalgia inerte em sua mente. — Deixe pra lá.

Andra coçou os olhos, como se houvesse alguma lágrima presente neles. Antes de Nadine pronunciar-se, a idosa avançou em direção a uma mesa próxima. A cima da mesa havia uma caixinha portando uma fechadura.

Andra retirou uma chave de seu bolso e destrancou a caixinha. Ao abrir um brilho intenso irradiou, era como observar o sol, mas apesar de brilhante não emitia nenhum calor. Caso contrário a casa já estaria torrada. Nadine não suportando a visão, tapou os olhos. 

Alguns segundos se passaram, e ela afastou vagarosamente a mão dos olhos. Pelo receio do sol ainda estar presente na sala. Ao terminar, assustou-se com a idosa em sua frente.

— Aqui, pegue. — A idosa portava dois braceletes dourados adornados com vários símbolos. E os ofereciam para a jovem

—  Mas isso já é demais. — De novo acanhada, mas não era para menos, a idosa já havia lhe dado roupas, algo assim parecia demais. Nadine sentia como se estivesse abusando da boa vontade de Andra.

Andra franziu o olhar e disse: — Quer levar outra bengalada?

Nadine obviamente não queria, até porque, as anteriores já deixaram galos imensos em sua cabeça. Então, sem muitas opções, encarou os braceletes, e disse suspirando: 

— Tá bom, tá bom. — Ela pegou os braceletes das mãos de Andra, e vestiu em seus pulsos. — Olha, até que combinaram bem comigo.

Os braceletes de novo erradiram uma forte luz, mas dessa vez foi rápido, apenas piscou. Contudo, obviamente não foi rápido o suficiente para não preocupar a garota, que arregalou os olhos e ficou pálida. 

— Ei? Virou estátua? — perguntou, ao observar Nadine imóvel. 

Andra impaciente, pegou seu cajado e criou outro galo na cabeça da garota que parecia mais um vale com três montanhas.

Aí! — Bom, pelo menos funcionou, destravando ela. A garota colocou a mão no local do golpe. — O que foi esse brilho!?

— Quando você precisar, vai entender.

— Não tente parecer misteriosa…rumm!

Andra levantou sua bengala novamente, pronta para criar a quarta montanha na paisagem capilar da moça. Entretanto desistiu, e foi se deitar em um colchão esfarrapado no chão.

— O que aconteceu? — questionou Nadine, ao ver Andra antes enérgica, agora deitando. 

— “O que aconteceu?” — repetiu as palavras da moça com sarcasmo. — Eu estou velha, não enxerga?

O corpo de Andra já não era o de anos atrás, a idade chega e cobra preços altos: saúde, disposição e principalmente o humor. Está aí o motivo da grande maioria de velhos serem rabugentos. E a guerra foi um fator determinante para essa conta chegar bem mais cedo, para a pobre Andra.

Mas tinha algo diferente aí, não parecia apenas um cansaço repentino. E Nadine percebeu.

— Nadine — mormurou, deitada com as costas virada para a moça — posso te pedir um favor?

A garota, que tinha recebido tanto da idosa, não poderia ter a cara de pau de recusar. E não iria, até porque a ingratidão não fazia parte de seu ser.

— Fale velha, o que deseja?

— Vai levar outra bengalada! — Andra esboçou um pequeno sorriso. — …Avise para Dolbrian… Que eu sempre o amei.

Nadine ficou sem entender, quem era Dolbrian? Como ela avisaria alguém que sequer conhece? Mas as palavras seguintes fizeram Nadine arrepiar-se inteira.

— E fale para Gideon e Alaric, cuidarem de seu avô. E garota, sempre mantenha a esperança…

Alaric, aquele nome que tanto a fez sonhar, o nome do libertador, do deus. O nome do homem que poderia salvar todo esse povo. Nadine simplesmente não sabia o que pensar, mil pensamentos vinham à sua mente e nenhum focava.

Mas quando ela foi perguntar onde os encontrar…

— Vel- 

Em sua frente jazia um corpo sem vida, Andra havia morrido após dizer aquelas últimas palavras. A garota não podia acreditar, aquela que lhe deu roupas e a ajudou, morta em sua frente. E ainda a deixou sem respostas, onde encontrar aqueles a qual ela pediu? Onde encontrar seu deus? 

Sem respostas, Nadine deixou a casa. Afinal, não tinha mais nada para ela, mas agora a garota tinha um objetivo em mente e iria cumprir, esse objetivo era:

— Eu irie cumprir seus últimos desejos, velha idiota.

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Notas:

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