Volume 1

Capítulo 11: A Calmaria Antes da Tempestade

 

Após terminar de jantar, fui até o jardim olhar o céu noturno com o meu pai - as estrelas estavam lindas. 

 

— Você já decidiu onde quer trabalhar?

 

— Por enquanto eu tô em dúvida entre três opções, amanhã eu vou ir marcar as entrevistas.

 

— Posso saber por que você está procurando um trabalho de meio período?

 

— No final do mês vai acontecer um evento lá no Vilarejo do Destino e… eu quero ajudar fazendo uma doação.

 

Mal posso acreditar no quão naturalmente eu tô conseguindo conversar com meu pai. A conversa está fluindo tão bem que chega a ser estranho.

 

— Ah, então amanhã vai ser o grande dia, hein…

 

Ele acreditou…?

 

Será que eu ouvi certo?

 

— Você tem algum tipo de emprego específico em mente?

 

— Não exatamente, tipo, eu provavelmente vou dar o meu melhor em qualquer emprego que eu conseguir, mas lidar diretamente com outras pessoas está fora de cogitação pra mim. Por isso, trabalhar como recepcionista ou em alguma coisa parecida seria impossível. Então eu tô procurando um trabalho mais braçal, sabe?

 

 — Sim, entendi. Olha, já que você está tão motivado assim… eu posso pedir pra um amigo meu te ajudar. 

 

Fico feliz pela oferta, mas… eu tenho medo de acabar te desapontando novamente, pai… eu não quero ver a história se repetindo.

 

— Yoshio. Saiba que eu continuarei sendo seu pai. Independente de quantos anos você tenha, não importa o que aconteça - eu sempre serei seu pai. Você não precisa ter vergonha de me pedir ajuda. Pedir apoio aos pais é diferente de depender deles para tudo. Se tem algo que você realmente deseja fazer, é seu dever aproveitar de tudo que puder, incluindo da sua própria família. É isso que amadurecer significa.

 

É impressão minha ou… o meu pai quer que eu conte com a ajuda dele mais vezes?

 

Por algum motivo, eu acabei vendo um semblante do Rodis no meu pai agora. O Rodis sempre está tentando fazer com que sua filha conte mais com ele e evite tentar fazer tudo sozinha.

 

Apesar de ser muito mais velho que a Carolzinha, a minha situação não é muito diferente.

 

— Então… Pai, por favor me ajude.

 

Quando foi a última vez que eu me curvei assim pro meu pai e pedi ajuda?

 

— Certo. Já volto.

 

Meu pai foi jogar o lixo fora e então voltou para a sala de estar, dentro de casa.

 

Essa é a minha chance de se redimir.

 

Não posso trair as expectativas do meu pai de novo, eu não vou decepcioná-lo outra vez.

 

Meu coração estava a mil e a parte de trás da minha camiseta colava nas minhas costas de tanto que eu havia transpirado durante a conversa.

 

Sinto que não estou fazendo o suficiente por eles e isso me deixa angustiado.

 

— Yoshio, pode ir se trocar? Vê se encontra uma roupa mais confortável.

 

Após terminar de conversar no telefone, meu pai pediu que eu me arrumasse.

 

— Ok. Vou ver se eu tenho algum conjunto bom de moletom que já dê pra usar agora.

 

— Perfeito. Quando você terminar, vem aqui.

 

Talvez ele tenha encontrado um serviço pra mim.

 

— Ah, eu ainda não fiz um currículo.

 

— Tudo bem, não tem problema.

 

Será que vai ser uma entrevista então? De qualquer forma, não custa nada tentar.

 

Em seguida, fui pro meu quarto trocar de roupa.

 

Minhas mãos estão tremendo. 

 

Droga, que raiva. Mesmo depois de tudo isso, parece que meu corpo ainda não está preparado pra enfrentar uma situação dessas.

 

O desejo de mudar enquanto eu chorava… era uma farsa? Mesmo depois de tudo aquilo, eu… ainda não estou pronto para ser uma pessoa melhor?

 

Sério isso?

 

Quando olhei em direção ao monitor do meu PC, vi a Chem e o Gamz checando o perímetro da cerca da caverna.

 

A Carol já tinha ido dormir, a Layla estava contando quanta comida eles tinham sobrando e o Rodis analisando as ferramentas e os móveis da caverna.

 

Eles veneram um Deus que não trabalha, um vagabundo qualquer…

 

Eu sou o Deus do Destino, eu não posso ficar parado - eles precisam de mim.

 

Obrigado… do fundo do meu coração, pessoal. Vocês são a minha motivação para melhorar, para mudar. Graças a vocês eu consegui reunir a coragem que eu precisava pra dar esse próximo passo.

 

Bati as palmas da mão nas bochechas para despertar e tirar qualquer vestígio de pensamentos negativos da minha cabeça.

 

— Tchau, pessoal.

 

Terminei de me arrumar e fechei as portas.

 

Quando cheguei do lado de fora de casa, meu pai estava na rua me esperando dentro do carro.

 

— Pai, eu acabei me esquecendo de perguntar, mas… esse trabalho que o senhor arranjou pra mim é sobre o quê?

 

— Faxina. Pelo o que ouvi, estavam com falta de mão de obra para realizar a limpeza de um supermercado. Fiquei sabendo que um dos funcionários de lá pediu demissão recentemente, então aceitaram te empregar de braços abertos.

 

Hmm… então eu vou ser um faxineiro? Quando eu estava na faculdade, eu ajudava na limpeza de vez em quando. Eu costumava passar o aspirador de pó no chão, mas eu aprendi a fazer algumas outras coisas também. Bons tempos.

 

Logo estacionamos o carro em frente a um pequeno supermercado. As luzes ainda estavam acesas, mesmo que o horário comercial já tivesse terminado.

 

— Opa! Eu tava te esperando! Poxa, me disseram que você era sedentário, mas… até que você tá em forma, né?! Haha… Sério, de verdade mesmo, obrigado por vir, estávamos precisando de mais gente aqui.

 

Ele deu uns tapinhas nos meus ombros enquanto falava isso. Era um homem forte, boa pinta e estava vestindo um uniforme de faxineiro. Ele parecia ter por volta da mesma idade que meu pai.

 

Pelo visto ele sabe das minhas circunstâncias. Ufa, me sinto mais tranquilo agora.

 

— É um prazer te conhecer!

 

— Deixo o resto com vocês. Vou indo agora. Tchau, filho.

 

Meu pai se despediu, voltou pro carro e começou a dirigir em direção a nossa casa. Quando ele saiu, senti um frio na barriga, eu estava ansioso - esfregando minhas mãos uma na outra, um pouco nervoso e sem saber o que fazer agora.

 

Droga, não sei se vou conseguir manter as aparências se continuar assim.

 

— Relaxa, colega. Não precisa ficar tenso, é só fazer o que a gente pedir. Se tiver alguma coisa que você não entender ou souber direito, é só perguntar pra mim ou pra eles dois ali. 

 

Eu tenho que ganhar dinheiro pro jogo, por eles… se eu desistir aqui, eu vou me sentir péssimo.

 

— Ah, então você é o cara novo? Olha, é melhor tomar cuidado e não quebrar nada aqui. Se não, o bixo vai pegar.

 

— Para de graça, seu pateta.

 

— Nossa, você é bem alto. Limpar as lâmpadas fluorescentes no teto vai ser bem fácil pra ti.

 

Na minha frente, duas pessoas estavam de pé, um homem e uma mulher. Logo eles começaram a se aproximar para me comprimentar. A idade deles parece ser um pouco diferente um do outro, mas pelo visto eles estão na mesma faixa etária que eu. Graças a Deus eles não são mais novos que eu. 

 

Diferente de mim, eles parecem ser bem sociáveis.

 

Lembre-se, Yoshio. Você é apenas um novato qualquer aqui. É melhor eu deixar o meu orgulho de lado e aceitar que não sou perfeito. Eu vou dar o meu melhor, mas cometer erros vai ser natural… eu só não posso esquentar a cabeça com coisa boba.

 

Respirei fundo e olhei nos olhos deles.

 

— Espero que possamos nos dar bem!

 

Dizendo isso, me curvei para comprimentá-los de forma respeituosa.

 

……………………

 

— Você vai poder vir amanhã também?

 

— Sim. Eu vou.

 

— Ufa, que notícia boa. Ah, antes que eu esqueça de avisar: amanhã vai ser no turno da noite também, mesma pegada que hoje, fechou? Enfim, amanhã eu passo na sua casa pra te buscar.

 

— Muito obrigado por hoje. Até mais.

 

— Muito obrigado digo eu, haha. Te vejo amanhã.

 

No caminho para casa, me perguntei como seriam as coisas no meu próximo dia de trabalho.

 

Tanto o meu chefe quanto os outros dois empregados foram bastante atenciosos e gentis comigo. Graças a eles, eu consegui ficar calmo e seguir as instruções certinho.

 

O que eu acabei percebendo foi que eu tinha medo de trabalhar por ser uma experiência que eu nunca tive antes, mas no fim das contas acabou sendo uma coisa muito mais simples do que eu imaginava. Acho que qualquer um que tentar, cedo ou tarde vai conseguir.

 

Eu estava tão desesperado procurando motivos para não arranjar um emprego que esse tempo todo eu não fiz nada além de dar desculpas a mim mesmo.

 

Por causa do que falavam na internet, a imagem que eu tinha na minha cabeça era completamente distorcida e diferente da realidade.

 

Muitas e muitas vezes eu tentei… Tentei mudar para melhor, mas só depois de conhecer o Village of Fate que a minha vida começou a ir pra frente.

 

Saí de dentro do veículo e gentilmente abri a porta da frente de casa, evitando fazer qualquer barulho. Já são três da madrugada e todos já devem estar dormindo.

 

O trabalho não foi difícil nem nada, mas como eu precisava me mover bastante, pra lá e pra cá, eu acabei suando um monte. O suor ainda não secou e agora minha camisa tá toda grudenta. Não vejo a hora de tomar um banho.

 

— Nossa, fazer a faxina de um supermercado é mais cansativo do que eu pensava.

 

Imagina se eu não tivesse usado um aspirador a vácuo industrial pra tirar o pó e secar o chão molhado...

 

Talvez eu tenha exagerado um pouco no meu primeiro dia e agora meu corpo tá todo dolorido. Meus braços e minhas pernas pareciam estar falhando e sem força.

 

Após terminar a faxina, eu fiquei encarregado de levar várias coisas para lugares diferentes e também limpei alguns dispositivos e ferramentas que usamos durante o serviço.

 

Enquanto eu estava indo em direção ao banheiro, depois de acender as luzes da sala, vi algo em cima da mesa de jantar pela minha visão periférica.

 

Na mesa, tinha uns onigiris e um prato de omurice fechado com outro prato em cima e um papelzinho escrito alguma coisa.

 

Tá escrito…

 

— Obrigada pelo trabalho duro, Yoshio… você deve estar com fome agora. Coma tudo, ok.

 

Minha mãe tem treinado sua caligrafia bastante, só que… parece que ela escreveu às pressas, ficou um pouco estranho, mas ainda dá pra saber que é a letra dela. A comida também parece estar fresca, provavelmente quando ela preparou isso tudo já era bem tarde, aposto que a minha mãe já estava cansada e com bastante sono também.

 

Em seguida, ajeitei uma das cadeiras da cozinha, sentei e me preparei para jantar.

 

O prato ainda estava morno. A primeira coisa que peguei para comer foi um onigiri.

 

Estava um pouco salgado, mas ainda assim foi a coisa mais deliciosa que eu lembro de já ter comido na minha vida. Pelo menos antes de ter saído para ir trabalhar.

 

— Realmente, o melhor tempero para a comida é a fome. Ainda mais depois de um dia cheio como hoje.

 

Após terminar de comer, respirei fundo e fui andando em direção ao banheiro.

 

Chegando lá, percebi que o ambiente estava um pouco úmido e quente, como se alguém tivesse acabado de tomar banho.

 

Abri a tampa da banheira e… já estava cheia de água. Coloquei a mão dentro, pra sentir se a água estava gelada ou não, mas para a minha surpresa a temperatura estava ótima, do jeito que eu gosto.

 

— Até isso fizeram pra mim…

 

Ou melhor, a minha mãe deve ter feito tudo isso por mim. Só pode ter sido ela. Quem mais deixaria a banheira pronta pra eu tomar um banho a essa hora da madrugada?

 

— Obrigado por tudo, mãe…



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