Volume Único
Capítulo 8: Seu nome
Tenho ganhado alguns hábitos sem perceber.
Por exemplo, tocar o pescoço quando estou estressado. Quando lavo o rosto, olho nos meus olhos refletidos no espelho. Mesmo estando apressado durante a manhã, observo a vista ao sair. E por fim, encaro a palma da minha mão sem nenhum motivo.
<A próxima parada é Yoyogi, Yoyogi.>
Uma voz eletrônica anuncia e eu volto a perceber o que estou fazendo. Paro de olhar para a minha mão direita e observo por fora da janela. Várias pessoas estão passando suavemente lá fora.
Do nada, meu corpo amortece. Um pouco mais além, lá está ela, pensei.
Foi frustrante esperar o trem parar, quando as portas se abriram, corri para fora do trem. Girei meu corpo na tentativa de encontrá-la. Inúmeras pessoas passavam por mim e me olhavam com suspeitas. Finalmente me acalmei. Não há nada para procurar. Não há ninguém para encontrar.
Provavelmente é outro hábito que desenvolvi sem perceber. Mais uma vez volto a encarar a palma da minha mão. Estou procurando por algo, não sei o que, mas já tem um tempo que estou procurando.
— O motivo por ter vindo até esta empresa é porque me interessei pela visão da cidade, assim como a visão dos prédios, a visão geral das pessoas que vivem aqui.
O rosto do entrevistador diante de mim se distrai ligeiramente. Penso que a causa é o barulho. Esta empresa é a primeira onde chego na entrevista secundária. De jeito nenhum vou falhar dessa vez.
— Há muito tempo, não entendi a mim mesmo, mas... eu gosto disso, gostava de observar os edifícios, de ver as pessoas que vivem por aqui e trabalham. Então vinha frequentemente para um restaurante por essa área. Consegui um emprego de meio período...
— Entendo. — Um dos entrevistadores falou enquanto se recostava na cadeira. — Poderia nos dizer porque não uma empresa alimentícia, mas sim uma de construção?
Quem perguntou foi uma mulher de meia idade que parecia a única gentil entre as quatro pessoas. Finalmente percebi que me confundi e estava falando sobre motivação. O suor encharcou o terno novo.
— Foi porquê... eu gostava de atender clientes, mas queria me envolver com algo maior...
Algo maior, isso era a resposta de um estudante de ensino médio. Podia sentir meu rosto ficando vermelho.
— Em outras palavras, ...nunca se sabe quando Tóquio pode desaparecer. — O rosto dos entrevistadores estavam se fechando. Percebendo que estava tocando o pescoço, ponho minhas mãos sobre os joelhos em pânico. — Então mesmo que desapareça, mesmo que Tóquio desapareça, eu faria uma cidade capaz de aquecer as memórias das pessoas.
Oh não. Não faz sentido falar isso. Enquanto olhava para um prédio cinzento atrás do entrevistador, senti como se quisesse chorar.
— Quantas entrevista você já teve? — Takagi perguntou.
— Eu não conto! — Rebati sua pergunta.
— Não imagino você sendo aceito. — Tsukasa falou com deboche.
— Não diga isso!
— Talvez seja o terno que não combina com você! — Takagi fala sorrindo.
— Não somos tão diferentes.
— Eu tenho duas ofertas de emprego.
— Eu tenho oito.
Não tenho o que dizer em resposta. A xícara de café balança com a minha mão tremendo de humilhação.
Pirorin.
O celular na mesa faz um barulho. Vejo a mensagem, bebo o restante do café com um gole e me levanto da cadeira. A propósito, lá no ensino médio, nós três vínhamos muito para essa lanchonete. De repente me lembrei que depois de sair com Takagi e Tsukasa, fazia um pequeno passeio até a estação. Era um dia a dia comum naquela época. Eu não tinha que me preocupar com o meu futuro emprego e o dia era divertido de uma forma simples. Especialmente no verão. Foi por volta do segundo ano do ensino médio, sinto como se aquele verão fosse realmente divertido. Me sentia animado com tudo que estava diante dos meus olhos. Por qual motivo? Pensei, mas já tinha chegado à conclusão de que não havia nada particularmente especial. Era apenas uma época divertida.
... ya, esse não era o sotaque de uma garota?
Enquanto pensava vagamente sobre essas coisas, desci as escadas da estação.
— Hey, está procurando por emprego hein.
Tirando os olhos do celular, Okudera-senpai fala ao ver o meu terno. A entrada da estação Yotsuya está cheia da presença refrescante dos estudantes saindo dos colégios.
— Ah, não tive muita sorte.
Ao ouvir minhas palavras, ela começa a me olhar da cabeça aos pés, por fim ela diz:
— Talvez porque seu terno não fica bem em você?
— Ehh... Estou tão mal assim? — Digo olhando para o meu corpo.
— Haha, estou brincando! — Senpai fala com um grande sorriso no rosto.
Caminho ao lado da senpai por um tempo enquanto seguimos pelas ruas de Shinjuku contra a onda de estudantes. Passamos por Kioicho e pela ponte Benkaku. Percebi que as árvores já estavam com as folhas coloridas. Aproximadamente metade das pessoas já usavam um casaco. Okudera-senpai também estava usando um longo casaco marrom claro.
— O que houve com você hoje, ligando de repente? — Perguntei à senpai enquanto eu notava que não percebi uma estação passar.
— O quê, — senpai me encarou — não posso te ligar se não tiver um motivo?
— Não, não, não! — Balanço minhas mãos em pânico.
— Não está feliz por me ver depois de um longo tempo?
— Sim, claro que estou. — Mostro meu sorriso satisfeito como resposta.
— Já que eu vim aqui à trabalho, pensei em passar para te ver. — Senpai falou.
Senpai trabalha para uma grande empresa de roupas, ouvi dizer que agora ela está em uma filial em Chiba. Senpai acha bastante divertida a vida a vida no subúrbio, mas Tóquio é divertida de uma forma especial, ela fala essas coisas enquanto tosse um pouco.
Quando estávamos atravessando a passarela, havia um outdoor eletrônico. Ele mostrava imagens aéreas da grande cratera “Desastre do Cometa Tiamat faz oito anos”.
— Nós fomos para Itomori uma vez, não fomos?
Estreito meus olhos ao tentar lembrar dessas memórias distantes.
— Você ainda era um estudante do ensino médio, então isso foi...
— Há cinco anos atrás. — Eu completo a frase.
— Faz tanto tempo... — Senpai suspira levemente como se estivesse surpresa. — De alguma forma, me esqueci de várias coisas sobre aquela época.
Também acho isso. Nós descemos da passarela, andamos pela rua Okihori na prefeitura de Akasaka. Bom, acho que vou rever minhas memórias daquela época.
Verão do segundo ano do ensino médio. Não, foi no começo do outono. Fiz uma curta viagem com Tsukasa e Okudera-senpais. Fomos até Gifu pelo expresso de Shinkansen e de lá viajamos através das linhas locais sem nenhum propósito. Isso mesmo, por lá entramos em uma loja de ramen que estava bem ao lado da estrada. Então... daí em diante as lembranças estão embaçadas como memórias distantes de uma vida anterior. Me pergunto se brigamos, me lembro de que agi de forma estranha. Eu subi em uma montanha sozinho, passei a noite lá e depois voltei sozinho para Tóquio.
Certo. Naquela época, estava muito interessado com o evento do cometa.
Estava até mesmo desenhando sobre isso.
Os fragmentos do cometa destruíram uma cidade, um desastre natural muito raro na história da humanidade. No entanto, naquela noite, como se por um milagre, a maioria dos habitantes da cidade escaparam. Naquela noite em que o cometa caiu por coincidência a cidade de Itomori estava fazendo uma evacuação, a maioria das pessoas da cidade estavam fora da área afetada.
Coincidência e sorte, me lembro que vários rumores surgiram após o desastre. O fenômeno sem precedentes e a sorte extraordinária das pessoas da cidade eram o suficiente para despertar a imaginação de muitas pessoas. Os discursos elogiavam ou questionavam a autoridade do prefeito que obrigou a cidade a evacuar com bases nas lendas da cidade, várias acusações irresponsáveis eram feitas todos os dias. A estranha informação de que toda a área estava sem energia cerca de duas horas antes do impacto também estimulava a imaginação das pessoas, já que era originalmente um lugar isolado. O entusiasmo do mundo continuou até o programa de ajuda às vítimas foi estabelecido, mas como muitos outros casos, o assunto sobre a vila Itomori morreu logo que a estação chegou ao fim.
Mesmo assim, eu mantive o interesse. Até mesmo desenhei o lago da vila. Além disso, minha curiosidade só surgiu anos depois do ocorrido. Esse entusiasmo todo veio subitamente e de repente sumiu sem deixar rastros. O que foi aquilo?
Bem, tanto faz agora. Olho para a cidade de Yotsuya, que está se afundando na escuridão e penso, agora não importa mais. Acho que posso deixar isso para trás. Agora devo me concentrar em encontrar um emprego.
O vento passa e balança os longos cabelos de Okudera-senpai. Como se viesse de muito longe, um cheiro doce chega até mim. Ao sentir esse cheiro meu coração se aperta e dói.
— Obrigado por passear comigo hoje. — Senpai falou.
Duas pessoas estão comendo em um restaurante italiano em que eu costumava trabalhar nos meus dias de escola.
— Taki-kun, se lembra que naquela época eu te disse para me pagar o jantar apenas quando tivesse se formado no colegial?
Coisa que não consigo me lembrar, como sair para jantar com a Okudera-senpai, mesmo assim senti orgulho por isso.
— Nós trabalhávamos em um restaurante tão delicioso, não era?
— Provavelmente servíamos uma refeição barata.
— E não notamos isso por tantos anos.
Nós rimos. Senpai ria de uma maneira muito agradável. Um fino anel brilhava em seu dedo anelar quando ela acenou com a mão.
— Algum dia, você também vai ser feliz.
Senpai me disse que ia se casar e eu não consegui responder direito, disse apenas palavras comuns de celebrações. Além disso, eu não fiquei animado. Ou talvez fiquei um pouco ao ver ela descendo as escadas da passarela. Mas não entendo nada sobre felicidade.
De repente olho para a palma da mão. Somente a ausência estava lá.
Estou sempre procurando por alguém, ou alguma coisa.
Antes que eu percebesse, a estação mudou novamente.
Passaram-se vários tufões e um inverno frio e chuvoso chegou. O som da chuva soava como memórias de conversas antigas. A iluminação de Natal piscava na janela onde a chuva batia.
Bebi uma xícara de café no copo de papel enquanto pensava, deixei meus olhos voltarem para o caderno. Mesmo agora, em dezembro, fiz cuidadosamente um calendário de busca de emprego.
Dia da entrevista, horário de chegada, plano de entrevista. Desde a principal empreiteira até o escritório de design, a fábrica Shimomichi, cansado da agenda do smartphone acabei comprando uma de papel. Vou organizar os pontos principais e escrevê-los no caderno.
— Acho que eu gostaria a uma feira de noiva, mais uma vez.
Se misturando com o som da chuva, uma conversa de pessoas desconhecidas soa familiar de alguma forma. Um casal está fazendo planos para uma cerimônia de casamento, que me lembrou de Okudera-senpai, mas sua voz e seu jeito são completamente diferentes. Há um certo sotaque misturado, a conversa feminina me passa uma sensação agradável que me é familiar. Acabo ouvindo um pouco mais a conversa dos dois.
— Já estou cansado. Fomos a várias dessas feiras de noivas e todas parecem iguais. — Aquele que parece ser o noivo responde.
— De jeito nenhum, gosto do estilo da cerimônia Shinto¹.
— Mas seu sonho era se casar em uma capela.
— Mas só vou fazer isso uma vez na vida, não posso decidir tão facilmente.
O homem protestou enquanto eu tomava um gole do café. A mulher o ignorou, ...., ela pensou um pouco antes de continuar.
— E Tesshi, você devia tirar essa barba antes do casamento. — Minha mão que segurava o copo de café para imediatamente. Eu não sei por quê, mas meu coração bateu mais rápido. — Eu também vou perder 3 quilos.
— Você vem dizer isso enquanto come um bolo?
— Vou começar a partir de amanhã!
Me viro para olhar.
Eles já se levantaram da mesa e estão pondo seus casacos. O homem é alto e tem a cabeça raspada. A mulher é pequena e seu cabelo dá uma impressão quase infantil. Eu não consigo desviar o olhar das suas costas por algum motivo. A voz de um funcionário os diz “Obrigado” e eles saem da lanchonete.
Quando saí da loja, a chuva já tinha virado neve.
Devido à umidade da atmosfera, mesmo com a neve caindo a cidade ainda é estranhamente quente, sinto como se estivesse na estação errada. Sinto que há um segredo escondido em alguém que passa. Olho para trás, mas continuo andando.
Vou andando até chegar na biblioteca do distrito. O ar aqui dentro parece mais frio do que lá fora. Me sento em uma cadeira e abro o livro que peguei na estante. É um álbum de fotos intitulado “A Cidade Desaparecida Itomori · Registro Completo”.
A fim de conservar o livro velho, vou lentamente virando as páginas.
A escola primária. A escadaria do santuário. O torii. Um pequeno cruzamento ferroviário. Um grande estacionamento. Dois bares lado a lado, o colégio. A estrada que leva à prefeitura, o asfalto velho e rachado.
Essa é uma paisagem comum que se encontra por todo o Japão. Viro a página pensativo. Então me pergunto por que meu coração fica tão apertado ao ver o cenário natural de uma cidade que já não existe.
✧ ✧ ✧
Algum tempo atrás eu tinha a forte sensação de procurar por algo.
Enquanto olhava a luz da janela de alguém durante a volta casa, enquanto comprava alguma coisa na loja de conveniência e enquanto unia² as cordas do sapato, de repente me lembrava de algo.
Bem, eu costumava procurar por algo. Não, eu procurava alguém.
Enquanto lavo o rosto e olho para o espelho, enquanto ponho o lixo para fora, enquanto olho para o sol da manhã na saída do prédio, sempre penso amargamente.
No fim das contas não me lembro de nada.
Mesmo desanimado, continuo seguindo em frente. Não era isso que eu procurava? Seguir em frente, viver, respirar e caminhar, correr, comer, buscava uma vida normal nessa cidade?
Só mais uma vez, quero encontrar só mais uma vez. Apenas mais uma vez é o suficiente.
Não sei o que estou procurando, mas continuo procurando.
As flores de cerejeira estão florescendo, a longa chuva lavou a cidade, as nuvens brancas se erguem, o vento gelado sopra e cerejeira floresce novamente. Os dias passam mais rápido. Me formei na faculdade e estou trabalhando. Pela manhã, observo minha mão direita ao acordar.
Encontrar só mais uma vez é o suficiente.
Desejo enquanto eu amarro meu cabelo no espelho. Uso o terno de primavera. Abro a porta do apartamento e olho para a paisagem de Tóquio diante de mim. Subo as escadas da estação, atravesso a barreira de tickets e entro em um trem agitado. O pequeno céu azul visível através da cabeça das pessoas está claro.
Da porta do trem eu vejo o exterior. As pessoas também estão se amontoando nas construções, ônibus e passarelas. Um ônibus leva 100 pessoas, um trem leva 1.000 pessoas, uma cidade leva 1.000 trens. Queria poder continuar observando por mais um tempo.
Naquele momento, quando não estou procurando, eu encontro.
De repente, eu encontro.
Essa pessoa que está no trem que percorre a mesma distância põe a mão no vidro da janela. Olhando diretamente para mim, está tão surpreso quanto eu. E agora sei o que sempre desejei encontrar.
Apenas um metro de distância, ela está lá. Eu nem sei seu nome, mas sei quem é ela. Mas nossos trens se afastam gradualmente e outro trem desliza entre nós. Ela desaparece. Mas eu finalmente sei o que sempre procurei.
Pelo menos mais uma vez, queria te encontrar.
Só mais uma vez, queria estar ao seu lado.
Me apresso a sair quando o trem para, eu corro pela cidade. Estou procurando por ela. Estou convencido de que ela também está procurando por mim. Já me encontrei com ela ante. Não, pode ser minha imaginação. Pode ter sido um sonho. Pode ser uma ilusão como uma vida passada. Ainda assim, eu, nós, queríamos estar um com o outro um pouco mais. Só quero estar ao seu lado mais uma vez.
Enquanto corro pela encosta, eu penso. Por que estou correndo? Me pergunto por que estou procurando por ele. Talvez eu também saiba a resposta. Talvez não me lembre, mas meu corpo sabe disso. Entro em um beco estreito, é uma escada.
Quando olhando para baixo, ele está lá.
Lutando para não começar a correr, eu lentamente começo a subir as escadas. Um vento passa e um cheiro de flores me alcança. Na escada, ela está lá de pé. Mas eu não posso olhar diretamente para ela, a olhava apenas pelo canto dos olhos. Ela começa a descer as escadas. O som do seu sapato é suave como a primavera. Meu coração está quase saindo do peito.
Estamos nos aproximando sem tirar os olhos um do outro. Ele não diz nada e eu não consigo dizer nada. E sem conseguir falar, vamos passando um pelo outro. Naquele momento, todo o meu corpo dolorosamente congela. É absolutamente errado que sejamos estranhos. É como se fosse contra a estrutura do universo e a lei da vida. Portanto...
Eu me viro. Ao mesmo tempo, ela também me olha. Com os olhos bem abertos, ela está lá. Seu longo cabelo amarrado com uma corda da cor do sol. Todo o meu corpo treme ligeiramente.
O encontrei. Eu finalmente o encontrei. Não quero chorar, pensei, mas eu notei que já estava chorando. Vendo minhas lágrimas, ele ri. Eu também sorrio enquanto choro. Respiro o ar da primavera.
Abrimos a boca ao mesmo tempo.
E falamos como crianças que estão imitando um ao outro.
— Qual o seu nome?
Fim.
Notas:
1 Cerimônia de casamento tradicional japonesa.
2 A palavra que Taki usa para descrever essas ações é musubi