Sangue Azul Brasileira

Autor(a): NAI


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 17: O sangue do mais forte.

Dia 02, algumas horas depois naquele mesmo dia.

Sentado no topo da montanha, de olhos fechados, meditava, treinando mentalmente tudo que havia passado durante aqueles sete anos e meio ali. Foi interrompido apenas pelo chamado de Morya, ao pé da montanha, carregando algum objeto.

Como um borrão, Louis sumiu da montanha e ficou frente a Morya, a qual o encarava com olhar intenso. 

— Demorou mais do que o esperado, mas aqui está — estendeu a espada. — Seja cauteloso, essa lâmina pode cortar qualquer coisa como se fosse uma fina linha.

Antes de pegar a espada, Louis fez um sinal de reverência e, em seguida, a pegou com cuidado. A lâmina era vermelha, enquanto o cabo era totalmente preto. À primeira vista, sequer parecia ser uma boa espada — na verdade, parecia ser tão fraca quanto a de um soldado comum.

Entretanto, assim que ele a ergueu diante da pequena montanha, lançou um corte diagonal com uma precisão perfeita. O golpe foi tão limpo que Louis só percebeu que a montanha havia sido cortada três segundos depois, quando ela começou a desmoronar para o lado.

— Obrigado… Morya. O que aconteceu com Nihilo?

— Aqui! — A espada saiu da mão de Louis e começou a flutuar à sua volta. — Eu lhe disse que estaria junto a ela.

— Agora creio que você esteja pronto para ir, Scratch.

— Obrigado por tudo Morya — Se curvou em sua frente. — Nunca vou me esquecer do que você fez por mim. 

Ele se virou e já estava se preparando para partir daquele lugar, com Nihilo flutuando ao seu lado. No entanto, antes que pudesse dar mais alguns passos, Morya o chamou pela última vez.

— Eu não imaginava que ela ainda estivesse viva... Aquele ser demoníaco ainda vaga pela sua dimensão. Você e seus companheiros não fazem ideia do que estão enfrentando... Esses mestres que vi em suas memórias, eles não são nada! — esticou ambos os braços. — Esta era atual é apenas um teatro criado por… — Louis subitamente o interrompeu.

— Do que você tá falando? O mundo atual está uma bagunça eu sei, mas não tem nenhum demônio lá fora. Os mestres têm consciência do que estão fazendo, não são uns inocentes.

— Não é isso! Eu não pretendia lhe contar, mas ao ver aquela menina em suas memórias… sinto pena dela — puxou a manga da blusa em seu braço esquerdo, revelando uma cicatriz. — Antes de todos vocês, eu tive um primeiro visitante. Era uma pessoa meiga e muito elegante, mas quando acessei suas memórias — colocou as mãos sobre a cabeça — ela veio de uma época diferente, não sei... talvez 3500 anos antes do próprio nascimento de Nihilo.

Os dois foram capturados pela história de Morya. E até mesmo Nihilo assumiu sua forma espectral e emergiu da espada por um momento, para acompanhar a história de perto.

— As pessoas da sua época viviam em cavernas, na verdade, mal possuíam inteligência para falar, eram povos primitivos. Porém, ela — se sentou — era diferente. Já tinha uma consciência avançada e um pensamento igual ao de vocês. 

— Por qual motivo você está me contando isso só agora? — Levou a mão ao quadril.

— Quando vi sua ganância e a expulsei, ela prometeu que voltaria. Para mim, se passaram milhares de anos — estalou os dedos, nervoso — e nunca mais senti sua presença. Mas, quando acessei suas memórias mais uma vez, aquele homem que vocês encontraram na vila destruída, ele possuía seu cheiro.

— Ainda não entendo quem era aquele cara. Pedro e Toshi, por algum motivo, também não se lembram dele, mas isso não é o meu objetivo agora. Responda minha pergunta novamente: por que você está me contando isso?

Em um rápido impulso, Morya se aproximou do ouvido de Louis e sussurrou algumas palavras. Ao escutá-las, suas pupilas dilataram e seu coração disparou como nunca antes. Ele se virou e, rapidamente, começou a correr em direção à saída.

Conforme se afastava ainda mais, Morya apertava com força sua própria roupa.

Apesar do nervosismo que tomava conta de Louis, ele olhou para trás, deu um último sorriso para Morya e seguiu seu caminho. Em cerca de 1 minuto, ele já havia atravessado a escada de volta.

Momentos depois, Morya bateu uma mão contra a outra e todo aquele mundo se alterou novamente. Porém, dessa vez, parecia revelar sua verdadeira aparência: um imenso quartel. Havia soldados por toda parte, grandes muralhas e torres que os cercavam.

Conforme ele avançava pelos portões, parecia ter chegado ao pátio principal. No centro do pátio, uma silhueta se erguia, carregando consigo duas katanas.

— Mestre, seja bem-vindo de volta — A figura se curvava — conseguiu o que queria?

— Prepare todas as defesas e finalize o treinamento dos demais soldados. — Olhou para cima — ela está vindo cumprir sua promessa.

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— Vá mais devagar garoto! Qual o motivo da pressa?! — gritava Nihilo de dentro da espada tentando lhe acompanhar.

Louis se manteve quieto durante todo o caminho, até que finalmente alcançou a escada que levava à chamada Grande Árvore. Assim que pisou no primeiro degrau, uma sensação de leveza percorreu seu corpo, como se o mundo anterior tivesse uma gravidade mais pesada.

Subiu as escadas o mais rápido que podia e, quando alcançou o topo viu que sua pressa havia sido totalmente inútil. Respirava profundamente devido ao cansaço, enquanto se apoiava em seu próprio joelho. 

— Que droga de lugar é…esse?

A sua frente se erguia uma enorme caverna, com diversas estalactites, minérios brilhantes e uma poça de água que parecia alcançar metros ainda mais abaixo.

— Não pode ser — falou Nihilo entrando na forma espectral novamente — é o mesmo lugar por onde entrei.

— QUE?! Não é possível…

— Como meu corpo nunca saiu daquele lugar, ele deve ter nos trazido ao meu ponto de começo.

“A situação não poderia ser pior. Estamos na droga do reino Tsin”

— Se o que Morya nos disse é verdade, devemos cortar todas as adjacências — Pegou no cabo da espada — a começar por esse.

— Não irei interferir em sua escolha, vá em frente.

Louis colocou a espada para trás e a imbuíu com sua energia vermelha. Em um movimento mais rápido que o anterior, lançou um golpe de baixo para cima, sussurrando levemente:

— segunda técnica: corte tridimensional.

O estrondo foi tão alto que certamente pôde ser sentido a quilômetros de distância. Em poucos segundos, a antiga caverna foi dizimada, restando apenas minérios, poeira e algumas pedras, indicando que ali existia algo.

— Hahaha, estou gostando de ver garoto! 

— Vamos procurar a cidade mais próxima daqui e, — apoiou a espada no ombro — quem sabe conseguimos um mapa.

Conforme caminhavam, percebiam que ao redor daquela imensa floresta havia pedaços de velhas construções, indicando que uma antiga civilização havia passado por ali há muito tempo.

Continuaram a avançar por cerca de 30 minutos. Ainda era dia, mas eles não conseguiram encontrar nenhum rastro de civilização ou vida por perto, exceto pelos animais que os espreitavam. Louis ainda tinha esperança de conseguir achar alguém, ainda naquele dia e, essa sua esperança se confirmou assim que visualizou ao longe, entre os cipós e árvores, o que parecia ser uma pequena vila, com algumas casas.

Correu o mais rápido que pode e a alcançou em alguns segundos.

— Creio que será melhor você voltar para dentro da espada, se tiver cidadãos aqui é bom não chamarmos tanta atenção. — Voltou a caminhar, agora passando por uma pequena rua feita de terra.

Antes que conseguisse dar mais alguns passos, uma voz feminina veio de trás.

— Você por si só já chama atenção! Quem usa kimono hoje em dia?! — falava uma mulher pequena, usando uma burca branca.

— Prazer — bateu a mão contra sua palma — estou a procura do responsável pela vila.

— O que quer dizer com “responsável”? — ela movia a cabeça para o lado sem entender — somos uma comunidade de mulheres, não temos uma líder.

— Perdão. Estou precisando de ajuda. Vocês teriam algum mapa?

— Temos apenas um, ele fica na grande casa — apontou para a última casa ao fim da vila — porém você não está autorizado a entrar lá.

“To vendo que isso aqui vai ser dificil”,  suspirou.

— Entre naquela casa de uma vez e tome o mapa — sussurrava Nihilo de dentro da espada.

A mulher quase que imediatamente deu um passo para trás, arqueou as sobrancelhas e puxou a parte do pano que ficava sobre a boca. 

— Heresia! — Ela batia uma mão contra a outra diversas vezes — como ousa trazer um demônio até aqui?!

Assim que Louis olhou para a mão da mulher, percebeu que ela tinha uma aparência necrosada, mas com uma coloração vermelha. No segundo seguinte, seus olhos começaram a brilhar na mesma cor, enquanto ela lentamente passava a língua pelos lábios

— Irmãs! Temos um novo sacrifício. 

De dentro de algumas casas saíram outras mulheres usando uma mesma roupa esverdeada, e da floresta surgiram mais, empunhando grandes enxadas e foices. Todas carregavam um sorriso sinistro em seus rostos.

— Eu falei, agora me deixe cuidar disso. Será um bom aquecimento para avaliar o nível do mundo atual — disse Nihilo, saindo novamente da espada.

A mulher à sua frente se preparava para se lançar em direção a Louis, mas antes que pudesse fazê-lo, Nihilo a alcançou e, sem que ela tivesse tempo de reagir, perfurou sua barriga. Sem descansar, ele, com um único movimento de mão contra o vento, destruiu toda a metade esquerda da vila, levando consigo todas que estavam daquele lado

“Por mais que eu não concorde com o jeito dele, vou aproveitar a distração”

Louis começou a correr em direção ao grande casebre. Quando estava prestes a alcançá-lo, uma mulher pulou de trás da casa, girando no ar com uma foice prateada e se lançando em direção a ele. No entanto, Louis desviou facilmente, dando um passo para trás.

— Faz anos que nos alimentamos apenas do sangue dos animais, por falta de homens como você! Mas agora, enfim recebemos um presente de nosso Deus. — Lágrimas escorriam lentamente por seu rosto, enquanto um sorriso se formava.

“Depois de mais de 7 anos, a primeira coisa que encontro é um culto de sangue… Que sorte a minha”.

— Não pretendia usar minha magia tão cedo de novo… — Com a mão direita vazia, ele fez um corte na mão esquerda, levantando-a em seguida e mostrando-a para ela

Assim que seus olhos encontraram o sangue azulado, eles brilharam. Sua boca salivava, e por um momento, ela parecia hipnotizada.

— O SANGUE DIVINO!! EU QUEROOOO.

Ela pulou com a foice em mãos, porém sua guarda estava totalmente aberta. Com o sangue na mão, Louis criou uma pequena estaca e a lançou tão rapidamente contra o coração da moça que ela sequer sentiu dor, caindo com força no chão em seguida.

“Baboseira…Se isso fosse uma benção, eu não seria caçado por tal”, pensou enquanto voltava a avançar em direção ao casebre.

Avançou novamente em direção ao casebre e, ao alcançá-lo, abriu lentamente a porta. Quando a abriu completamente, foi cercado por uma mistura de cheiros, mas um deles se sobressaía: parecia ser carne podre. Visualmente, porém, não havia nada ali além de um conjunto de estantes, uma mesa e uma grande cama de casal.

Em cima da mesa maior, estava diversos mapas menores, um deles indicava o caminho para uma vila élfica próximo, por algum motivo havia um x marcado em cima, juntamente de uma caveira.

“Esse cheiro…Parece vir da li”, apontou para um armário ao canto da casa.

Lentamente, ele se aproximou, enquanto ouvia do lado de fora os gritos de dor e sangue causados por Nihilo. Assim que alcançou e abriu o armário, um corpo, que se assemelhava a de um elfo, caiu sobre ele. Estava já em estado de decomposição, mas amarrado ao redor de si havia um pequeno cordão em forma de dragão.

No segundo seguinte, uma gota de sangue caiu em seu cabelo e seu olhar foi levado para o teto do velho casebre. Lá, visualizou diversos pentagramas e, no meio deles, uma mulher com uma coroa vermelha, rodeada por sangue e corpos.

“Aquele mapa... Ah, droga! Mal retornei a este mundo e já tenho mais problemas”, pensou largado o corpo e correndo de volta para a mesa.

Pegou todos os mapas que estavam ali e os enrolou, colocando-os sobre o braço. Ao se dirigir até a porta e abri-la, viu a alguns metros à frente de Nihilo uma mulher encapuzada, com litros de sangue ao seu redor.

— Essa deve ser a puta líder! Espero que me dê mais trabalho do que as outras.— Ken’jin lambia o próprio sangue ao redor da boca, encarando-a.

— Nosso ritual…Não está completo… — A voz rouca e trêmula ecoava da mulher — quem vocês acham que são…?!

A passos silenciosos, Louis tentava se aproximar, enquanto ela continuava a falar incessantemente.

— Preparamos este lugar há 30 anos!! Pegamos o sangue de tantos homens e crianças, você não vai estragar... — Tossiu fortemente — nosso ideal! — Levantou o braço direito coberto de sangue e lançou um rápido ataque que arremessou Nihilo com força em direção ao casebre.

Antes que Louis tivesse a oportunidade de agir, Nihilo emergiu dos escombros com os olhos fervendo. Ao avançar, sua velocidade foi tanta que seu movimento criou um pequeno redemoinho ao redor. A velha mulher defendia seus socos com uma barreira de sangue, a qual não importasse de qual lado ele atacasse, ela estaria lhe defendendo.

Levou seu braço direito para trás para lançar um único e forte soco, mas antes que conseguisse, a velha lançou um ataque perfurante de sangue com sua mão direita, cortando rapidamente a carne de Nihilo e lançando-o contra as demais casas.

— Você! — Ela apontava para Louis — Seu sangue é o que buscamos há eras. Deixe-me concluir o ritual e então voltarei para buscá-lo, meu garoto. — Ela se virou em direção à floresta

Louis correu tentando alcançá-la, mas no mesmo segundo ela já havia desaparecido.

— AQUELA PUTA! — Alguns segundos depois, todas as casas remanescentes foram reduzidas a nada com um único soco de Nihilo. —  HAHA! Talvez ainda existam pessoas tão fortes quanto eu nessa era.

— Você devia se controlar mais — se aproximou dele. — Não podemos ficar chamando atenção assim.

— Uff — bufou — agora já está feito. Precisamos descobrir para onde ela foi — falou, enquanto curava seu peito lentamente.

— Talvez eu saiba — retirou um dos mapas debaixo do braço. — Você sabe algo sobre o Culto de Sangue? — fitou-o, enquanto desenrolava o mapa no chão.

Nihilo se sentou, enquanto estalava os braços.

— Essas mulheres devem ser descendentes da família Tsugyoko ou, ao menos, possuem alguma técnica deles guardada. — Esticava as pernas, se alongando. — Essa arte foi banida do mundo pouco tempo depois de eu ascender como Ken’jin. Então não sei exatamente como funciona.

“Essa vila élfica parece estar...," pensou, passando o dedo pelo mapa. "Aqui! Sim, com certeza só pode estar aqui."

— Achei o lugar — rasgou todos os demais mapas, deixando apenas um último. — Devemos chegar lá em alguns minutos, se formos em velocidade máxima. 



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