Sangue Azul Brasileira

Autor(a): NAI


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: O passado.

Dia 29, mês 11 do ano 351 AG. Há 7 anos - Vila Cona, Reino Celeste.

Mika, tinha seus 14 anos e vivia mais um dia comum, ajudando nas tarefas de casa junto de sua tia e auxiliando seu tio na colheita.

— Mika, pegue os tomates do lado esquerdo e coloque naquele cesto; eu vou pegar o resto. — disse seu tio.

Kenny era seu nome, ele possuía 187 de altura,  62 anos de idade, tinha uma grande entrada nos cabelos já brancos, porém possuía um corpo forte e saudável, a ponto de ajudar em tarefas pesadas na vila sem problemas.

Assim que ela colheu os demais tomates, andou até a cesta e os colocou dentro, quando se virou para avisar o tio, ele surpreendentemente já estava atrás dela. Ele se abaixou e colocou a mão na cabeça de sua sobrinha.

— Amanhã é o seu grande dia — Deu um sorriso — Vai ser um dia muito especial, você sabe da tradição não é?

— O ritual? 

— Isso mesmo, minha garota. Seus pais a criaram e, como eles não estão aqui — Se levantou — Eu me sinto responsável por ajudá-la a passar. Venha me siga.

Com as duas mãos nas costas Kenny andou por toda colheita junto de sua sobrinha, até chegarem à primeira árvore antes de adentrar na floresta, ele se virou a encarando e estendeu o braço direito indicando a ela para seguir.

Ela não havia entendido o por que eles estavam ali, mas mesmo assim o obedeceu e seguiu floresta adiante. 

Depois de 4 minutos de caminhada, eles chegaram a uma casa abandonada e meio destruída, Kenny a instruiu a seguir adiante e quando entraram, ele enfim quebrou o silêncio.

— Quero lhe entregar duas coisas — Andou até uma escrivaninha velha e a abriu — Aqui, isso vai lhe ajudar muito amanhã — Estendeu um pedaço de cristal vermelho quebrado.

— O que é isso?.

— É um objeto de sorte, passado entre as gerações da minha família. 

O tio andou até um baú ao extremo direito da casa, ele o abriu e retirou de lá um arco com diversas gravuras e uma linha amarela. Ele andou até Mika e novamente se abaixou com ele em mãos.

— Prometi a sua mãe, que lhe daria esse arco que pertencia a ela, quando você completasse 15 anos. Aquele seu arco velho já não te servia bem afinal haha.

Sem dizer uma única palavra, mas com os olhos brilhando, ela pegou o arco e apenas com seu olhar indicou que queria usá-lo naquele momento, Kenny balançou a cabeça em sinal de permissão.

Ela passou o resto daquele dia praticando com seu novo arco.

Quando se deu conta do horário, retornou com um enorme sorriso no rosto para casa. Ao chegar foi recebida por seu tio e tia já sentados a mesa lhe aguardando para jantar.

A casa era igual às demais do vilarejo, algumas lamparinas para a iluminar, eram feitas de madeira e possuíam diversos problemas nas mesmas, porém diferentemente das outras a casa deles possuía um terceiro cômodo a qual seu tio guardava itens — Que nunca haveria de dizer o que eram. — E também uma sala maior além do normal.

— Pelo visto, você aumentou o vício que minha irmã tinha hahha — falou sua tia, Lina.

Uma mulher de 65 anos, longos cabelos ruivos e um corpo já marcado pelo tempo.

— Esse arco é incrível! Eu consegui acertar os alvos mais difíceis — Colocou o arco sob a ponta da mesa. — Ele parece… Mágico!

Ao ouvir aquelas palavras, Kenny alterou o semblante e virou-se para sua sobrinha ao seu lado da mesa.

— Não.. Não diga essa palavra! — Bateu na mesa — Ou seremos condenados por eles.. 

— Ken, ela não precisa saber disso agora. Meu amor se concentra na comida e depois vá deitar, amanhã será um longo dia.

O ambiente ficou em total silêncio até o fim do jantar, quando Mika se levantou com seu prato em mãos e, quando deu 4 passos em direção a cozinha, seu tio lhe chamou a atenção:

— Magia… Magico.. Haha — Fez força contra a mesa — esqueça isso tudo, sua força é e sempre vai ser o que reside no seu coração; sua determinação de seguir em frente e coragem de fazer o que tiver que ser feito. Nunca dependa de algo que não seja sua força bruta de sua própria vontade e capacidade.

Saiu em completo silêncio para a cozinha, onde largou seu prato de qualquer jeito e se dirigiu ao quarto, já preparada para dormir.

Ao amanhecer, ela foi acordada por uma série de batuques, a qual ecoavam por todo o ambiente. Quando decidiu enfim se levantar, eles cessaram por completo.

— Mas que coisa.. — Franziu a testa — Isso deve ser coisa daquele xamã.. — Ela se levantava arrumando seu pequeno cabelo loiro.

Se vestiu tão depressa, que sequer se deu conta da pulseira que sua mãe havia lhe deixado, ainda quando era apenas uma bebê. 

Saiu de seu quarto correndo e visualizou ao fim do corredor sua tia, sentada à mesa, com um rosto pálido e corpo fraco. Ela se aproximou lentamente e conforme a distância ia se quebrando ela começou a ouvir sussurros da boca de Lina.

— E..Ele não teve culpa.. Não.. — Percebeu a presença de alguém se aproximando aos poucos — Mika! — Se levantou de forma desajeitada e correu até ela a agarrando-a — Por favor.. Não saia.. Eles.. Fique aqui dentro!

— Eles? Quem são eles? — perguntou assustada.

— Eles.. Pegaram o seu tio, fique aqui dentro!!! 

Assim que seu grito percorreu por toda a casa, duas batidas foram executadas na porta ao seu lado, Mika manteve a testa franzida enquanto se afastava lentamente de sua tia.

— Tia você está me assustando, quem está lá fora?

— Eles chegaram de manhã.. Diziam ter assuntos pendentes com nossa família, se escond — antes que conseguisse terminar sua fala, a porta foi arrancada bruscamente do lugar.

As duas caíram assustadas no chão, encarando a silhueta que se aproximava cada vez mais.

— Você é Mika? — perguntou o homem entrando lentamente.

Um homem, que possuía 185 de altura, usava um chapéu e uma capa preta com diversos adornos na roupa.

— Quem.. — Arrastou-se pelo chão se afastando — É você? 

— Eu? Um humilde senhor da capital, que veio atrás de informações. — disse enquanto se virou em direção a mesa. — Se não for muito incomodo irei me sentar. 

O clima se manteve em completo silêncio até que ele se acomodasse.

— Por favor.. Ela não tem nada haver com a mãe ou o pai dela, deixa ela em paz! — gritou Lina desesperadamente ainda no chão.

— Silêncio — Levou a mão à boca fazendo sinal — Garota venha até aqui, sente-se.

Com grande esforço, se levantou do chão e ainda com as pernas bambas caminhou lentamente passando por sua tia e enfim chegando a mesa, onde estava o homem.

— O que está acontecendo lá fora? Quem são vocês? 

— Recebi a informação, que nessa vila residia uma família que possuía descendência mágica. — Tirou do bolso um objeto circular rústico, com diversas gravuras e uma gema no meio. — Todas as famílias da vila foram verificadas, só falta vocês.

— Cadê meu tio? 

— Seu tio? — Levou a mão ao rosto em sinal de pensamento — Ah.. O homem que se exaltou lá fora? Ele está descansando.

— Quero saber, onde está o MEU TI — foi subitamente interrompida pelo homem. 

— Coloque seu dedo indicador em cima da gema, quanto mais rápido você o fizer mais rápido vocês todos estarão juntos.

Ainda que relutante, a única coisa que passou na cabeça de Mika era assegurar que sua família ficasse bem. Então lentamente ela levantou seu dedo indicador e o pôs sob a gema que possuía uma coloração azulada. 

Após 12 segundos com o dedo pressionado sobre ela, havia se irritado.

— Quanto tempo isso vai levar? — Fitou o homem seriamente.

— Aguente só mais um pouco.. 

Alguns segundos depois a gema alterou a cor, ela ficou completamente vermelha e ainda soltava uma forte luz de mesma cor.

— É.. Seus pais.. Seus tios.. Todos iguais, tentaram esconder de você a verdade — O homem se levantou fazendo força contra a mesa — Me siga, garota. 

Antes que seguisse o homem, Mika visualizou sua tia ainda encolhida no chão, sob o olhar de tanto chorar.

— Eu vou voltar, tia! Por favor, tenha calma.

Ela levantou o olhar cheio de lágrimas e a encarou

— Vá embora.. Nunca mais volte, eu sabia que não devia ter aceitado o fardo que nem mesmo minha irmã quis carregar, você.

Aquelas palavras ecoaram por toda cabeça da garota, suas pupilas dilataram enquanto seu corpo inteiro se arrepiou, nem em seus piores sonhos teria imaginado ser tratado daquela forma, por quem mais amou.

— Tia.. — seu olhar se abaixou.

— VÁ! SUMA DA MINHA FRENTE!!

O homem na porta sorriu ao ouvir aquilo e virou-se para Mika dizendo: — Vamos logo.

Ela o seguiu de cabeça baixa. Quando enfim os dois ultrapassaram a porta, enxergou de longe, no centro da vila, quatro tábuas empilhadas formando uma cruz. No centro dela, preso por pregos havia um homem a qual ela não havia conseguido identificar.

— O que é aquilo? — Apontou 

— Um velho homem que tentou ser heroi.

Mika forçou o olhar e conseguiu visualizar. Seu coração acelerou naquele momento, enquanto ela sentiu um peso sob suas costas que nunca havia sentido antes. A única coisa que saiu de sua boca antes que começasse a correr até a cruz, foi o nome de seu maior símbolo de proteção.

“TIO KENNY!!!”

Ela correu desesperadamente, enquanto todas as outras pessoas observavam pelas janelas. De seus olhos, diversas lágrimas saiam. No meio do caminho, caiu já sem forças, observando seu tio agora com mais nitidez. Estava ensanguentado dos pés à cabeça, respirando ainda, mas de forma lenta e baixa.

— Mika?!.. — Forçou-se a levantar a cabeça — Você sempre será meu mai — Tossia cuspindo mais sangue — Orgulho, você é especial, mais do que qualquer um aqui entenderia.. Vá e ganhe o mundo com sua força, eu vou sempre te amar.

— Palavras e mais palavras de um homem já morto. — ao lado dela aparecia novamente o homem — As pessoas de hoje normalizam aberrações como você, mas eu não.

Não havia de ouvir nada daquilo que aquele homem dizia, seu foco estava inteiramente em seu tio.

— Eu sempre penso — Se agachou do lado dela — em diversas formas de matar vocês, mas no seu caso irei fazer algo diferente. 

Antes que tivesse tempo para absorver todas aquelas palavras, Mika foi acertada por algo nas costas e caiu lentamente em direção ao chão. 

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Quando acordou, já estava de noite. Ela se levantou calmamente apoiando-se na pedra que havia ali, e ao olhar para trás, notou uma enorme barreira azulada. Tentou tocá-la, mas no mesmo instante levou um pequeno choque nas mãos. Quando se virou reparou que estava diante de uma imensa floresta, com árvores  tão grandes que ela não conseguia determinar seu fim. 

— Que lugar é esse? — Pôs a mão na cabeça — parece que fui atingida por algo, mas não me lembro o que.

Conforme ela andava pela floresta, uma sensação que ela nunca havia sentido em seus 15 anos de vida: solidão. Depois de mais de cinco minutos de caminhada entre pontos de lama, terra e terreno irregular, ela consegue alcançar uma pedreira. 

Assim que se aproximou, notou o ronco de alguém. Avançou com passos lentos e visualizou um garoto de cabelos cacheados, vestindo uma camisa rasgada ao lado de uma fogueira, segurando uma faca.

Decidiu-se aproximar mais um pouco e, sem querer, pisou em um galho pelo caminho. O barulho alertou o garoto dormindo, que rapidamente acordou apontando uma faca em direção a seu pescoço.

— O QUE?! Uma garota? Aqui? — Ele deu um pulo para trás.

Ela franziu a boca e a testa, colocando também as duas mãos sobre o quadril o encarando.

— Preferia que fosse um monstro? 

— Não, não! Me desculpa, é só que geralmente não enviam muitas garotas aqui — Abaixou a faca e estendeu a mão. — Prazer, me chamo Miguel Lincoln.

Apertou sua mão desconfiadamente.

— O que seria “aqui?”.

— Como assim? — Ele coçava a cabeça — Estamos na barreira de Krista.

— E eu deveria saber o que é isso? Na verdade eu nem ao menos sei como cheguei aqui.

— Que estranho.. Sente-se aqui — Apontou para um tronco de madeira ao lado da fogueira.

Os dois se sentaram se encarando.

— Pode parecer bizarro o que vou falar, mas criaram essa barreira para conter algumas maldições e espíritos maiores.

— Que? Do que você está falando? O por que eu estaria aqui? Por qual motivo você está aqui? Ma — antes que conseguisse dizer mais uma palavra o garoto a interrompeu.

— Acalme-se, eu não sei muito, isso foi o que o meu pai me explicou. Eu estou aqui há 2 anos.  — Desviou o olhar — Não acho que tenha saída.

— Isso ainda não faz sentido, se esse lugar foi criado para prender outras criaturas, por qual motivo estaríamos aqui? 

— Bem.. Acho que jogam outras pessoas aqui como forma de punição e também… 

— Diga logo! 

— Acho que somos alimentos para as criaturas. — disse enquanto se levantava com a faca em mãos. — Encontrei algumas durante esse tempo todo, mas sempre consegui me esconder.

As informações bombardearam a cabeça de Mika, mas por algum motivo ela sentiu que ainda havia alguma coisa que estava esquecendo. Quando tentou pronunciar mais uma palavra, sua cabeça foi tomada por uma forte dor. Ela colocou as duas mãos sob a cabeça, sentindo como se ela fosse explodir. Antes que Miguel conseguisse fazer algo, ela caiu no chão já sem consciência.

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Cerca de 2 horas depois, ela acordou com um forte barulho de algo se quebrando. Ao se levantar percebeu que Miguel também estava dormindo e a fogueira estava apagada.

“Minha cabeça ainda doi..”

Ela se levantou calmamente tentando não acordar seu novo e ainda misterioso companheiro.

Alguns segundos depois ela escutou um pequeno barulho vindo de trás, em direção a floresta adentro. 

TUM!

Se virou rapidamente, tentando visualizar todos os lados possíveis.

Quando sua visão retornou ao ponto inicial, visualizou mais de 8 olhos lhe observando de longe. Imediatamente ela congelou, não conseguia dar um passo sem sentir a sensação que poderia morrer a qualquer instante. O ser lá presente abriu um sorriso e, ainda na escuridão, avançou lentamente em sua direção.

Naquele instante, a única coisa que se passou por sua cabeça foi gritar e assim ela o fez; Um grito ensurdecedor saiu de sua boca, e ecoou por toda a floresta, acordando no processo seu então companheiro, Miguel.

Ele se levantou assustado.

— Ah! Que susto! Que bom você acordou, não grite assim se não vai chamar outr — Olhou para frente — Não se mexa..

Miguel pareceu estar acostumado depois de tanto tempo naquele lugar e a puxando lentamente pela mão, os dois se afastaram aos poucos. Quando enfim ele disse: 

— Corre!

Os dois correram na direção oposta de mãos dadas, foram entre árvores e alguns lamaçais pelo caminho. Mesmo que ainda estivesse mais acostumado com aquilo, a expressão no rosto de Miguel se mantinha a mesma desde o dia em que entrou ali: o medo de morrer.

Correram desesperadamente por mais de três minutos, até chegarem em um local com uma pequena poça d’água e diversas árvores em volta. Eles se sentaram em uma das pedras em volta, observando a lua, que naquela noite estava fluorescente.

— Que coisa era.. — respirou ofegante — aquela?

— Não tenho ideia.. Nunca vi um daquele tamanho — se levantou — Venha, aqui não é seguro.

Antes que os dois conseguissem dar mais que quatro passos, eles ouviram uma voz ao longe. 

PARADOS!

Mal conseguiram associar a ordem e um turbilhão de passos pesados os cercou, junto deles vários sons de árvores caindo. Até que enfim no centro daquela pequena poça, apareceu uma criatura com mais de 4,3 metros de altura, cauda espinhosa e mais de 15 olhos na face.

 



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