Volume 1
Capítulo 6: O Irmão Ideal e o Irmão Inútil
Todos os aldeões começaram a limpar o interior da caverna enquanto o Gamz descansava.
O bom é que algumas vassouras e outras ferramentas de limpeza foram deixadas para trás por aqueles que trabalhavam lá.
Após ver os aldeões fazendo os preparativos para viver em um lugar mais seguro, eu suspirei de alívio. Mas de repente, uma coisa interessante aconteceu.
Tinha um ícone com formato daqueles balões de pensamento acima da cabeça do Gamz, com a palavra “sonho” escrita dentro.
Que estranho, imagino que isso seja alguma outra mecânica do jogo que é visível somente para mim.
— Pra que será que esse ícone serve? Tipo, pelo o que eu entendi, significa que o Gamz está sonhando, mas…
Por que o jogo está me dizendo isso?
— Será que acontece alguma coisa se eu clicar em cima do balãozinho?
E foi isso que eu fiz, eu levei o cursor até onde estava o balão de pensamento e cliquei nele.
Assim que eu cliquei, a tela do jogo mudou para uma cena completamente diferente.
Que isso? O Gamz tá sonhando com esse lugar?
No monitor está sendo exibido um beco escuro, depreciativo, com cores monótonas e tons de cinza para todos os lados. É como se eu estivesse na periferia de alguma grande cidade.
Está nevando, o teto das casas e as ruas de pedra estão pouco a pouco ficando cobertas de neve.
As ruas são iluminadas por alguns postes que possuem uma lamparina acesa pendurada, a luz ajuda a enxergar as ruas um pouco melhor no escuro, mas… comparado aos postes de luz atuais isso não é nada.
Um jovem garoto e uma menininha estão andando de mãos dadas nessa gelada noite.
Se ainda estivesse de dia, seria uma visão um tanto quanto bonita de se ver, mas o lugar e a situação que eles estavam era meio triste…
A expressão no rosto do jovem rapaz era sombria, e a garota parecia que estava prestes a chorar.
O garoto estava vestindo uma armadura de couro. Imagino que ele seja ou algum espadachim ou um caçador já que ele está carregando duas espadas consigo, uma mais longa nas costas e uma curta na cintura.
— Gamz… pra onde a gente tá ino?
— Pra qualquer lugar que seja longe daqui, Chem.
Ele tá sonhando com o passado…?
A situação parece meio pesada… como se algo ruim tivesse acontecido.
Tadinha da Chem… parece estar tão frio e mesmo assim eles estão andando pelas ruas.
— Por que a gente tá indo embora? Eles não vão ficar preocupados?
— Não é como se eles fossem nossos pais de verdade. Sendo sincero, a gente já devia ter saído de lá faz tempo.
— Mas se a gente não voltar pra casa logo… ele vai ficar beeeem brabo com nóis.
Assim que a pequena Chem disse isso, sua mão começou a tremer um pouco… e eu tenho certeza que não é por causa do frio.
— Nós nunca mais vamos ver aquele homem de novo, então tá tudo bem. E não é como se aqueles dois fossem nossa família de verdade mesmo.
Gamz parou um pouco para fazer carinho na cabeça de sua irmã mais nova. Ele tentou sorrir para deixá-la mais tranquila, mas… sua expressão ainda estava séria.
Pelo o que eu entendi até agora… parece que eles estão fugindo de casa, né?
Provavelmente a família deles era extremamente abusiva e o Gamz teve a ideia de fugir de casa junto com a irmã.
Eles continuaram caminhando por um tempo, mas a Chem começou a andar cada vez mais devagar. Até que chegou um ponto em que ela parou e se agachou no chão.
— Eu não aguento andar mais…
Gamz se agachou do lado dela, seus olhos pareciam um pouco tristes e arrependidos.
— Desculpa, Chem. Por fazer você ter que passar por isso…
Gamz ofereceu as costas para que sua irmã subisse e eles continuassem andando.
O rosto da Chem, que antes parecia triste, prestes a chorar, agora parece um pouco mais aliviado.
Logo eles voltaram a andar, só que dessa vez num ritmo mais lento.
— Irmão… Acho que o papai e a mamãe odeiem a Chem… talvez eu tenha sido uma má menina… eles sempre estavam nervosos comigo.
— NÃO! Chem… você nunca foi uma criança ruim…
Gamz acabou perdendo a compostura e gritando, seu corpo começou a tremer de raiva. Isso acabou assustando a Chem um pouco sem ele nem mesmo perceber.
— Eles estão errados… eles, eles que são pessoas horríveis!
— Mesmo se você não tivesse se comportado bem… Pai nenhum no mundo cogitaria vender a própria filha no mercado de escravos!
O Gamz está hiperventilando, ele perdeu a calma por completo depois de lembrar disso.
Esses dois viviam em um ambiente muito mais horrível do que eu imaginava… os pais deles eram como monstros.
— Chem, você precisa parar de pensar naqueles dois como se eles fossem nossa família, eles são uns lixos de pessoa. Aqueles dois nojentos não queriam trabalhar de jeito nenhum, então eles viviam pedindo empréstimos, quando eles finalmente atingiram o fundo do poço… aquele desgraçado imundo quis te vender para pagar as dívidas. Eu sinto muito, muito mesmo, Chem… eu queria esperar até conseguir me tornar um caçador estável, mas… eu devia ter saído de lá com você o quanto antes…
.
— Eu fiquei feliz quando você veio me salvar.
— Chem, vamos ser felizes juntos… vamos esquecer tudo se divertir vivendo juntos, só eu e você.
— Sim! Eu te amo, maninho!
Chem abraçou o Gamz por trás e esfregou seu rosto na nuca de seu irmão.
— Assim fica fácil de entender porque ela gosta tanto do irmão, a ponto de ter ciúmes dele…
A imagem voltou ao interior da caverna, mostrando o Gamz deitado em uma das camas dos quartos improvisados que os mineiros haviam cavado. O sonho havia terminado.
Quando me dei conta, já estava amanhecendo. Eu estava exausto, e minha vista já estava doendo de tanto ficar olhando pro monitor do computador no escuro, então eu resolvi sair um pouco do PC e ir pro banheiro.
Assim que abri a porta do quarto, a porta do cômodo ao lado estava abrindo também.
— Ué, hoje é feriado?
Sem querer acabei pensando em voz alta quando vi a última pessoa que eu pensei que eu ia encontrar logo agora.
Fiquei tanto tempo enfurnado no meu quarto que eu tinha perdido a noção de tempo, eu nem tinha percebido a semana passando de tão entretido que eu estava com aquele jogo novo. Será que já é domingo?
Eu estava super cansado quando saí do quarto, mas assim que vi quem estava na minha frente, qualquer sinal de sono na minha cara sumiu na hora.
Puta merda, que timing desgraçado pra sair do quarto!
Minha irmã está na minha frente e ela parece SUPER nervosa.
Ao contrário do Gamz, eu não me dou nem um pouco bem com a minha irmã.
Minha irmã mais nova, a Sayuki, tem um rosto bem bonito, até mesmo eu que sou irmão dela consigo reconhecer sua beleza. Quando a gente estava na escola, muitos garotos se confessavam pra ela, e ela sempre vinha me pedir conselhos quando isso acontecia.
Agora que ela é adulta, ela ficou ainda mais bonita…
Minha irmã puxou só as características boas dos nossos pais, já eu…
O cabelo dela vai até os ombros, é super liso e sedoso. Somado aos seus olhos afiados e brilhantes ela transmite uma aura meio distante.
A nossa diferença de idade nem é tão grande assim, mas ver ela em seu auge enquanto eu estou nesse estado me dá um pouco de inveja.
— Desculpa, eu estava indo pro banheiro.
Eu disse isso e fui em direção ao banheiro do segundo andar mesmo.
Na verdade, eu também queria comer alguma coisa lá embaixo, mas… é melhor eu deixar isso de lado por enquanto.
— Tudo bem. Contanto que você não use o banheiro lá de baixo.
Ela disse isso com um tom de desaprovação, e um leve toque de raiva misturada com desprezo em sua voz. Mas tudo bem, eu já estou acostumado com esse tipo de tratamento.
Não é como se eu tivesse o direito de dizer alguma coisa, e também não estou afim de ficar reclamando. Minha irmã trabalha e ganha dinheiro pra casa, diferente de mim ela não é só uma despesa a mais.
— Eu sei.
— Argh, que patético… pelo menos revide um pouco. Aposto que você pensa que eu sou burra…
Não consegui ouvir o resto do ela estava dizendo porque ela já tinha terminado de descer as escadas.
Nós costumávamos nos dar bem e ter uma boa relação como irmãos, mas agora eu estou nesse estado deplorável.
O motivo é óbvio. Após eu ter desistido de tudo, nossa relação foi por água abaixo e agora nos tratamos como se fôssemos estranhos. Mas o ponto de virada mesmo, foi quando eu parei de buscar um emprego, depois disso até iniciar uma conversa com ela ficou difícil.
Na época, eu… enfim, melhor deixar isso de lado. Não adianta eu ficar remoendo o passado sendo que já passou, não é como se eu pudesse voltar no tempo para fazer as coisas diferente mesmo.
Pelo visto, ver o passado do Gamz acabou me deixando um pouco depressivo.
Um irmão ideal, confiável, e um irmão inútil de merda… Depois de ver aquilo, eu não consegui evitar me comparar com ele.
Aposto que se a minha irmã pudesse escolher, ela gostaria de ter o Gamz como irmão e não eu.
Droga, ficar pensativo assim não combina comigo, acabei perdendo o apetite por causa disso.
Após isso eu voltei para meu quarto e fiquei no Village of Fate até anoitecer.
Mesmo depois de tudo aquilo que aconteceu, eles continuam seguindo em frente mesmo tendo uma vida muito mais difícil que a minha. Eles trabalham em conjunto, se ajudam, e respeitam uns aos outros.
A Chem está sorrindo enquanto traz água pros outros.
O Gamz está patrulhando mesmo estando ferido.
E eu estou remoendo meus arrependimentos.
………
— Eu quero ser alguém melhor.
Eu sempre acabo ficando surpreso quando penso em voz alta sem querer.
Poucos segundos após eu falar aquilo sozinho, alguma coisa caiu em cima da minha mão.
E então eu comecei a sentir algo escorrendo pelo meu rosto – a fonte, os meus olhos.
— Ah… por que que eu tô chorando? Haha… droga… se eu me arrependo o suficiente pra chorar, então por quê…? Por que eu nunca tentei fazer nada pra mudar isso… por que que eu fico sentado aqui o dia inteiro?
Eu estava emocionado, as lágrimas não paravam de pingar pelo meu queixo.