Volume 1

Capítulo 9: Corrida para Melhorar as Defesas do Vilarejo

 

Já fazem duas semanas desde que eu comecei a jogar Village of Fate.

 

Receber essas entregas da empresa do jogo já virou rotina aqui em casa e isso me assusta um pouco.

 

Não acho que os aldeões fariam alguma oferenda perigosa, mas só por garantia eu enviei um oráculo listando as coisas que podem me dar dor de cabeça. Ainda assim, acredito que mesmo se eu não tivesse enviado aquela profecia, os personagens não me enviariam nada que seja indesejável.

 

Os melhores presentes que recebemos foram as comidas, minha família adorou todos alimentos que eles enviaram até agora.

 

— Filho, você sabe quando que o pessoal do vilarejo vai dar mais daquelas frutas pra gente? Depois que eu comi aquela pera vermelha eu até comecei a me sentir mais saudável.

 

— Aquela carne tava uma delícia também.

 

Depois de ouvir o pessoal daqui de casa falando isso, eu mandei um pedido para os personagens.

 

Desde então, a quantidade de comida que eles enviam tem aumentado.

 

Eu acabei ficando surpreso com a grande quantidade de alimentos exóticos que os aldeões mandaram. Os personagens também enviaram diversas frutas diferentes além daquela pera vermelha, tipo umas uvas que tinham um gosto único, nem um pouco semelhante ao gosto normal de uvas.

 

Além das frutas, eles enviaram os clássicos… clássicos troncos de madeira pra minha casa.

 

Esses dias eu… recebi um cristal brilhante que emite uma luz fraca. Os aldeões usam como uma pequena fonte de luz portátil. Mesmo sendo só um tipo de pedra, dá pra usar de abajur.

 

Provavelmente tem algum tipo de led dentro, mas mesmo assim eu fiquei um pé atrás de mostrar isso pra minha família, então eles ainda não viram o “cristal brilhante”. Por enquanto, ele tá guardado em um cantinho do meu quarto, até agora ele não parou de iluminar por um segundo sequer, a bateria deve ser muito boa.

 

É muito legal ter uma iluminação extra no meu quarto, ainda mais sem fazer a conta de luz ficar mais cara.

 

Graças aos presentes que eu tenho recebido todos os dias, minha mãe começou a parar um pouco de ficar enchendo meu saco pra arranjar um emprego. Então nossa relação tem melhorado bastante, chega a me lembrar um pouco dos meus dias de estudante.

 

Comecei a me sentir endividado com os aldeões já que eles estavam me dando tantas coisas sem receber nada em troca, então me senti obrigado a se esforçar ainda mais por eles.

 

O que será que eu posso fazer pra conseguir mais Fate Points?

 

Eu coloquei a quantidade de pontos que eu tenho ganhado por dia numa planilha e calculei quantos dias ia demorar pra eu conseguir o tanto que eu quero.

 

Depois disso, eu voltei a estudar como que o processamento de madeira funciona… isso me fez lembrar do que aconteceu semana passada.

 

………

 

— Caramba, isso é mais complicado do que eu pensei. O que será que eu fiz errado? Ou será que é pra ser assim mesmo?

 

Eu estava rachando a cuca na frente de um tronco de madeira.

 

Tinha vários restos de madeira espalhados pelo meu quintal. Estou praticando um pouco, com intuito de ver se descubro algo que possa ajudar os aldeões.

 

— Droga, eu não tô conseguindo ver direito.

 

Depois da janta, abri a janela da sala para dar uma iluminada no jardim e fui em direção à porta do fundo.

 

Além disso, eu peguei meio que um holofote que tava guardado no armazém pra ajudar a iluminar melhor o quintal.

 

— Boa, agora sim vou conseguir enxergar melhor.

 

Dei uma lida no livro sobre marcenaria que eu tinha comprado esses dias.

 

Hmm… então tem que começar puxando a serra no lugar de empurrando? “Vale ressaltar que é necessário prestar atenção na direção…”.

 

O livro é cheio de termos que eu não conheço direito, fora que tem algumas coisas também que eu só vou conseguir aprender na prática. Se fosse um jogo normal, ia dar pra construir uma casa com essas madeiras rapidinho.

 

Bem na hora que fui testar uma das técnicas que vi no livro, uma sombra cobriu me cobriu.

 

Quando olhei pra cima, meu pai estava lá me olhando.

 

— Yoshio, o que você está tentando fazer?

 

— Oi… é que eu estava pensando que era desperdício não usar toda essa madeira que os aldeões me enviaram. Desculpa, eu acabei esquecendo de perguntar se eu podia pegar as ferramentas emprestado, eu posso?

 

— Tudo bem, pode usar, não tem problema.

 

Dito isso, comecei a serrar lentamente uma das pontas do tronco. Era pra começar assim, né?

 

Inseri a lâmina da serra no lugar que eu estava tentando cortar antes e tentei fazer melhor dessa vez, mas…

 

A serra acabou ficando presa. Eu tentei puxar ela pra fora do tronco, mas não estava saindo de jeito nenhum. Pelo visto eu acabei afundando a serra demais na madeira.

 

— Dá licença, deixa o pai tentar.

 

Pelo visto ele não conseguiu aguentar me ver fazendo tanta merda assim no quintal.

 

Ele facilmente tirou a serra do lugar, numa velocidade incrível ainda por cima.

 

— Caramba, boa.

 

— Olha, é assim que se usa uma dessas…

 

Não consegui deixar de ficar impressionado com ele me ensinando, enquanto estava de costas pra mim serrando a madeira.

 

Pode parecer que a pessoa está com raiva de ti quando ela não conversa mais com você, mas eu entendo o meu pai, o motivo dele é diferente… isso é coisa de família, eu não sou o único que tem problemas pra conversar com os outros.

 

Depois disso, meu pai continuou me dando conselhos ao decorrer dos dias. No fim de semana passada, eu e meu pai trabalhamos juntos e conseguimos transformar o que antes era só uns pedaços de árvore largados no quintal, em uma nova cerca para o jardim. 

 

Graças ao Village of Fate, eu voltei a conversar com os meus pais…

 

Agora eu comecei a pensar, quem será que está ajudando quem? Parece até que são os personagens do jogo que estão me apoiando, e não o contrário.

 

Antes eu passava todos os dias só matando o tempo, sem propósito algum. Mas agora, agora eu percebi o quão valioso cada dia é e comecei a mudar.

 

Uma das melhores coisas que fiz, foi começar uma rotina.

 

Por conta do estilo de vida dos aldeões do jogo, eu comecei a dormir meia noite e acordar às seis horas da manhã.

 

Assim que eu acordo, a primeira coisa que faço é checar como os aldeões estão e dou uma olhada no histórico de diálogo das conversas que podem ter acontecido durante a noite, quando eu não estava vendo.

 

Logo em seguida, vi que meu pai e minha irmã já tinham saído para ir trabalhar e fui pro primeiro andar comer o café da manhã. Por mais que eu tenha melhorado minha relação com eles, ainda não tenho coragem de tomar o café da manhã na mesa, junto com eles. Ainda mais logo antes deles saírem para ir trabalhar, isso sempre me lembra de que eu sou um desempregado.

 

Após terminar de tomar o café da manhã, voltei pro meu quarto pra ver o que os aldeões estavam fazendo. 

 

Além de ler os manuais de tecnologia da madeira, eu comecei a ler livros de sobrevivência e preparo de comida selvagem ao ar livre. Eu tenho tentado de tudo para ajudar os personagens, mas até agora eu não consegui dar nenhum conselho bom.

 

No almoço, eu preparei um prato simples que aprendi recentemente e comi sozinho. Normalmente a minha mãe não fica em casa nas sexta-feiras, então estou completamente sozinho em casa agora.

 

Durante o resto da tarde, eu malhei um pouco no meu quarto e escrevi um oráculo para os aldeões. Ao anoitecer, eu pensei um pouco sobre como usar os Fate Points, jantei junto com a minha família, tomei um banho, li um pouco dos livros que eu tinha comprado e então finalmente fui dormir.

 

 

Passei os dias seguintes sem muitas mudanças na minha rotina.

 

Comparado com quando eu comecei a jogar o Village of Fate, os próximos dias foram mais calmos e sem acontecimentos drásticos. Por mais que eu queira que esses dias simples continuem, sei que uma hora algo inesperado pode acontecer.

 

— Ufa… finalmente terminamos de construir a cerca em volta da entrada da caverna.

 

Gamz, que havia acabado de colocar o último tronco que faltava para cercar o perímetro da entrada da caverna, suspirou aliviado enquanto limpava o suor de sua testa.

 

Agora que não era mais necessário construir uma casa, os aldeões aproveitaram a madeira para construir um “muro” com grandes troncos de madeira cortados em forma de estaca em volta da caverna.

 

Como existem monstros no universo desse jogo, melhorar as defesas dos aldeões contra possíveis ataques dessas criaturas malignas era essencial, então foi uma das minhas prioridades máximas. E agora, eles finalmente haviam terminado de fazer isso.

 

Os troncos estão alinhados em um formato de semicírculo em volta da entrada do abrigo dos aldeões. Alguns monstros, tipo os Cães Negros, podem até conseguir pular por cima da cerca, mas eles vão acabar ficando indefesos contra ataques enquantos estiverem no ar.

 

Fora que pra conseguir pular alto assim, eles provavelmente vão precisar parar de correr por um momento, e é aí que o Murus entra - assim que os alvos ficarem parados, acertar uma flecha em um órgão vital vai ser fácil pra ele. Isso deve comprar tempo o suficiente para que os outros fujam, isso já é o suficiente para me deixar mais tranquilo com a segurança de todos.

 

Quanto à alimentação deles, a área em volta da montanha onde a caverna fica é rica em árvores frutíferas, fora isso tem um riacho cheio de peixes pra eles pescarem, então…

 

Por agora, a quantidade de comida que eles têm armazenada tem aumentado bastante, então fome não é um problema por enquanto. Pelo visto, comida é extremamente abundante nesse mundo, então casos de pessoas morrendo de fome devem ser extremamente raros… Se a reserva de comida deles começar a acabar, vou mandar um oráculo pedindo que eles parem de me mandar alimentos.

 

O ruim é que quando o inverno chegar, o que não deve demorar muito, os aldeões vão precisar de preservar comida. Como por exemplo carne defumada, tanto de animais selvagens como também dos peixes.

 

Esses tempos a Layla tinha reclamado da falta de temperos para a comida, mas felizmente existem pedras de sal sobrando no interior da caverna.

 

Eu tinha pensado que não existia nenhum outro tipo de tempero além de sal no universo desse jogo, mas pelo visto eu estava enganado. Na verdade, existem diversos tipos de pimenta também, só que como pimenta é algo considerado de luxo no mundo deles, o normal é usar algumas ervas no lugar.

 

À primeira vista a atmosfera pode parecer calma e tranquila. Não é como se eu estivesse preocupado com alguma urgência, mas… recentemente, os aldeões têm agido de uma forma meio estranha.

 

Por mais que eles estejam tentando parecer calmos, é óbvio que eles estão preocupados com algo, chega a ser cômico. Gamz, está sempre de vigia, mas parece que ultimamente ele tem estado hipersensível a qualquer som que ele escuta durante seus turnos. 

 

Embora todos pareçam estar aproveitando a vida mais do que nunca agora, parece que suas expressões têm se tornado cada vez mais sérias com o passar do tempo.

 

 — Até mesmo as conversas diárias deles parecem tensas, é nítido que eles estão preocupados com alguma coisa importante.

 

Os aldeões se dão muito bem uns com os outros, mas ultimamente o clima parece estar pesado entre eles.

 

Vira e mexe eles ficam olhando para um calendário, alguns contam os dias como uma expressão de angústia e suspiram fundo.

 

— Será que alguma data especial está chegando? O ruim é que eu não conheço os costumes e feriados deles, então eu não tenho como saber a não ser que alguém converse sobre isso lá.

 

Eu até queria gastar um pouco dos meus pontos, mas após ver como eles estão, acredito que seja melhor economizar pra alguma emergência.

 

Li todas as conversas que os personagens tiveram até então, mas não consegui encontrar nada que pudesse explicar porque eles estão assim agora.

 

Mas hoje foi diferente. Uma das personagens que, assim como eu, estava preocupada com esse clima falou.

 

— Papai, mamãe. Do que que vocês estão com tanto medo?

 

Carol perguntou o que eu mais queria saber, interrompendo os outros personagens que estavam voltando pros seus quartos após o jantar.

 

Boooaa, Carol! Você me salvou.

 

Pelo visto, a menininha era a única pessoa que não fazia ideia do que estava acontecendo, além de mim.

 

Cliquei neles pra dar um zoom e ver o diálogo melhor.

 

— Mas filha… a gente não tá com medo de nada.

 

— Sim, não precisa se preocupar. Não vai acontecer nada de mais.

 

O casal se abraçou e tentou enganar a criança pondo um sorriso em seus rostos. Mas a Carol percebeu que algo estava estranho e os encarou com um olhar desconfiado.

 

— Como assim? Se não vai acontecer nada de mais, então por que que vocês ficam olhando pro calendário com aquela cara?

 

Verdade, eles estão fingindo tão mal que não conseguem enganar nem mesmo uma criança.

 

O Rodis e a Layla ficaram um pouco tensos com que a garotinha disse e olharam em direção ao Gamz em busca de ajuda, depois começaram a cochichar alguma coisa.

 

Rodis pôs sua mão na cabeça de sua filha e finalmente resolveu explicar à ela o que estava acontecendo.

 

— Erm… desculpa, filha. Te deixar preocupada nunca foi nosso intuito. Sabe quando nós morávamos no vilarejo e todo final do mês a gente mandava você ir dormir mais cedo… e não deixava você sair de casa?

 

— Lembro! Eu não podia sair do vilarejo de jeito nenhum. Os adultos ficavam super irritados quando a última semana do mês chegava, quando eu perguntava o que que tava acontecendo, todo mundo ficava bravo comigo.

 

— Isso tudo era pra proteger as crianças, Carol. Você já aprendeu os meses do ano, certo?

 

— Uhum. Cada mês é a vez de um Deus diferente mandar no mundo, né. Tem o Deus da Luz, o Deus da Lua, o Deus do Fogo, o Deus da Água, o Deus da Natureza, o Deus do Trovão e o Deus da Terra.

 

Hmm, então é assim que as coisas funcionam aqui nesse mundo. Melhor eu já até deixar anotado.

 

Ué…? Eu sou Deus do Destino, certo? Por que será que ele não está incluído nisso?

 

— Nossa… Filha, como você é inteligente, você lembrou direitinho!

 

— Mas papai, existem outros deuses também. Por que falam só sete deuses então? Fora que um ano tem doze meses, não sete! Por que não falam dos outros cinco deuses?

 

Excelente, Carol! Você tá fazendo eles explicarem tudo o que eu queria saber, haha.

 

— Tá, eu vou te explicar. Originalmente, os sete deuses estavam encarregados apenas de uma semana, um pra cada dia.

 

—  Ah! Já sei! Por isso que o nome dos dias é assim, tem o Dia da Luz, o Dia da Lua, o Dia do Fogo, o Dia da Água, o Dia da Natureza, o Dia do Trovão e o Dia da Terra.

 

Ah, então o dia da luz é tipo o nosso domingo e por aí em diante. Hmm… Já que o jogo se passa em tempo real, faz sentido o calendário ser parecido com o nosso, cada semana tendo sete dias e cada ano tendo doze meses.

 

— Exato! Os Deuses que comandam os dias da semana em turnos, são chamados de “Os Grandes Deuses”, por isso que eles são considerados como os principais deuses do nosso mundo. Além dos Grandes, existem os deuses “menores” também, como por exemplo o Deus do Destino que zela por todos nós.

 

Pelo visto eu sou um desses deuses menores que segue um dos Sete Grandes Deuses. Agora consigo entender um pouco melhor meu papel.

 

No começo de tudo, aqueles sete dias continuaram se repetindo infinitamente, eles eram tudo que existia. Só que… uma grande guerra aconteceu entre os deuses. No primeiro mês, ventos gélidos sopravam, devastando tudo pelo caminho, o Deus da Natureza prevaleceu. No sexto mês da guerra, o Deus da Água batalhou ferozmente contra o Deus do Trovão, no oitavo mês, o Deus do Fogo estava na liderança. No fim, passaram-se trezentos e sessenta e cinco dias até que os deuses parassem de lutar entre si.

 

Parece só um conflito de um ano, mas cara… eu adoro essas histórias de mitologia.

 

Tipo, na verdade a guerra pode ter levado centenas de milhares de anos pra acabar, não tem como saber se a batalha entre os deuses realmente durou só doze meses.

 

O Rodis estava explicando isso para sua filha, Carol. Mas todos estavam em silêncio prestando atenção no que ele estava dizendo.

 

— Os deuses que venceram a guerra, passaram a governar nosso mundo. Esses deuses vencedores, se tornaram responsáveis pelos dias da semana. Por isso que hoje em dia eles são considerados como “Os Sete Grandes Deuses”.

 

— Mas o que que aconteceu com os deuses que perderam a guerra?

 

Minha nossa, Carol! Como você é boa fazendo perguntas! Era exatamente isso que eu queria saber.

 

— Ótima pergunta, filha. Os deuses que foram derrotados se tornaram os Deuses Nefastos e foram selados no fundo do fundo da terra. Mesmo selados, eles ainda possuem poder o suficiente para emprestar parte de seus poderes para os monstros uma vez por mês. O dia que isso acontece é chamado de “Impulso dos Deuses Nefastos”, esse dia sempre acontece no final de cada mês.

 

— Por isso que é perigoso sair no final do mês, os monstros ficam mais fortes e mais violentos.

 

E então, a história acabou e o assunto foi encerrado.

 

Os aldeões foram dormir assim que a história havia terminado.

 

Eu ainda não sei o nível dos perigos que vamos enfrentar no final do mês, é melhor eu ficar atento e me preparar bem.

 

Finalmente descobri porque os personagens estavam tão tensos. Eles estavam preocupados com esse “Impulso dos Deuses Nefastos” que acontece no final do mês.

 

Cliquei no calendário de dentro da caverna e a data exibida lá era a mesma da vida real.

 

Era dia vinte de novembro.

 

Certo, então eu ainda tenho dez dias para me preparar.

 

Parando pra pensar, isso parece bastante com um evento especial de jogos online. Talvez realmente seja um.

 

Não tenho como saber a escala do ataque que os monstros vão fazer, mas tenho certeza de que os aldeões vão precisar da minha ajuda.



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