Volume Único
Capítulo 6: Reconstituição
No momento em que acordei, eu soube.
Me agitei e olhei para o meu corpo. Dedos finos. Pijama familiar. Uma protuberância no peito.
— Mitsuha...
Essa voz. A garganta fina. O sangue, a carne, os ossos e a pele. Mitsuha estava aqui, quente e viva.
— …Viva!
Eu me abracei. Lágrimas fluíram. Como uma torneira quebrada, os olhos de Mitsuha deixaram cair grandes gotas de lágrimas. A alegria que o calor dessas lágrimas me trouxeram me fez chorar ainda mais. O coração preso dentro das minhas costelas bateu excitado. Enrolando meus joelhos, apertei minhas bochechas contra eles. Querendo abraçar a totalidade do corpo de Mitsuha, me enrolei tão apertado quanto podia.
Mitsuha.
Mitsuha. Mitsuha.
Era um milagre, um milagre que abriu caminho através do vasto reino das possibilidades e chegou até aqui, agora.
— ...Onee-chan, o que você está fazendo? — Yotsuha estava ao lado da porta aberta.
— Ah... minha irmãzinha — murmurei com minha voz soluçante. Yotsuha também estava viva, olhando atônita para sua irmã mais velha acariciando seus próprios seios, mesmo enquanto lágrimas corriam pelo seu rosto. — Youtshaaaa!
Corri em direção Yotsuha, indo para um abraço. Infelizmente, no entanto, fui recebida com uma porta que se fechou bem na minha frente.
— Vovó, vovó! — Eu podia ouvir gritando enquanto seus pés desciam rapidamente a escada. — Mitsuha finalmente enlouqueceu! Ela está completamente doida!
Que menina rude, está reclamando mesmo que eu tenha atravessado o tempo para vir salvar esta cidade!
✧ ✧ ✧
Quando me vesti e desci as escadas, uma apresentadora da NHK estava conversando alegremente na TV. Olhei para ela, de pé com uma postura intimidadora, a fim de me livrar da sensação apertada de vestir uma saia, algo que não sentia há muito tempo.
“O cometa de Tiamat, que está visível a olho nu desde a semana passada, alcançará sua rota mais próxima à terra aproximadamente às 7:40 esta noite. Espera-se que o cometa esteja o mais brilhante possível neste momento. No clímax tão aguardado deste espetáculo astronômico, que ocorre apenas uma vez a cada 1200 anos, várias celebrações...”
— …Esta noite! Ainda dá tempo! — Meu corpo começou a tremer de excitação.
— Bom dia Mitsuha. Yotsuha saiu primeiro hoje. — Me virando, vi vovó de pé.
— Vovó! Você está ótima! — Instintivamente corri até ela. Julgando pelo bule que segurava em um prato, ela provavelmente estava planejando tomar um chá na sala de estar.
— Hm? Você... — Vovó tirou os óculos e examinou meu rosto intensamente. — ...Você não é Mitsuha, não é?
— O qu... — Como!? Um sentimento de culpa me dominou, como quando você começa quando faz algo ruim que você tinha certeza que ninguém iria descobrir e então fica exposto. Mas espere, isso pode realmente ser conveniente. — Vovó... você sabia?
Sem parecer particularmente perturbada, a vovó se sentou e disse: — Não. Mas recentemente, ver você me fez lembrar. Quando eu era jovem, lembro que tive um sonho estranho.
Sério!? Bem, então isso vai ser fácil de resolver. Não esperava nada a menos da família do folclore japonês. Enquanto eu também sentava ao lado da mesa, a vovó me serviu um pouco de chá.
Bebendo do copo, ela continuou falando. — Realmente foi um sonho estranho. Ou, em vez de um sonho, era mais como a vida de outra pessoa. Era como se eu tivesse me tornado um garoto desconhecido em uma cidade desconhecida.
Engoliu em sego. Exatamente o mesmo que nós.
— Mas um dia aqueles sonhos pararam de repente. Tudo o que me lembro agora é o vago fato de que tive um sonho estranho. Quem me tornei durante esses sonhos ou quaisquer detalhes como esse desapareceram de minha memória.
— Desapareceram…
Repeti essa palavra, como se fosse o nome fatídico de uma doença grave. Eu também esqueci o nome de Mitsuha por um tempo. Tinha começado a acreditar que tudo era apenas uma ilusão. O rosto enrugado da vovó tinha um leve tom de solidão.
— Portanto, valorize o que você está experimentando agora. Não importa o quão especial é, um sonho ainda é um sonho no final. Uma vez que você acorda, ele acabará por desaparecer. Minha mãe, sua mãe e eu tivemos um período semelhante em nossas vidas.
— Então... isso quer dizer?
Um pensamento súbito apareceu em minha mente. Talvez isso fosse um dever da família Miyamizu. A fim de impedir o desastre que ocorre a cada 1200 anos, lhes foi dado o poder de se comunicar através dos sonhos com alguém no futuro. O dever da donzela do santuário. Um sistema de alerta que vem de geração em geração através da linhagem Miyamizu.
— Os sonhos de todas as pessoas da família Miyamizu... todos levavam ao dia de hoje! — Enfrentei vovó diretamente nos olhos e falei. — Vovó, escute. — Ela levantou o rosto. Sua expressão permaneceu ilegível para mim, não dando nenhuma dica sobre como estava reagindo às minhas palavras. — Hoje à noite, um meteoro vai cair na Vila Itomori e todo mundo vai morrer. — Agora, as sobrancelhas estavam franzidas em suspeita.
✧ ✧ ✧
Ninguém jamais acreditaria nisso, vovó tinha respondido. Parecia uma reação tão normal, diferente da vovó, pensei enquanto corria para a escola. Acredita na parte de trocar de corpo durante os sonhos, mas não na parte sobre um meteorito caindo? Que diabos, vovó?
Já havia passado da hora de estar atrasado, não havia quase ninguém por perto. As vozes dos pássaros das montanhas ecoavam de um lado para o outro. Uma manhã comum e pacífica na aldeia. Tinha que cuidar dos meus próprios negócios, pelo que parece.
— Não vou deixar uma única pessoa morrer! — Proclamei a mim mesmo. Acelerei minha corrida. Apenas meio dia até o impacto.
✧ ✧ ✧
— Mitsuha, s-seu cabelo!
Apenas sentei na minha mesa e Teshigawara e Saya-chin já estavam de boca aberta e com olhares espantados.
— Ah, meu cabelo? Será que está melhor antes? — Perguntei, escovando a ponta do meu cabelo na altura dos ombros com a minha mão. Mitsuha tinha cortado de repente um bom pedaço de seu cabelo longo. Gosto do cabelo longo então não gostei muito do corte, mas de qualquer maneira, agora não é hora para isso! — De qualquer forma! — Olhei para Teshigawara, cuja boca estava tão aberta tão quase emitia um som e Saya-chin, cujos olhos pareciam estar observando minha alma, então continuei. — Todo mundo vai morrer hoje à noite!
Imediatamente, a agitação na sala de aula abruptamente parou. Os olhares de todos os meus colegas se voltaram para mim.
— M-Mitsuha, o que diabos você está dizendo!?
Saya-chin se levantou, nervosa, e Teshigawara agarrou meu braço. Enquanto me arrastavam para fora da sala de aula, finalmente cheguei à conclusão sensata que, obviamente, eles não iriam acreditar em mim. Assim como a vovó disse, dizer de repente para as pessoas acreditarem em tal afirmação ridícula não daria certo. Me deixei levar pela emoção ao ser capaz de trocar de novo, tinha pensado que daria certo de alguma forma, mas talvez haveriam mais problemas do que o esperado.
...Ou aparentemente não, pelo menos no que diz respeito a Teshigawara.
— ...Mitsuha, você está falando sério?
— Sim! Hoje à noite, o Cometa de Tiamat vai se dividir e criar um meteorito, que provavelmente vai cair nesta aldeia. Não posso dizer sei disso, mas minhas fontes são confiáveis, prometo!
— ...Isso é um grande problema!
— Espere um segundo, você está levando isso a sério Tesshi? Eu não sabia que você tão idiota assim. — Saya-chin, no entanto, não foi tão fácil de convencer. — Que fontes você poderia ter, afinal? A CIA? NASA? Confiável? Porque está fingindo ser espiã? Mitsuha, o que está acontecendo com você!?
Pensando desesperadamente em alguma forma de a convencer através do senso comum de Saya-chin, tirei todo o dinheiro na carteira do Mitsuha. — Por favor, Saya-chin. Você pode comprar o que quiser com isso, apenas me escute! — Usei a expressão mais séria que podia e me curvei implorando.
Saya-chin olhou para mim, parecendo um tanto surpresa. — Para uma pão duro como você dizer isso...
Hã? Mitsuha? Pão duro? Isso é engraçado, me lembro de Mitsuha jogando fora pilhas do meu dinheiro como uma idiota!
Saya-chin deu um suspiro de resignação. — ...Eu não tenho ideia do que está acontecendo, mas acho que vou pelo menos ouvir o que você tem a dizer. Tesshi, me dê a chave da sua bicicleta.
Enquanto reclamava de como todo o dinheiro de Mitsuha não dava para comprar mais do que alguns doces, Saya-chin começou a andar em direção à entrada. Bem, isso é bom. O dinheiro não era suficiente, mas parece que pelo menos ela entendeu minha sinceridade.
— Estou indo para a loja de conveniência. Tesshi, vigia Mitsuha. Hoje ela não está normal.
✧ ✧ ✧
Enquanto Saya-chin estava na loja, Teshigawara e eu fomos para uma sala sem uso e começamos a criar um plano de evacuação para a aldeia. O objetivo geral era deslocar as cerca de 500 pessoas que vivem em 188 casas dentro da faixa de destruição para uma área segura antes do tempo de impacto de meteorito. A primeira opção que veio em nossas cabeças foi uma transmissão de evacuação em massa.
Sequestrar a residência do primeiro-ministro, sequestrar o prédio da Dieta Nacional¹, sequestrar o centro de transmissão da NHK em Shibuya, espera, não seria suficiente apenas sequestrar o escritório em Takayama? Depois de alguns minutos de sugestões totalmente ridículas, percebemos que não havia sequer uma garantia de que todos na cidade estariam com seus televisores ou rádios ligados, especialmente porque muitas pessoas estariam no festival de outono. De volta à estaca zero.
— ...O sistema de alerta de desastre! — Gritou Teshigawara de repente.
— O sistema de alerta de desastre?
— Hã? Não me diga que você não sabe. Os alto-falantes em toda a cidade?
— Ah... oh, aquele que começa a falar de manhã e à noite? Quem nasceu e quem morreu e outras coisas.
— Sim, todo mundo definitivamente vai ser capaz de ouvir isso, fora ou dentro de casa. Se pudéssemos controlar isso!
— Hm, mas como? Isso é transmitido da prefeitura, certo? Eles nos deixarão usar se pedimos?
— Claro que não.
— Então qual é o plano? Sequestrar a prefeitura? Bem, isso é muito mais realista do que sequestrar NHK...
— Hehehe. — Com um riso um tanto assustador, Teshigawara começou a digitar algo em seu telefone. Ele certamente parece estar animado com isso. — Nós podemos usar isso!
Olhei para a tela do celular que ele estendeu para mim. Uma explicação das “frequências sobrepostas”.
— Huh... isso é de verdade? — Teshigawara assentiu com orgulho em resposta. — Por que você sabe essas coisas, Tesshi?
— Bem, você sabe, estou sempre pensando nesse tipo de coisa antes de adormecer. Destruição da aldeia, derrubada da escola. Todo mundo pensa nisso também, certo?
— Eh... — Eu estava um pouco assustado, mas... — De qualquer forma, isso é ótimo! Pode funcionar! — Disse e, sem pensar, envolvi meu braço em torno do ombro de Teshigawara.
— H-Hey, não fique tão perto!
Ele estava vermelho até os ouvidos. “Ooh o Tesshi está corando, hm?” Ele riu com para o rosto de baixo. Parece que Mitsuha estava indo melhor do que eu pensava. Empurrei meu corpo contra o dele mais um pouco. Nós dois estávamos sentados em um velho sofá, com Teshigawara bem contra a parede, então não havia para onde correr.
— Ei, Mitsuha, pare! — Teshigawara torceu seu corpo em resistência. Ele é um cara, afinal. Bem, eu também sou. De repente, ele subiu na parte de trás do sofá e gritou: — Pare! Não é bom ter um filho antes do casamento!
— Huh... — Olhando para cima, vi que estava vermelho até o topo de sua cabeça raspada, suor escorrendo de seu rosto, parecia que ele estava prestes a chorar. — Hahaha! Tesshi...
Incapaz de me conter, caí em gargalhadas. Esse cara era definitivamente alguém que eu poderia confiar. Sempre tinha pensado nele como um amigo, mas agora percebi que queria conhecê-lo pessoalmente, com meu corpo e conversar. Eu, Mitsuha, Teshigawara, Saya-chin, Tsukasa, Takagi, Okudera-senpai... se pudéssemos estar todos juntos, sem dúvida seria divertido.
— Desculpe, Tesshi. Estava tão animada por você ter acreditado em mim. — Falei ao Teshigawara de mau humor, tentando segurar o riso. — Você pode me ajudar com o resto do plano de evacuação?
Ainda com o rosto vermelho, Teshigawara assentiu seriamente.
Quando tudo isso acabar, vou visitar esse cara também, pensei comigo mesmo.
✧ ✧ ✧
— BB-Bomba!? — gritou Saya-chin enquanto comia um bolinho.
— Bem, para ser preciso, gel explosivo. Tipo dinamite. — Teshigawara, enchendo batatas fritas em sua boca, explicou orgulhosamente.
Enquanto isso, eu estava comendo meu lanche, Marble Chocolate. Espalhado sobre a mesa estava a grande quantidade de comida que Saya-chin comprou na loja de conveniência. Parecia uma festa. E enquanto nós saboreávamos a nossa comida, Teshigawara e eu explicamos o nosso plano de evacuação cuidadosamente concebido para Saya-chin usando o mapa na nossa frente. Uma música de suspense seria perfeito como plano de fundo para a nossa estratégia.
Depois de beber 500mL de café com leite, Teshigawara continuou. — Há uma tonelada de explosivos no armazém da empresa do meu pai para uso em construção. Nós não temos que nos preocupar se alguém nos ver, então podemos levar o quanto quisermos.
— E em seguida — disse ao pegar um pão de melão. Estava realmente com fome por algum motivo, e acima de tudo, qualquer coisa que eu comia, enquanto estava no corpo de Mitsuha parecia excepcionalmente bom.
— S-sequestrar? — Saya-chin gritou novamente em descrença.
Teshigawara explicou, dessa vez enquanto comia pão de curry. — Da forma como o sistema de desastre sem fio da vila é configurado, é fácil controlar se você conhece as frequências corretas. Os alto-falantes ativam apenas detectam uma certa frequência sobreposta à sua voz.
Assenti com o meu pão de melão em uma mão. — Então, basicamente, podemos enviar instruções de evacuação de toda a cidade a partir da sala de radiodifusão da escola. — Apontando para o mapa, que apontou para o círculo desenhado, representando uma área de cerca de 1,2 km de diâmetro centrado no Santuário Miyamizu. — Esta é a zona de explosão esperada do meteorito. O colégio é aqui fora. — Apontei a posição do Colégio Itomori no mapa. — Assim nós podemos fazer do campus nosso local de evacuação.
— Isso... — Saya-chin começou a falar. — Isso faz de nós criminosos! — Ela reclamou enquanto mastigava o último morango em sua boca.
— Se nós não cometermos um crime não seremos capazes de tirar as pessoas desta zona — respondi friamente, tirando os chocolates espalhados sobre o mapa. Criminosos ou não, nós só tínhamos que tirar as pessoas de dentro deste círculo até hoje à noite.
— Mitsuha, é como se você fosse uma pessoa diferente...
Eu ri e dei uma grande mordida no meu pão de melão. Sempre que estou neste corpo meu discurso se torna um pouco mais feminino, mas já tinha desistido de tentar copiar o comportamento de Mitsuha há muito tempo. Enquanto eles estivessem seguros, nada mais importava. Enquanto eles vivessem, todo o resto se resolveria.
— Oh, a propósito, você vai fazer a transmissão, Saya-chin — informei a ela com um sorriso.
— Porque eu!?
— Você está no clube de radiodifusão, não é?
— Além disso, sua irmã transmite para a prefeitura. Apenas pergunte casualmente quais as frequências do sistema — acrescentou Teshigawara.
— Ehhh!?
Ignorando os protestos de Saya-chin, Teshigawara apontou para si mesmo alegremente. — E eu estou no comando dos explosivos!
— E, finalmente, preciso ir me encontrar com o prefeito — disse, apontando para mim.
Teshigawara explicou mais uma vez à Saya-chin muda. — Provavelmente poderemos iniciar a evacuação, mas no fim a única maneira de fazer com que todos os 188 domicílios sejam evacuados é fazer com que os oficiais da cidade e o corpo de bombeiros ajudem.
— É por isso que temos que convencer o prefeito — eu disse. — Se eu fizer isso direito, tenho certeza que ele vai ouvir a sua própria filha.
Teshigawara cruzou os braços e assentiu repetidamente, elogiando seu próprio plano perfeito. Eu sentia o mesmo. Embora possa parecer um pouco exagerado, não conseguia ver nenhuma outra maneira.
— Ah... — Saya-chin olhou para nós. Se ela ficou impressionada com o nosso plano ou espantada com a nossa estupidez, ou ambos, eu não sabia dizer. — Bem, parece que vocês pensaram em tudo isso... mas isso é apenas uma hipótese, certo?
— Eh? — Sua pergunta totalmente inesperada me deixou sem palavras. — Ah... não é hipotético, está mais para... — Se Saya-chin não estivesse a bordo, todo esse plano iria desmoronar. Eu procurava as palavras certas.
— Olhe para isto! — Gritou Teshigawara de repente, estendendo o celular. — Você sabe como o Lago Itomori foi formado?
Saya-chin e eu olhamos para a tela. No que parecia ser o site oficial da vila, um grande título dizia “Origem do Lago Itomori”. Junto com ele estava a frase “O lago do meteorito de 1200 anos atrás” e “extremamente raro no Japão”.
— Lago do meteorito! Pelo menos uma vez, um meteorito já caiu sobre esta cidade!
Ouvir Teshigawara dizer essas palavras fizeram com que algo se ligasse na minha cabeça. Antes que eu entendesse completamente o que era, minha boca já estava em movimento. — É-é isso! É por isso…
É por isso que havia uma imagem de um cometa lá atrás. Tudo ficou claro para mim. O cometa de Tiamat, que vem a cada 1200 anos. O lago Itomori foi formado por um impacto do meteorito há 1200 anos. Um meteorito vem a cada 1200 anos com o cometa. O desastre é previsível e, portanto, evitável. Essa foto era um aviso. Senti como se tivesse acabado de ganhar um aliado inimaginável. Minha excitação me fez incapaz de ficar quieto. Tudo, tudo estava em andamento há mais de mil anos!
— Boa, Tesshi! — Estendi minha mão que Teshigawara apertou com uma alegria entusiasta. Isso poderia funcionar. Isso funcionaria!
— Vamos fazê-lo pessoal! — Teshigawara e eu nos viramos para Saya-chin em uma harmonia tão grande que nossa saliva voou por toda parte.
✧ ✧ ✧
— …Do que você está falando?
Uma voz áspera, como a sensação de cortar papelão grosso com uma tesoura. Eu estava realmente começando a entrar em pânico. Em uma tentativa de evitar ser esmagado, levantei minha voz.
— Estou dizendo que devemos evacuar as pessoas apenas no caso–
— Fique quieta por um segundo.
Ele disse aquelas palavras em um tom normal, mas elas tinham força suficiente para me calar imediatamente. O pai de Mitsuha, o prefeito Miyamizu, fechou os olhos e se recostou na cadeira de couro do seu escritório, parecendo bastante irritado. Enquanto se movia, o couro fez um som rangendo. Depois de um momento, ele respirou fundo e olhou para fora da janela. As folhas tremiam nos raios brilhantes do sol da tarde.
— Um cometa se partirá em dois e cairá nesta cidade? Mais de quinhentas pessoas podem morrer?
Ele passou um tempo batendo seus dedos na mesa antes de finalmente se virar para mim. O suor escorria do lado abaixo dos meus joelhos. Aparentemente, quando Mitsuha está nervosa ela transpira.
— Eu sei que é difícil de acreditar, mas tenho evid–
— Como você se atreve a desperdiçar meu tempo com essas tolices! — Ele gritou de repente. — Acho que os delírios correm pelo sangue da família Miyamizu. — Franzindo o cenho, o prefeito murmurou baixinho, como se falasse sozinho. Então, lançou um olhar penetrante diretamente em meus olhos e disse — Se você está falando sério, então deve estar louca.
— O qu–
Eu não consegui falar. Nem uma única gota de toda a confiança que eu tinha apenas trinta minutos atrás na nossa reunião de estratégia permaneceu. A ansiedade de entrar em território desconhecido sem um plano foi piorando. Espere. Esta não é uma ilusão, e não sou louco. Eu–
— Vou arranjar um carro. — A voz do prefeito repentinamente se tornou cheia de preocupação e, enquanto discava alguém em seu telefone, ele disse — Procure um médico no hospital da cidade. Depois disso, se você ainda tem algo a dizer, podemos conversar. "
Essas palavras me deram um grande desconforto. Ele estava realmente me tratando, sua própria filha, como um louco. Quando percebi, todo o meu corpo ficou frio como se tivesse congelado. Apenas minha cabeça ficou cada vez mais quente, como se algo tivesse acabado de se inflamar: raiva.
— Não me venha com essa estupidez!
Eu gritei. Os olhos do prefeito se abriram. Antes que percebesse, eu o agarrava pela gravata. O telefone caiu ao lado da mesa, continuando a fazer um som de toque fraco.
— Ah...
Afrouxei meu aperto. Lentamente, nossos rostos se separaram. A boca do prefeito permaneceu aberta, tremendo ligeiramente de surpresa ou perplexidade. Nós não paramos de nos encarar. Cada poro no meu corpo tinha começado a suar.
— ...Mitsuha. — Finalmente, ele falou. — ...Não ...Quem é você?
Essas palavras permaneceram para sempre em meus ouvidos com uma sensação desagradável, como se um pequeno inseto tivesse entrado com o vento e ficado preso.
✧ ✧ ✧
Eu podia ouvir o toque fraco de um martelo vindo de algum lugar. Durante este tempo, o intervalo entre o meio-dia e o crepúsculo, o extremo silêncio da cidade faz com que até mesmo os mais distantes ruídos sejam audíveis. Clang, clang. Enquanto caminhava com vista para o lago, vi pregos sendo martelados em um pedaço de madeira grossa para justificar o barulho. Pregos de ferro, sendo empurrado para dentro de buracos escuros e estreitos na madeira, apenas para enferrujarem lentamente. Eles provavelmente estavam se preparando para o festival do outono no Santuário Miyamizu, pensei enquanto olhava para as lanternas de madeira revestindo as estradas.
— Até mais.
Ouvi a voz de uma criança. Olhando para frente, vi três crianças com mochilas acenando para outra no topo da colina.
— Sim, vejo você no festival.
— Na frente do santuário.
Depois de se despedir com seu amigo, um menino e uma menina vieram em minha direção, ambos com a mesma idade de Yotsuha.
...O Santuário. O lugar do impacto.
— Não vão para lá! — Quando o menino passou por mim, o agarrei pelo ombro. — Fuja da cidade! Diga aos seus amigos também!
O medo começou a aparecer no rosto dele. — Quem é você?
Enquanto ele afasta os meus braços tanto quanto podia, voltei aos meus sentidos.
— Onee-chan!
Yotsuha veio correndo com um olhar preocupado. Os outros dois filhos correram para ele. Isso não é bom. Sou apenas alguém suspeito.
— Onee-chan, o que você fez com eles!? — Yotsuha perguntou enquanto agarrava meus dois braços.
...Mas o que deveria fazer?
Olhei para o rosto de Yotsuha. Aguardei minha resposta inquieto. Se Mitsuha estivesse aqui...
— Se Mitsuha estivesse aqui... ela poderia tê-lo persuadido? Tudo deu errado por minha causa? — Ignorando olhares perplexos de Yotsuha, eu continuei. — Yotsuha. Antes do crepúsculo, pegue a vovó e saia da aldeia.
— Eh?
— Se você ficar aqui, você vai morrer!
— Eeeh? Onee-chan, do que você está falando? — Yotsuha levantou a voz, como se tentasse desesperadamente repelir minhas palavras. — Se controla! — Os olhos dela começaram a umedecer. Ela estava assustada. Olhando em meus olhos, se esticando o mais alto que podia, ela disse — De repente, foi para Tóquio ontem... Onee-chan, você está tão estranha ultimamente!
— Eh... — Uma onda de inquietação caiu sobre mim. Tóquio…? — Yotsuha, você acabou de dizer Tóquio?
— Heey, Mitsuha!
A voz de Saya-chin. Olhando por cima, vi Saya-chin na parte traseira da moto de Teshigawara, acenando para mim. Com um som de derrapagem no asfalto, eles pararam.
— Como foi a conversa com o seu pai? —Teshigawara perguntou ansioso.
Não podia responder. Estava completamente perdido. Eu não sabia mais o que pensar. O prefeito não acreditou na minha história. Além disso, ele perguntou a sua própria filha “quem é você?”. Eu o fiz perguntar isso. Será que falhamos porque eu estou no corpo de Mitsuha? Onde está Mitsuha agora? De acordo com Yotsuha, ela foi para Tóquio ontem. Por quê? Quando, exatamente, foi ontem?
— Mitsuha? — Teshigawara interrogou suspeito.
— O que aconteceu com sua irmã? — Perguntou Sayaka a Yotsuha.
Onde está Mitsuha? Onde eu estou?
...E se.
Olhei para cima. Além do mar de casas, contornos e montanhas empilhados em cima uns dos outros. Além disso, ficava a crista de uma única montanha, obscurecida por uma neblina azul e nebulosa. A montanha que eu subi. O shintai no cume. O lugar onde bebi o kuchikamisake. Uma brisa fresca soprou do lago, sacudindo o cabelo curto de Mitsuha. As mechas acariciavam delicadamente minhas bochechas, como a ponta dos dedos de outra pessoa.
— Ela está... lá? — Eu murmurei.
— Hã? O quê, o quê? O que há por lá?
Yotsuha, Saya-chin, e Teshigawara todos seguiram meu olhar. Mitsuha, se você estiver lá–
— Tesshi, me dá sua bicicleta!
Sem dar a chance de me responder, agarrei o guidão, montei na sela, e pedalei.
— O quê, ei Mitsuha!
O assento estava muito alto. Pedalando em pé, corri até a colina.
— Mitsuha, e o plano!? — Teshigawara gritou.
— Faça tudo de acordo com o plano! Estou contando com você!
Meus gritos ecoaram por toda a cidade tranquila. A voz de Mitsuha, saindo do seu corpo, refletida nas montanhas e no lago, preenchendo o ar por um momento. Como se estivesse tentando perseguir essa voz, pedalei tão rápido quanto conseguia.
✧ ✧ ✧
Alguém está batendo na minha bochecha. O toque é suave, usando apenas a ponta do dedo médio, de modo a não me machucar. A ponta do dedo está muito fria, como se tivesse segurado gelo há apenas alguns segundos. Quem no mundo está fazendo isso comigo em meu sono?
Eu acordo.
Hã?
Escuridão. Ainda é noite?
Alguém tocou minha bochecha de novo. Não, era água o tempo todo. Gotículas de água caíam em meu rosto. Sentada, eu finalmente percebi.
— ...Eu sou Taki-kun! — Disse em voz alta.
Depois de subir a escada de pedra estreita, sou recebida pelos raios penetrantes do sol da tarde. Os olhos de Taki-kun começaram a lacrimejar, talvez porque ele estivesse na escuridão por um longo tempo. Saindo dali confirmo minha suspeita: eu estava no shintai no topo montanha.
Por que Taki-kun estava aqui?
Confuso, deixo a sombra da árvore colossal e começo a vagar ao redor. Taki-kun usava uma jaqueta grossa e sapatos de caminhada com um grosso solado de borracha. Deve ter chovido recentemente. O solo era macio e úmido, gotas de água pontilhavam a grama. No entanto, o céu era azul claro. Nuvens finas cintilavam com a luz dourada enquanto o vento as carregava.
E, ao contrário do céu, minha memória era nebulosa. Cheguei na parte inferior da borda da depressão, ainda sem me lembrar de nada. Olhei para cima da colina. Agora, estou de pé em uma depressão parecida com uma grande caldeira. Se subir até lá, vou estar no cume da montanha. Comecei a subir. Enquanto subia, percorri minha memória. Tentava recordar o que eu estava fazendo antes. Por fim, agarrei os primeiros fragmentos.
Matsuribayashi². Yukata. Meu rosto e cabelo curto refletido no espelho.
...Isso mesmo.
Ontem foi o festival de outono e eu saí com Tesshi e Saya-chin em um yukata. Era o dia em que o cometa deveria estar mais brilhante, por isso queríamos vê-lo juntos. Sim, está certo. Por algum motivo, parecia uma lembrança de muito tempo no passado, mas isso foi ontem.
Tesshi e Saya-chin ficaram bastante surpresos com meu novo penteado. Tesshi tinha a boca tão aberta que quase fez um barulho. Eles estavam tão chocados que quase me senti mal por eles. Por todo o caminho até o nosso ponto de observação, eles sussurraram coisas como “talvez seja um coração partido depois de tudo” e “que tipo de suposição é essa... o que você é, um homem velho da Showa³?” fofocando pelas minhas costas.
Quando chegamos ao topo e viramos a curva final, em nossa frente estava o céu noturno, um cometa gigante apareceu de repente. A cauda atrás dele brilhava com um verde esmeralda deslumbrante, a frente era mais radiante do que a lua. Se focasse meus olhos, eu podia ver as partículas finas de poeira dançando em torno dele. Nós três esquecemos completamente a conversa e simplesmente olhamos para o espetáculo, completamente enfeitiçados.
Em algum momento, percebi que a cabeça do cometa tinha se partido em dois. Dos dois gigantescos e brilhantes pedaços, um deles parecia continuar se aproximando cada vez mais. Depois de um tempo, finas estrelas cadentes começaram a brilhar enquanto voavam ao lado da cabeça. Era como se as estrelas estivessem chovendo do céu. Ou não como se. Naquela noite, as estrelas realmente choviam do céu. O céu noturno tinha uma beleza incrível, como a cena de um sonho.
Finalmente, cheguei no topo da encosta. O vento frio tocou em minha pele enquanto soprava. Abaixo dos meus olhos, as nuvens se espalhavam por todos os lados, formando um tapete cintilante no céu. E embaixo, a sombra azul do lago Itomori.
Hã?
Isso está estranho.
Eu tremia muito, como se estivesse cercada por um bloco de gelo.
Em algum lugar ao longo do caminho, comecei a ficar com medo.
Eu estava tão assustada, ansiosa, desesperada, sem esperança de que senti que algo poderia acontecer com a minha cabeça. O suor frio saiu da minha pele, como se uma rolha estivesse solta.
E se.
Eu podia estar ficando louca. Eu podia ter enlouquecido há algum tempo sem perceber.
Assustada. Assustada. Tentei gritar, mas a única coisa que saiu da minha garganta era ar pegajoso. Contra minha vontade, minhas sobrancelhas começaram a se abrir. Meus olhos secos não podiam fazer nada, mas continuavam a olhar fixamente para o lago. Eu sabia. Eu percebi.
A Vila Itomori tinha desaparecido.
O Lago Itomori era um novo lago redondo e maior.
Era óbvio que isso iria acontecer, alguma parte dentro de mim pensava. Se algo assim caiu. Um pedaço de pedra tão quente e enorme.
Isso mesmo.
Naquele momento, eu.
Como se minhas juntas tivessem se quebrado, de repente caí de joelhos.
Eu... naquele momento.
O ar que saiu da minha garganta mal se tornou um som.
— ...Naquele momento, eu...
De repente, as lembranças de Taki-kun me inundaram. O desastre do cometa que destruiu uma aldeia. Taki-kun, que viveu em Tóquio três anos no futuro. No momento em que comecei a troca, eu já tinha partido. A noite as estrelas choveram do céu. Naquele momento, eu...
— Morri…
✧ ✧ ✧
Onde residem as memórias?
Na rede de sinapses do cérebro? Os nossos globos oculares, as pontas dos dedos também contêm memórias? Ou há um agrupamento invisível, sem forma, em algum lugar que as detém? Algo como o que as pessoas chamam de coração, mente ou alma. Você pode removê-los, como um cartão de memória?
Há pouco tempo, o asfalto tinha terminado, me deixando a pedalar por um caminho de montanha não pavimentada. O sol, que já estava baixo, piscava de um lado para outro nos espaços estreitos entre as densas árvores. O corpo de Mitsuha emitia um fluxo interminável de suor, fazendo com que suas franjas se prendessem à testa. Enquanto eu pedalava, afastava meu cabelo e o suor.
A alma de Mitsuha. Deve estar dentro do meu corpo. E minha alma está aqui, dentro do de Mitsuha.
Mas mesmo agora, estamos juntos.
Mitsuha, ou pelo menos os fragmentos de seu espírito, estão aqui. Por exemplo, as pontas dos dedos de Mitsuha memorizaram a forma e as texturas de seu uniforme escolar. Quando coloco o uniforme, ele se sente natural. Quando os olhos de Mitsuha encontram um amigo, eles ficam aliviados. Felizes. Posso dizer de quem a Mitsuha gosta e de quem ela não gosta apenas com essa sensação. Quando olho para a vovó, memórias que eu não devia saber flutuam pela minha cabeça, como um filme que está passando em um projetor meio quebrado. Corpo, memória e emoção estão inseparavelmente ligados.
Taki-kun.
Ouço a voz de Mitsuha vindo de algum lugar dentro do meu corpo.
Taki-kun. Taki-kun.
A voz dela tinha um forte tom de urgência, como se estivesse a ponto de chorar. Tremia, como o brilho solitário de uma estrela distante.
A imagem borrada começou a tomar forma.
Taki-kun, Mitsuha chamou.
— Você não... se lembra de mim?
E então me lembro de tudo: as memórias de Mitsuha daquele dia.
✧ ✧ ✧
Naquele dia, Mitsuha faltou a escola e pegou um trem.
Seu primeiro destino: uma grande estação que tinha conexões da linha de Shinkansen para Tóquio. Os trens locais estavam vazios, apesar de ser a hora do rush na manhã.
— Eu estou indo para Tóquio rapidinho.
Depois de sair de casa pela manhã, no caminho para a escola, disse isso de repente para Yotsuha.
— Ehh? Agora? Por que!? — Yotsuha, em estado de choque, perguntou.
— Umm... um encontro?
— Eh! Você tem um namorado em Tóquio!?
— Umm... não é o meu encontro... — Não foi possível dar uma boa explicação, Mitsuha começou a correr. — Vou estar de volta à noite, então não se preocupe!
Olhando a paisagem voando pelas janelas do Shinkansen, Mitsuha pensou. O que eu quero fazer indo para o encontro de Taki-kun e Okudera-senpai? É claro que nós três não podemos simplesmente sair juntos. Em primeiro lugar, nunca fui a Tóquio antes, então vou mesmo ser capaz de encontrar Taki-kun? Mesmo que o encontre, talvez que seja estranho ir de repente falar com ele. Ele ficaria surpreso? Irritado?
Ignorando os problemas de Mitsuha, o Shinkansen deslizava suavemente para a estação de Tóquio. Lutando para não ser varrida pela multidão de pessoas, Mitsuha tentou me ligar. O número de telefone que você ligou está fora de área ou desligado... Ela desligou. Como esperado, não funcionou.
Eu nunca vou encontrá-lo, ela pensou.
Ainda assim, ela tentou ao máximo, estudou o mapa da área circundante como se fosse uma questão em um teste antes de sair pela cidade.
Mas, pensou, se eu o encontrar...
Ela andou pela Linha Yamanote. No ônibus da cidade. De pé. Pelos trens novamente. Caminhou novamente.
O que eu deveria fazer? Talvez eu seja mesmo um incômodo. Provavelmente seria desajeitado... ou talvez–
Uma televisão nas ruas exibiu as palavras “Cometa de Tiamat: Passagem mais próxima amanhã”.
Ou talvez, se nos encontrarmos, talvez, apenas talvez...
Cansada de andar, Mitsuha parou em uma passarela e olhou fixamente para todos os edifícios brilhantes enquanto pensou, ou melhor, rezou.
Se nos encontrarmos, talvez Taki-kun fique pelo menos um pouco feliz.
Mitsuha saiu novamente e pensou um pouco mais.
Se eu continuar andando por aí sem rumo desse jeito, não vou ter nenhuma chance de encontra-lo. Não haverá nenhuma probabilidade de encontrá-lo, mas uma coisa eu sei com certeza. Se nos encontrarmos, saberemos imediatamente. Você era o único dentro de mim. E eu era a única dentro de você.
Disso ela estava absolutamente convencida, como um simples problema de adição que qualquer um tem 100% de chance de acertar.
O sol do entardecer, parecido com uma lanterna, visível através das aberturas do telhado da estação de trem, afundava cada vez mais. Mitsuha estava sentada em um banco, descansando seus pés doloridos. A luz do sol, muito mais fraca do que na Vila Itomori, refletiu nebulosamente em seus olhos. Um toque musical soou, seguido por uma voz automatizada: em breve, um trem local para Chiba chegará à quarta linha. Um trem amarelo deslizou para uma parada na frente da plataforma. O leve vento causado pela sua chegada sacudiu suavemente os cabelos de Mitsuha. Ela olhou inexpressivamente para as janelas do trem.
De repente, engoliu em seco.
Ela se agitou.
Em uma das janelas que acabou de passar, ele estava lá.
Mitsuha disparou a correr. O trem parou, e ela logo alcançou aquela janela. Tinha dificuldade em vê-lo entre as multidões. Com um barulho como o exalar de um gigante, as portas se abriram. Ela hesitou por um momento com as ondas de pessoas saindo do trem, mas logo reuniu a determinação e se empurrou através das massas, o suor molhando a parte de baixo de seus joelhos enquanto ela seguia. Como a respiração de outro gigante, as portas se fecharam. O trem partiu em movimento. Mitsuha avançou lentamente, murmurando repetidamente “desculpa”. Então, finalmente, ela parou na frente de um garoto. Todo o barulho parecia desaparecer ao seu redor.
Diante de seus olhos estava o eu de três anos atrás, ainda um estudante da escola secundária.
✧ ✧ ✧
Eu não posso ir mais longe de bicicleta.
Assim que esse pensamento passou pela minha mente, a roda da frente bateu em uma raiz e derrapou fora de controle. Instintivamente, agarrei um tronco de árvore nas proximidades, a bicicleta caiu para longe do meu corpo, no chão a cerca de três metros abaixo com um estrondo. As rodas estavam todas amassadas. Desculpe, Teshigawara, murmurei enquanto comecei a correr pelo caminho.
Por que eu esqueci? Por que não pude me lembrar todo esse tempo?
Enquanto corri, me concentrei nas memórias brotando dentro de mim.
Mitsuha. Três anos atrás, naquele dia, você–
✧ ✧ ✧
Taki-kun. Taki-kun. Taki-kun.
Mitsuha repetiu meu nome silenciosamente para si mesma. Ela não sabia como se aproximar de mim, que estava sentado bem na frente dela, mas ainda não conseguiu perceber. Com que tipo de expressão ela deveria se aproximar? Ela pensou e pensou com uma seriedade desesperada. E então, colocando seu melhor sorriso, ela falou.
— Taki-kun.
Aquele eu, surpreso em ter seu nome chamado do nada, olhou para cima. Éramos quase da mesma altura. Em frente a meus olhos estavam outro par, abertos e começando a chorar.
— Hã?
— Hum, eu...
Mantendo seu sorriso desesperado, Mitsuha apontou para si mesma. Continuei confuso.
— Eh?
— ...Você não... se lembra de mim?
— …Quem é você?
Um fraco grito escapou de seus lábios. Seu rosto ficou vermelho. Ela olhou para baixo e, em uma voz quase inaudível, murmurou:
— Ah... desculpe...
O trem tremia violentamente. Todos os outros passageiros conseguiam manter o equilíbrio, mas Mitsuha sozinha tropeçou e caiu em mim. Seu cabelo entrou em contato com meu nariz, transmitindo um fraco cheiro de xampu. Desculpe, ela murmurou novamente. Que garota estranha, meu antigo eu pensou. Mitsuha desesperadamente atormentou sua mente, que que estava um caos. Você é Taki-kun, então por quê? Por que você não me reconhece? Um silêncio constrangedor caiu entre nós.
A próxima estação é Yotsuya, disse o locutor, e Mitsuha se sentiu um pouco aliviada, mas incrivelmente triste ao mesmo tempo. Mas não podia mais ficar ali. As portas se abriram, e Mitsuha desembarcou do trem junto com os outros. A observando se mover para mais e mais longe, um pensamento me ocorreu de repente. Esta menina alguém que eu deveria conhecer? Movido por um impulso inexplicável, mas muito intenso, gritei:
— Espere! Seu nome?
Mitsuha se virou, mas as ondas de pessoas continuaram a levá-la mais longe. Ela desfez o kumihimo que amarrava seu cabelo, o estendeu para mim e então gritou.
— Mitsuha!
Instintivamente, estendi a minha mão. A corda era de um laranja vívido, como os raios do sol poente brilhando no vagão do trem escuro. Empurrei meu corpo pela multidão e agarrei ele com firmeza.
— Meu nome... é Mitsuha!
✧ ✧ ✧
Naquele dia há três anos. Você veio me encontrar.
Eu finalmente percebi isso.
Uma estranha falou comigo no trem. Esse tempo todo, tinha deixado isso de lado considerando apenas uma ocorrência ligeiramente anormal. Mas Mitsuha tinha se aproximado de mim naquele dia com um turbilhão de emoções em seu coração. Ela voltou para casa na sua aldeia profundamente machucada, fazendo com que ela até cortasse seu cabelo.
Meu peito se apertou. Não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso agora. Simplesmente corri e corri como um louco. Suor e sujeira acariciaram meu rosto e meu corpo. De repente, as árvores ao meu redor foram substituídas por rochas cobertas de musgo, e abaixo dos meus olhos as nuvens se espalharam como um tapete dourado no céu.
Finalmente tinha chegado ao cume.
Eu respirei o ar frio profundamente. Então, como se expelisse todos os pensamentos e emoções que brotaram dentro de mim, gritei com todas as minhas forças.
— Mitsuhaaa!!
Ouço uma voz.
Me levantando, examino a área circundante.
Eu estava em pé no campo de rochas que circundava a depressão dentro da qual o shintai estava. O sol do sol se pondo alongou as sombras de tudo o que estava no topo da montanha. O mundo estava temporariamente dividido em luz e sombra. Mas a figura de uma pessoa não residia em nenhum desses reinos.
— ...Taki-kun? — Eu sussurrei. Em seguida, respirei profundamente o ar frio, eu gritei. — Taki-kuun!
Eu a ouvi.
Ela está aqui. Mitsuha está aqui.
Eu disparei acorrer, subindo a ladeira até que estava na borda da caldeira. Eu olhei ao redor, mas não encontrei ninguém. Ela tinha que estar em algum lugar. Podia sentir isso. Eu gritei.
— Mitsuhaaa! Você está aqui, não está? No meu corpo!
É o Taki-kun!
Eu estava certa disso. Eu gritei para o céu.
— Taki-kun! Onde você está!? Eu ouço a sua voz!
Eu comecei a correr ao longo da borda da caldeira.
A voz dela. Eu ouvi a voz dela, mas nada além disso.
Essa voz, minha voz e a voz de Mitsuha, ao mesmo tempo, vibravam fisicamente o ar, ou só ressoavam com a minha alma? Eu não sabia. Estávamos no mesmo lugar, mas a três anos de distância.
— Mitsuha, onde você está!?
Mas ainda assim, eu gritei. Eu não podia deixar de gritar. Se eu continuar correndo pela borda da caldeira–
Então, eventualmente, eu vou chegar até Taki-kun. Essa ilusão guiava meus passos.
Ah!
Eu soltei um gritinho, então parei.
Eu parei, então me virei apressadamente.
Neste momento, nós passamos um pelo outro.
Eu posso sentir uma presença quente em algum lugar bem na minha frente. Meu coração começou a bater loucamente.
Eu não posso vê-lo, mas Taki-kun está logo ali. Eu tenho certeza disso.
Meu coração começou a bater fora de controle.
Ele está aqui. Eu estendi minha mão.
Ela está aqui. Eu estendi minha mão.
Meu dedo toca apenas o ar.
— ...Mitsuha?
I esperou pela resposta dela, mas ela nunca veio.
Talvez seja impossível afinal. Não podemos nos encontrar. Uma última vez, eu olhei ao redor, apenas para confirmar que estava no topo da montanha sozinho. Eu soltei um suspiro de desespero.
Uma súbita rajada de vento levantou meu cabelo. Meu suor tinha secado há algum tempo. A temperatura parecia cair abruptamente. Eu olhei para o sol e descobri que ele tinha se afundado atrás de uma nuvem. Liberados dos últimos resquícios da luz do dia, os reinos da luz e da sombra começaram a se fundir. As silhuetas do mundo começaram a borrar. O céu ainda mantinha um pouco do seu brilho antigo, mas o chão já estava completamente envolto em sombras fracas. Somente uma luz indireta escura, rosada permaneceu em torno de mim.
Está certo. Este período de tempo tem um nome. Tasogare. Tasokare. Kawatare. Um momento em que silhuetas começam a borrar, e você pode encontrar coisas que não são deste mundo. Uma palavra antiga.
— Katawaredoki.
Nossas vozes se sobrepunham.
Poderia ser…
Eu tirei meus olhos das nuvens ao longe e olhei para frente.
E lá estava Mitsuha, olhando para mim, a boca e os olhos escancarados.
Ao invés de mostrar surpresa, minha boca lentamente se torceu em um sorriso ao ver sua expressão divertida ainda cativante e estúpida.
— Mitsuha. — Eu a chamei, as lágrimas começaram a brotar em seus olhos.
— ...Taki-kun? Taki-kun? Taki-kun? Taki-kun?
Enquanto repetia o meu nome, suas mãos se estendiam para agarrar meus braços. Eu sentia a força entre seus dedos.
— ...É Taki-kun!
Ela mal conseguiu falar aquelas palavras. Grandes lágrimas derramavam infinitamente de seus olhos.
Nos encontramos, finalmente. Nós realmente conseguimos. Mitsuha como Mitsuha, e eu como eu mesmo, encarando um ao outro em nossos próprios corpos. Realmente me senti aliviado. A sensação de conforto no fundo do meu coração, como se tivesse ficado um longo tempo em um país onde eu não sabia a língua e, finalmente, voltado para casa. Uma felicidade suave preencheu meu corpo.
— Eu vim te encontrar — disse para a Mitsuha soluçando. Suas lágrimas quase pareciam pequenos mármores transparentes caindo ao redor. Eu ri e continuei. — Cara, isso foi difícil! Você sabe o quão distante você estava?
Ela realmente estava distante, mais distante do que qualquer um de nós poderia ter imaginado, no espaço e no tempo. Mitsuha piscou confusa.
— Ah... mas como? Naquela época, eu...
— Eu bebi seu kuchikamisake, — disse, pensando em todos os problemas que eu tinha passado.
De repente, as lágrimas de Mitsuha pararam.
— Eh... — Ela estava sem palavras. Bem, acho que faz sentido. — Ah... ah... — Ela lentamente se afastou de mim. — Ah... você bebeu aquilo!?!
— Eh?
— Idiota! Tarado!
— Eh, ehh?!
Seu rosto ficou vermelho vivo, Mitsuha estava aparentemente muito irritada. Por que agora!?
— Sim, está certo! Além disso, você tocou meus peitos, não foi?!
— O que... como você sabe... — Ops.
— Yotsuha viu tudo! — Ela disse com as mãos na cintura, como se estivesse dando bronca em uma criança.
— Ah, foi mal... — Maldita garotinha. Minhas palmas ficaram suadas. Desculpa... preciso de uma desculpa... — Foi apenas uma vez! — Isso não é uma desculpa!
— …Só uma vez? Hmm...
Hã? Mitsuha parecia estar levando em considerando. Isso significa que apenas uma vez é perdoável? Por um momento, parecia que eu consegui escapar, mas Mitsuha logo deu sua conclusão.
— ...Dá no mesmo, não importa quantas vezes você fez isso! Idiota!
Nada de bom, hein. Desistindo, juntei minhas mãos e me curvou em desculpas. Não ia dizer que eu realmente fiz isso toda vez que nós trocamos.
— Ahh, isso...
Com uma súbita mudança de humor, Mitsuha apontou para minha mão direita, um olhar surpreso em seu rosto. Eu olhei para o meu pulso.
— Ahh, isto.
O kumihimo. O que recebi de Mitsuha há três anos. Eu desatei o nó, tirei do meu pulso e disse a Mitsuha — Da próxima vez não tente e vir me encontrar antes que eu te conheça... como é que eu deveria te reconhecer? — Entreguei o cordão para ela, lembrando das suas emoções naquele momento no trem. — Eu o tive por três anos. Agora é sua vez.
Mitsuha ergueu os olhos do cordão que ela segurava em suas mãos e respondeu com um alegre aceno de cabeça. Quando ela sorriu, eu notei, pela primeira vez. O mundo inteiro parecia estar sorrindo com ela.
Ela embrulhou o kumihimo em torno de sua cabeça como uma faixa de cabelo, prendendo com uma pequena mecha acima de sua orelha esquerda. — Como está? — Ela perguntou, corando levemente.
— Ah...
Não ficou muito bom, pensei. Parece um pouco infantil. Bem, em primeiro lugar ela não deveria ter cortado seu cabelo tão curto. Ela não sabe que eu gosto de longos cabelos negros? Mas de qualquer forma, até mesmo eu sabia que a resposta certa era a elogiá-la. De acordo com as “Dicas de conversação para aqueles que nunca foram populares por um segundo de suas vidas!” o artigo que Mitsuha me enviou, contanto que você continue elogiando uma garota, você vai ficar bem.
— Hm... não está ruim.
— Ei! — A expressão de Mitsuha escureceu. O quê? — Você está pensando que não está muito bom, não é!?
— Ehh! — Como ela sabia!? — Ha... haha... desculpe.
— Hmph!
Ela virou a cabeça com raiva. O quê... falar com garotas é muito difícil...
Então, de repente, Mitsuha caiu em gargalhadas. O que há com essa garota? Chorando, ficando com raiva, e agora rindo? Mas, enquanto a observava, o que quer que se passasse com ela começou a se espalhar para mim. Cobri o rosto com a mão enquanto comecei a rir descontroladamente. Ela ainda estava rindo histericamente. Por alguma razão, estava começando a se divertir. Nós rimos e rimos juntos, como duas crianças pequenas de pé na borda do mundo em um crepúsculo cintilante.
Lentamente, mas com certeza, a temperatura começou a cair. Lenta mas seguramente, a luz restante tinha começado a desaparecer.
— Ei, Mitsuha. — Quando chamei o nome dela, lembrei desses sentimentos da infância de brincar por longas horas depois da escola antes de ir para casa, apesar de ainda querer brincar com os amigos. — Ainda há algo que precisamos fazer. Ouça.
Expliquei o plano que Teshigawara, Saya-chin e eu tivemos. Vendo Mitsuha me escutar com uma expressão tão grave, suspeitei que ela se lembrava. Naquela noite, quando as estrelas caíram e a aldeia desapareceu. Aquele momento em que ela morreu. Se lembrou de tudo. Para Mitsuha, esta noite era uma reconstituição.
— Está aqui — ela disse em uma voz trêmula, olhando para o céu.
Seguindo seu olhar, vi a silhueta fraca do cometa de Tiamat começando a se tornar visível no céu escurecendo.
— Vai ficar tudo bem. Nós podemos fazer isso com o tempo — afirmei, em parte para mim mesmo.
— Vou fazer o que eu puder. Ah... o katawaredoki já está...
Enquanto ela falava, percebi seu corpo tinha começado a desaparecer.
— Já acabou — eu disse. Os últimos vestígios do céu da noite quase desaparecendo do céu. A noite estava quase em cima de nós. Tentando empurrar para baixo a ansiedade que de repente começou a brotar dentro de mim, pus um sorriso e falei com Mitsuha em uma voz tão alegre quanto possível. — Por isso, não se esqueça de nós quando acordar. — Eu tinha uma caneta do meu bolso, peguei a mão direita de Mitsuha e escreveu em sua palma. — Vamos escrever os nossos nomes, assim. — Entreguei a Mitsuha a caneta.
— …Boa ideia!
Ela deu um sorriso, como uma flor desabrochando. Então, depois de mim, ela agarrou minha mão direita e escreveu.
De repente, ouvi um pequeno som ruidoso pelos meus pés.
Olhando para baixo, vi que a caneta havia caído no chão.
— Eh? — Olhei para cima.
Na frente dos meus olhos não havia ninguém.
— Eh….?
Olhei em volta.
— Mitsuha? Ei, Mitsuha?
Levantei minha voz com um grito. Não houve resposta. Começando a entrar em pânico, andei freneticamente. Tudo ao meu redor estava mergulhado numa escuridão negra azulada. Abaixo de mim haviam nuvens planas e escuras e ainda mais na escuridão que ficava o esboço borrado do Lago Itomori.
Mitsuha tinha ido embora.
A noite tinha chegado.
Eu estava de volta ao meu próprio corpo, três anos no futuro.
Olhei para minha mão direita. O kumihimo tinha ido embora. Na minha palma havia apenas uma linha simples e fina: o começo de uma palavra que o escritor nunca teve a chance de terminar. Gentilmente toquei meus dedos nessa linha.
— ...Eu ia te dizer —disse baixinho. — Não importa onde você esteja no mundo, vou te encontrar novamente.
Olhei para o céu. Não havia nenhum sinal do cometa, apenas algumas estrelas brilhavam no céu noturno.
— Seu nome é Mitsuha. — Tentando reafirmar minha memória, tentando gravar esse nome permanentemente, fechei os olhos. — ...Eu me lembro!
Minha confiança aumentou, eu reabri os olhos. A meia-lua branca estava distante no céu.
— Mitsuha, Mitsuha... Mitsuha, Mitsuha, Mitsuha. Seu nome é Mitsuha!
Eu gritei o nome dela para a lua.
— Seu nome é…!
De repente, a palavra que queria dizer escapou da minha mente. Alarmado, peguei uma caneta e escrevi a primeira letra do nome que em minha mão. Tentei.
— ...!
Mas depois de desenhar apenas uma linha, minha mão parou. A caneta começou a tremer violentamente. Tentando pará-la, coloquei toda a minha força em meus dedos. Furei minha mão com a caneta, eu tentei desesperadamente gravar esse nome. Mas a caneta agora se recusava a mover um milímetro a mais.
— …Quem é você?
A caneta caiu da minha mão.
Estão desaparecendo. Seu nome. Suas memórias.
— ...Por que estou aqui?
Tentando conectar as peças, tentando reunir os fragmentos que desapareciam da memória, falei em voz alta.
— Estou aqui... Eu estou aqui porque vim ao seu encontro! Eu vim para te salvar! Porque eu queria que ela vivesse!
Se foi. Uma coisa tão importante, foi embora. Tudo se foi.
— Quem? Quem? Quem? Quem…
Tudo tinha desaparecido. Sentimentos e emoções que deveriam estar lá tinham sumido.
— Alguém importante, alguém que não se deve esquecer, alguém que não quero esquecer!
Tanto o desespero quanto o afeto, todos desapareceram. Eu nem sabia mais por que estava chorando. Todas as minhas emoções caíram e desapareceram, como um castelo de areia.
— Quem, quem, quem…
Depois que a areia tinha desmoronado, um grão ainda permaneceu. E nesse momento, eu sabia seu nome: a solidão. Naquele momento, eu compreendi. Tudo o que eu teria que daqui em diante era esta emoção. Carregaria para sempre essa solidão, como uma bagagem pesada alguém me obrigou a levar.
...Está tudo bem, pensei de repente. Se o mundo é um lugar tão cruel, vou desafiá-lo, vivendo em apenas com essa solidão. Vou lutar apenas com essa emoção ao meu lado. Mesmo se estivermos separados, mesmo que nunca possamos nos encontrar de novo, eu vou lutar. Nunca vou desistir. Logo, eu iria esquecer o fato de que esqueci. Assim, apenas com esse sentimento na mão, gritei uma última vez para o céu noturno.
— Seu nome!?
Minha voz ecoou entre as montanhas quietas. Enquanto continuava fazendo a mesma pergunta ao céu vazio, ela gradualmente se tornava mais suave e macia.
Em pouco tempo, o silêncio.
Notas:
1 Local onde operam as duas casas da Dieta Nacional do Japão, a Casa dos Representantes do Japão e a Câmara dos Conselheiros.
2 Tipo de música tocada em festivais tradicionais.
3 Era Showa é o período da história do Japão de dezembro de 1926 janeiro de 1989