Volume 1
Capítulo 12
Mais ou menos na mesma hora em que o sol nasceu, uma besta selvagem bateu em minha porta.
— Você acorda bem cedo, Vaine-san.
— Sim.
Este homem veio, exatamente como prometido, com o nascer do sol. Embora eu não tenha especificado a que horas ele poderia vir, chegar assim tão cedo no quarto dos outros não era nada senão falta de noção.
Olhei para sua aparência e vi que suas roupas estavam devidamente passadas e organizadas. Seu cabelo também não tinha qualquer desordem. Ao invés de vir junto com o sol, parecia mais que esperou até que nascesse para então vir.
Será que ele fazia alguma ideia de onde ficava a linha do que se devia ou não fazer?
— Vamos, entre.
— Obrigado.
Após se levantar, dificilmente um cavalheiro poderia manter sua boa aparência. Mas, em comparação a ele, de alguma forma, comecei a achar que era eu quem não tinha senso comum.
— Vou ficar pronto em um instante.
— Não se apresse.
Desde que disse tal, me vesti e lavei o rosto.
— Vou preparar um café para nós.
— Obrigado.
Eu adorava moer grãos de café. O simples fato de moê-los tinha um efeito restaurador em mim.
— Aqui.
— Obrigado.
Tomei meu tempo apreciando a xícara de café que preparei com tanto cuidado.
— Depois de terminar, que tal irmos comer alguma coisa?
— Ontem você me acompanhou durante o dia inteiro, então gostaria de fazer algo em troca. Deixe-me tratá-lo com um desjejum.
— Isso seria ótimo. Aguardo ansiosamente com o estômago vazio. — Inesperadamente amigável, hein? Me pergunto, o que será que o Vaine irá me servir? Será uma iguaria da Capital Real?
Bateram na porta mais uma vez. Diferente de antes, foi uma batida com senso comum. Ao abrí-la, Iris estava ali de pé.
— Bom dia. Acabei vindo.
— Bom dia. Por favor, entre.
Este tipo de visitante com senso comum me trazia uma paz de espírito refrescante.
— Eu estava um pouco nervosa sobre vir até o dormitório dos rapazes, mas desde que as aulas não começaram ainda, decidi aparecer e- Uwah!? — Iris encontrou Vaine e ficou chocada.
É claro que ela ficaria, afinal, se tratava de um gigante. Bem, ele não mordia, então não havia perigo.
— Sou Vaine Lotte.
— Eh, sim, Iris Palala. Prazer em conhecê-lo.
— Ah.
— Parece que vocês dois já se apresentaram. Iris, Vaine vai estar preparando algo para o café da manhã, se estiver tudo bem, gostaria de vir? — Se você estiver comigo, não serei atormentado pela falta de comunicação!!!
— Muito obrigada, mas há uma biblioteca na escola. E, veja, lá podemos ler mais de 10 mil livros, tanto quanto queira. Estou ansiosa por isso, então planejo ir até lá. Me desculpe.
— É assim então. Que pena. — É realmente uma pena! Sozinho com a besta, hein? — Ah sim, Iris, já terminei de reparar a sua espada — entreguei a ela a espada, que estava em cima da mesa.
— Muito obrigada! Te agradeço de coração por isso! Ah e enviei a moeda de ouro para casa. Tudo isso é graças a você, Kururi-san.
— Apenas Kururi está bem, afinal, seremos colegas de sala. Será maravilhoso se você achar um bom livro na biblioteca depois.
Como o clima estava ficando meio pesado, decidi mudar de tópico.
— Sim!
Como imaginei, ela ficava sorridente quando o tema eram livros.
— Qual o relacionamento entre vocês dois? — Vaine entrou na conversa.
Eu, sinceramente, gostaria que fizesse esse tipo de pergunta apenas quando estivéssemos sozinhos!
— Quando vindo para a academia, nós viajamos juntos.
— É assim então? De toda forma, ela é muito atraente, hein?
— EEEEEH!?
— EEEEEH!?
Esta pessoa diz esse tipo de coisa sem nenhum problema! Ele é um verdadeiro playboy! Como esperado de Vaine-san!!!
— É… a primeira vez que alguém me diz que sou atraente… — Suas bochechas ficaram vermelhas.
Eh!? Isso acabou ficando assim, hein. Vaine-san, por acaso você era um dos heróis naquele jogo de romance???
— Bem, Kururi, vamos indo.
Já este lado parecia não se importar muito com isso. Acho que ele apenas tinha expressado seus sentimentos honestos.
Este homem é um playboy nato! Com toda certeza!!! — Sim, vamos.
— Bem, vou indo para a biblioteca então.
— Ah.
Nós saímos do quarto e nos separamos dela.
— Você pode pegar um cavalo emprestado na academia.
Exatamente como Vaine disse, fomos capazes de pegar alguns cavalos. O montante disponível era grande, com uma variedade de cores e linhagens. Cavalos com crina castanha eram realmente bonitos, então escolhi um destes, sem hesitar.
— Você cavalga muito bem.
Incrível, fui elogiado por um soldado no caminho!
O lugar onde Vaine me levou era uma pradaria cheia de vegetação, não muito longe da academia.
Um ambiente parecido com o paraíso para cavalos ou coisas assim. O ar era limpo e cheio de grama para comerem. Na verdade, eles começaram a correr mais suavemente depois que chegamos ali.
Eu estava logo atrás de Vaine. A brisa era ótima. O sol nascendo no horizonte e o vento gelado davam um sentimento de querer cavalgar para sempre.
Gostaria apenas de continuar cavalgando assim. Foi esse o sentimento que tive.
— Estou vendo o estabelecimento logo alí. Vou na frente, então aguarde aqui um pouco.
— Claro.
Olhei para o céu da manhã. O cavalo estava relaxado.
Pela cavalgada, minha sonolência desapareceu e comecei até mesmo a suar um pouco. Com apenas isso, meu humor estava realmente bom.
Não posso esquecer de dar meus agradecimentos ao Vaine por este convite.
— Desculpe por fazer esperar. — Vaine me chamou enquanto eu olhava para o céu. Ali haveria um espetáculo que acabaria com todo meu bom humor.
Uma ovelha amarrada pelas patas estava sendo carregada por ele. Ela parecia estranhamente dócil, me contemplando com olhos extremamente limpos, como se houvesse aceitado seu destino.
— Qual é a da ovelha? — Fiz uma pergunta natural.
— É o nosso café da manhã. Comprei ali naquela fazenda. — A resposta foi a esperada.
Essa é a razão, hein? Nunca provei uma ovelha inteira assada quando em casa. Nunca assisti ao abate também. Embora já tenha visto carne crua, a comida pronta na mesa sempre foi devidamente cozinhada. Normalmente eu não gostaria de algo assim, no entanto, acho que vou abrir uma exceção agora.
Parece que vou amadurecer um pouco mais hoje.
— Nas regiões ao norte, onde não é possível cultivar vegetais…
Seguindo atrás do Vaine, que estava guiando o caminho, eu escutava sua história.
— É muito difícil ter uma boa alimentação.
Bem, acho que é assim mesmo. Já tinha ouvido algo sobre isso.
— Então as pessoas sabiamente descobriram o valor de comer carne crua.
Eh? O que?
— Ao comer a carne assim é possível obter os nutrientes essenciais que os animais absorvem da vegetação. Dessa forma, as pessoas do norte são capazes de viver em tal ambiente.
… Certo…
— Na verdade eles quase nunca sofrem de doenças e inclusive são conhecidos por sua longevidade.
… Já consigo imaginar onde essa conversa vai parar…
— Eu gostaria que Kururi experimentasse isso.
… Você poderia, por favor, me deixar ir!!? Estou completamente satisfeito!!!
— Bem, chegamos.
O lugar onde Vaine me levou era realmente belo. Ao que parecia, nós tínhamos chegado até a borda das pradarias, onde havia um penhasco que permitia ver o oceano à frente.
— É um lindo lugar. — Essas palavras fluíram para fora naturalmente. Se não fosse pela tragédia que iria certamente acontecer agora, eu poderia derramar lágrimas por causa do encanto deste lugar.
A natureza é bela. Meu coração foi curado, trazendo as mais lindas memórias de minha terra natal.
— Esta é uma boa ovelha. Digna de ser comida.
Vaine estava fazendo os preparativos para o café da manhã logo ao meu lado, enquanto eu estava seduzido pelo cenário. Mesmo após ser retirada do cavalo, a ovelha não berrou.
Por que você me olha com tais límpidos olhos? O poder para salvar a ti não reside em mim.
Naquele momento, a adaga que presenteei a Vaine cortou seu pescoço.
Sua cabeça foi esplendidamente cortada e veio caindo à minha frente.
HIIIIIIIIII!!!!!!!!!! — Um grito que não pôde vir à tona soou em meu coração.
— Ah…
Os olhos da ovelha ainda estavam me encarando. Como se eu tivesse visto os olhos da medusa, meu corpo não se movia.
Aqueles eram límpidos e gentis olhos.
— O que houve?
— Nada…
— Por acaso… seus olhos se encontraram?
— Meus olhos… encontraram.
— …
DIGA ALGUMA COISA!!! O que há com essa reação desagradável?! Se os nossos olhos se encontrarem, o que? Uma maldição, certo?! Não é?! — Alguma coisa acontece se você olhar em seus olhos? — perguntei com timidez.
— Nada em particular.
Isso é uma mentira né?! Eu sei que é uma mentira! Não preciso de uma mentira gentil! Eu quero a verdade!!! — Se houver qualquer rumor, por favor, me conte.
— Não é realmente nada. É só que eu nunca olhei para um animal nos olhos enquanto o abatia, já que me deixaria com pena.
— É só isso?
Se isso fosse tudo, então sem problemas.
— Só que…
Ei! Tem mais coisa não tem?!!
— Bem, é só que meu tio disse uma vez que, se fizesse isso, a imagem do animal iria aparecer em minha mente quando estivesse comendo ele.
MALDIÇÃO!!! Agora, toda vez que eu comer carne de ovelha, aqueles límpidos e gentis olhos vão aparecer em minha cabeça?! Se algo como isso acontecer, nunca mais vou conseguir comer direito não é?!
— Mas isso depende de cada pessoa, então não se preocupe com isso.
— Haha, é verdade…
Por alguma razão, o lindo cenário perdeu todo o seu brilho.
Durante meu estado de choque, Vaine procedeu com seu trabalho sem nenhum problema. Mais do que isso, foi ágil, suave e, de certa forma, bonito. Ele com certeza estava acostumado com isso. Era habilidoso o bastante para que mesmo um amador, como eu, pudesse notar.
Depois de cortar a cabeça fora, removeu todos os pêlos. Com o abdome aberto, as vísceras foram removidas.
Ei-
Depois delas, cortou a carne em pedaços que poderiam ser facilmente ingeridos.
Ei-
— Então, vamos comer.
NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá!
Obviamente, não dava para dizer isso. Afinal, tivemos o trabalho de comprar e preparar.
— Você precisa de sal?
Não era este o nível do problema.
— V-vamos c-c-comer… — desisti.
Tomando um pedaço da coxa, que estava gotejando de sangue, a levei à boca. Minhas mãos tremiam, mas fiz meu melhor e continuei. Como imaginei.
NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá
— O fígado é especialmente saboroso. Vou deixar essa parte para você.
Este era um favor mal vindo.
No entanto, iria recusar sua boa intenção? Ele estava passando o fígado para mim. O fígado! Fiz o meu melhor para pegar isso e colocar na boca. Como imaginei.
NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá NãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodáNãodá
Haa… haa… minha respiração estava ficando cada vez mais áspera.
— Você não se dá bem com a gordura do fígado?
— Não em tudo…
Eu vou comer! Eu vou comer! Irei aceitar a boa intenção de meu amigo!
Imagine, apenas imagine. Por exemplo, em uma situação hipotética.
Vamos dizer que Lahsa usou seu dinheiro para que pudéssemos catar morangos. Estou em um campo magnífico, colhendo morangos e o Lahsa aparece me oferecendo um. O mais saboroso deles.
Por acaso eu recusaria? É claro que não! Seria errado recusar, certo?!! Qual a diferença entre essa situação e a hipotética?!! Qual a diferença entre o fígado de uma ovelha e um doce morango?!! Se eu não comer isto, irei deixar de ser humano! No mínimo, não irei me perdoar por ter me proclamado amigo de Vaine!
Coloquei o fígado em minha boca.
Hmm, é bem macio.
Ei-
Não é delicioso, mas também não é ruim.
— É tão delicioso que está te fazendo chorar, hein?
— Sim, exatamente. — As lágrimas não paravam de cair.
— É a primeira vez que vejo alguém aproveitar tanto isso. Kururi, parece que seremos capazes de ser bons amigos.
— Ah, claro, afinal, partilhamos das mesmas vísceras de ovelha.
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