Volume 1

Capítulo 7: O Deus que Adoramos

 

Já fazem três dias desde que os aldeões se mudaram para a caverna.

 

A condição do Gamz melhorou bastante, então agora ele está encarregado do trabalho pesado, além de ficar de vigia e explorar os arredores. Será que todo mundo nesse jogo se recupera rápido assim? Ou será que aquela erva medicinal foi o motivo dele melhorar em tão pouco tempo? Mas talvez possa ser… alguma mecânica do jogo também, né?

 

O jovem responsável por ter salvo a vida do Gamz se chama “Murus”, ele tem estado com os aldeões desde então. Pelo visto ele não pretende ir embora por um tempo.

 

O Murus é uma pessoa muito talentosa. Além de ser uma pessoa inteligente, ter conhecimento sobre ervas medicinais, conhecer bem a região da Floresta Proíbida, ele também tem habilidades de caça e arquearia, sendo capaz de matar até mesmo monstros com suas flechadas. Ele é um personagem extremamente versátil.

 

Juntos, o Gamz e o Murus, são capazes de proteger os outros personagens muito bem até.

 

Além de tudo isso, ele também sabe um tipo de magia capaz de manipular a natureza até certo ponto, e ele usou para fazer a secagem da madeira. O que teria demorado meses para ser feito, ele conseguiu fazer em apenas alguns minutos… esse cara é talentoso pra caramba, né?

 

O único problema é que por algum motivo, eu não consigo ver nenhuma informação além do nome quando eu clico em cima dele. Talvez isso esteja acontecendo porque ele não é fiel ao Deus do Destino… ou então simplesmente porque os outros aldeões não conhecem o Murus muito bem e tratam ele como se ele fosse apenas um convidado.

 

Deve ter algum jeito de fazer os personagens de fora se juntarem à vila, mas eu ainda não sei quais condições eu tenho que cumprir pra isso acontecer.

 

— Ah… como eu queria que você se juntasse aos aldeões, Murus.

 

Mesmo sabendo que não adianta de nada falar isso em voz alta, eu não consegui evitar.

 

Mudando de assunto, o interior da caverna parece ser bem mais confortável do que eu esperava. O estilo de vida dos aldeões melhorou drasticamente, agora eles podem dormir em camas de verdade e além disso eles modificaram a caverna para ficar mais aconchegante e eles têm tudo que precisam para fazer as tarefas domésticas.

 

Antes, o interior da caverna era bem escuro porque não havia nenhum tipo de buraco ou “janela” para a luz poder entrar lá, mas agora eles acenderam algumas lamparinas que estavam próximas às paredes.

 

A lamparina é alimentada por um minério fictício chamado “Koseki”, que é original do mundo do jogo.

 

Tudo isso é… muito conveniente, conveniente demais, mesmo sendo só um jogo.

 

Eu acho que mesmo se eu tivesse usado outro milagre no lugar do que eu usei, outra pessoa guiaria os aldeões até aqui. Isso provavelmente faz parte do script do jogo.

 

Existem diversas frutas e plantas comestíveis próximas à caverna, inclusive, tem um rio cheio de peixes bem perto de onde eles estão. Ah é, além disso, o Gamz e o Murus trouxeram a carne de alguns animais selvagens que eles conseguiram caçar nas redondezas.

 

Antes os aldeões estavam tendo que racionar a comida que tinham, mas agora comida é a última coisa que vai faltar, graças à natureza da floresta. O único problema seria no inverno.

 

— Nesse tipo de jogo, nunca adianta ficar vivendo de caça e dependendo da natureza. A melhor alternativa sempre é conseguir uma fonte estável de alimentos, o ideal aqui seria começar um plantio...

 

Pelo o que eu me lembro, a família do Rodis costumava ter uma pequena fazenda antes de virem parar aqui. Então eles provavelmente têm o conhecimento necessário de agricultura.

 

O solo de lá é fértil e rico em minerais, então é adequado para começar um cultivo de comida.

 

Como eu gastei muitos pontos para trazer o médico, agora eu tô economizando para se precisar no futuro.

 

Nos últimos dias, mesmo não tendo nenhuma instrução especial para dar pros personagens, eu continuei enviando oráculos mesmo assim. Para eles não se sentirem abandonados e a fé diminuir. E é isso que eu vou fazer daqui a pouco, enviar outro oráculo.

 

Por incrível que pareça, fazer isso é bem complicado. Agora eu tenho que escrever um texto, sem um objetivo específico, ganhar Fate Points e manter a dignidade de um Deus ao mesmo tempo. Recentemente, procurar histórias que possam ser usadas aqui no jogo virou parte da minha rotina.

 

Aff, os oráculos não têm rendido muito, enfim, melhor pensar mais sobre isso depois.

 

Agora, minha maior prioridade é pensar sobre o que que eu vou fazer com meus pontos.

 

— Por enquanto estamos bem de comida, mas ainda assim eu quero dar um jeito de começar a cultivar alimentos. Além disso, a Layla tinha falado que ela queria dar um jeito de conseguir temperar a comida.

 

Desci a página de coisas que podiam ser compradas com Fate Points e acabei encontrando algo que me chamou atenção na área de Familiares.

 

Assim que cliquei para ver mais detalhes, a descrição foi aberta.

 

— Golem: um fantoche humanoide. Entende e age de acordo com comandos simples. Não precisa descansar, pode trabalhar o dia todo sem parar. O jogador poderá controlá-lo usando um controle ou o teclado e mouse.

 

Incrível…

 

Os golems são criaturas comuns do gênero de fantasia. Todo mundo que lê ou joga já deve ter visto um desses pelo menos uma vez. Normalmente, os golems são representados como humanoides gigantes de pedra. 

 

O bom é que como eles não se cansam, dá para usá-los pra fazer o trabalho pesado o dia todo. Um golem removeria por completo a necessidade de usar os personagens pro trabalho manual.

 

O melhor de tudo é que eu mesmo vou poder controlá-lo. 

 

Até agora eu me sentia apenas como um espectador de mãos atadas, sem poder intervir diretamente. Mas com um golem, a história seria diferente!

 

Ai como eu quero um desses! Por mim, eu clicava no botão de comprar agora mesmo.

 

O único problema é que eu não tenho pontos o suficiente, e pra inteirar seria muito caro.

 

— O foda também é que depois se depois que eu conseguir juntas pontos o suficente, gastar tudo me deixaria sem ter como realizar outros milagres.

 

E aí o que será que eu faço, hein? Talvez um mercador ambulante pudesse melhorar a vida dos aldeões um pouco.

 

Mas no fundo, no fundo, eu prefiro economizar meus pontos caso alguma emergência aconteça.

 

Só que se eu tivesse um golem, as chances de algo dar errado e virar uma emergência seria praticamente nula.

 

Fora que além de ser útil em batalhas e poder ser controlado diretamente, o golem também poderia ajudar com o trabalho manual.

 

Pra conseguir mais pontos, eu preciso pagar. E pra conseguir pagar, eu preciso ter o dinheiro na vida real, mas todas as minhas economias já acabaram.

 

— Será que não tem nenhum outro jeito de ganhar Fate Points através dos aldeões mesmo? Sem ter que gastar dinheiro de verdade…

 

Eu estava olhando os personagens do jogo trabalhar enquanto pensava nisso, pouco tempo depois eles haviam se juntado. Parece que eles estão carregando um dos troncos de madeira processados, só que esse tá meio diferente. O que será que eles vão aprontar agora, hein?

 

— Irmão, será que não é blasfêmia fazer assim?

 

— Chem, o que vale é a intenção. Deus está nos vigiando, tenho certeza de que ele vai entender seus sentimentos.

 

Gamz gentilmente acaricia a cabeça de sua irmã, parece que ela está um pouco menos tensa agora.

 

Como sempre, os dois estão próximos um do outro. Às vezes, parece que a Chem sente algo além de amor platônico pelo irmão. Pelo menos é o que me parece.

 

— Vocês fizeram um altar e colocaram uma estátua de Deus nele?

 

— Exatamente, Murus. Infelizmente não ficou tão impressionante assim. Eu me sinto um pouco mal por ver Deus sendo representado de uma maneira tão rudimentar, mas… nós precisávamos de um lugar para poder orar e fazer oferendas.

 

Hmm… então é um altar? 

 

Dentro de uma grande caixa de madeira, tem uma escultura de carvalho… não dá pra distinguir se é um homem ou uma mulher. O Gamz fez a parte pesada desse serviço, mas pelo visto quem teve a ideia  de fazer o altar mesmo foi a Chem. Apesar dos pesares, eu acho que os aldeões fizeram um trabalho incrível com as ferramentas que eles tinham em mãos.

 

O altar ficou um pouco maior que o Gamz de altura. Sendo sincero, eu gostei bastante do que eles fizeram.

 

Chem colocou algumas frutas que ela recolheu lá fora como oferenda.

 

É uma das que os personagens mais gostam de comer. A fruta é bem estranha, apesar de ter um formato de uma pera, ela é bem vermelha. Sempre que eu via eles comendo, eu ficava curioso sobre o gosto.

 

Após todos, com exceção ao Murus, oferecerem suas orações ao altar, a fruta de repente começou a brilhar.

 

Enquanto eu estava vendo aquele estranho fenômeno acontecer diante de meus olhos, o brilho atingiu seu pico, e depois já não havia mais nada em cima do pedestal.

 

— Ué?

 

Fiquei igual um bobo de boca aberta vendo aquilo.

 

— Obrigada, Deus.

 

Os aldeões não ficaram nem um pouco surpresos, diferente de mim.

 

Mesmo depois da fruta brilhar um monte e sumir.

 

— Ahh… então como os deuses realmente existem no mundo do jogo, é normal as oferendas desaparecerem assim?

 

— Países diferentes possuem culturas e costumes diferentes. Se você ver por esse lado, talvez não seja muito estranho que um mundo diferente, algumas leis da física também sejam diferentes.

 

Ave Maria, o que que eu tô falando? É só um jogo, cara.

 

Por causa dos gráficos realistas, em algum momento eu esqueci que era só um jogo e comecei a achar que estava assistindo eventos reais de outro planeta por uma câmera.

 

— Eita… agora que fui ver, meus pontos aumentaram?

 

Depois da oferenda que os personagens fizeram, meus Fate Points subiram consideravelmente.

 

Como eu já esperava, uma mensagem apareceu na tela do computador.

 

— Além dos sentimentos de gratidão, oferendas também podem aumentar a sua quantia de Fate Points. Quanto mais valiosa a oferenda, mais pontos você receberá. Juntos, vamos dar nosso melhor para as oferendas dos aldeões valerem a pena!

 

Hmm… interessante saber que quanto mais valiosa a oferenda mais pontos eu recebo.

 

Mas eu não quero incomodar os aldeões com isso, qualquer oferenda pra mim já é válida, então talvez seja uma boa ideia pedir para que eles me ofereçam as coisas que não precisarem mais.

 

— Tuas oferendas chegaram até mim. Tua homenagem foste reconhecida, tal qual teus sentimentos de gratidão e o valor material do tributo. Contudo, não desejo que ofereça aquilo que fará falta para ti. Lembre-se, tu estás livre para abdicar de tudo aquilo que não precisar mais, eu aceitarei de bom grado. Teus pensamentos positivos, tua fé e teus bens materiais hão de ser convertidos em milagres.

 

Será que ficou bom? Me esforcei mais que o normal dessa vez, haha.

 

Vish… e se eles pensarem que eu tô implorando pra eles me darem tudo quanto é lixo? 

 

Nah, tá de boa. Eu confio nos aldeões, eles têm um coração puro.

 

Eu tava um pouco apreensivo, mas depois de enviar o oráculo, a reação dos personagens me deixou tranquilo e um sorriso se abriu em meu rosto.

 

— A humildade de Deus é infinita…

 

— Ele se importa com nós!

 

Eles são puros, puros até demais e isso me preocupa. Eles são tão ingênuos que se eles estivessem aqui na Terra, eles acabariam caindo em alguma fraude, ou seriam enganados por um culto religioso suspeito.

 

Parando pra pensar… não é basicamente isso que tá acontecendo com eles agora?

 

Enfim, eu vou aceitar de braços abertos mesmo se for lixo, o importante é que todos os itens dão pontos, nem que seja um só.

 

Depois disso eu passei um tempo navegando pela internet, procurando alguma coisa que possa ser útil para ajudar os aldeões… Até chegar ao ponto em que meus olhos ficarem cansados de tanto encarar o monitor.

 

Quando olhei para janela, a fim de descansar a vista, notei que o céu já estava avermelhado e o sol se pondo.

 

— Caramba… o tempo passou voando, hein. Já tá anoitecendo, nem parece que faz tudo isso de tempo desde que eu comecei a jogar o Village of Fate hoje.

 

Depois de ficar tanto tempo sentado, mexendo no computador, eu decidi parar e dar uma pausa pra descansar um pouco–

 

— Yoshio! Chegou uma entrega pra você!!

 

Minha mãe começou a me chamar lá de baixo. Dessa vez sua voz soou um pouco mais impaciente que o normal.

 

Será que eu ganhei algum sorteio de novo?

 

Pô, eu queria mesmo era ganhar na loteria, não esses sorteiozinhos… Mas de pouquinho e pouquinho, a galinha enche o papo, né?

 

Quando terminei de descer as escadas, minha mãe estava me esperando com uma caixa nas mãos.

 

— Nossa, filho. Que caixa pesada. O que tem dentro?

 

— Ah, o endereço do remetente, deixa eu ver…

 

— Tá escrito “Vilarejo do Destino”.



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