Sangue Azul Brasileira

Autor(a): NAI


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: O sussurro interior

Dia 02, do mesmo dia. 16:35, campo de treino.

— Já se passaram 5 horas.. Você é um inútil mesmo, tenta de novo. — disse Mika.

— Tentar o quê? Eu simplesmente não consigo ficar nessa posição meditando tanto tempo.. 

— É a única forma de desbloquear o seu Mukai.

— Você sequer me explicou o que significa isso e espera que eu simplesmente faça?

Mika foi em direção a Louis e sentou-se na grama em frente a ele.

— A energia do Mukai reside no coração — Apontou para o coração. — E assim como ele faz com o sangue, toda energia é levada e flui através dele para todas as partes do corpo. Ele também está presente em todas as coisas ao redor.

— Afinal, para que eu preciso disso? Minha magia já devia ser o suficiente — fechou os braços.

— Se fosse o suficiente você não teria perdido para mim. — Sorriu.

“Desgraçada… Logo mais eu pego essa sua mão para mim.”

— Continuando.. — Levantou-se apoiando a mão nos joelhos — O motivo pelo qual os humanos “normais” como você que acham que força física é tudo é porque enxergam apenas o mundo em sua forma material, existem ao todo três dimensões extras.

Mika em pé começou a fazer estranhos movimentos com as mãos, até que ela gritou: — Kinkai — Em sua frente apareceu um enorme papiro com informações.

— O que significa isso? — Olhou fixamente.

— Antes de você aprender o Mukai, você precisa compreender onde estamos nisso tudo. Aqui — Apontou para a terra — essa é a nossa dimensão é tudo o que enxergamos e entendemos como humanos, acima de nós há a segunda dimensão chamada de abyssal, onde vivem as maldições, espíritos e outros seres desse nível.

Mika andou até a outra parte do papiro.

— Acima dela a Eldora, lar dos seres superiores e a quarta dimensão acima de todas, a qual nunca para de brilhar; Chronosia.

— Mas que explicação rasa é essa? — Levantou.

— Por hora é o que você precisa saber. — Levantou o braço direito fazendo o papiro sumir. — Agora que você as conhece, vamos dar continuidade, sente-se.

Os dois novamente se sentaram, cruzando as pernas e fazendo um sinal de coração invertido com as mãos.

— Todo ser humano traz consigo uma “trava” — apontou para a parte esquerda do cérebro — ela impede o uso do Mukai para um humano “comum”. Para removê-la, é preciso que você passe por esse ritual de meditação. Lá você enfrenta meio que a sua "sombra".

— Imagino que não seja simples assim… Se a pessoa perder o que acontece?

— Bem.. Seria dominada pela sombra interior e perderia para sempre a consciência.

“O Que? Essa louca ainda quer que eu tente isso?”

— Agora comece de uma vez! Sinta o ambiente ao seu redor, mas sem esquecer seu espaço nele. 

Louis fixou as pernas cruzadas, juntou novamente as mãos, mas agora em sinal de paz e fechou os olhos. Ele se concentrou em tentar sentir a energia a seu redor.

— Assim não! — Acertou um tapa em sua cabeça. — Eu falei para não esquecer o principal, você!

— Sua maldita! — Coçou a cabeça — Como você sabe que eu não estava fazendo isso?

— Seu fluxo estava extravasando para fora, concentre-se na energia que flui em seu coração e, logo depois, sinta aspectos do mundo aqui fora.

Louis novamente fechou os olhos, porém dessa vez ele começou a sentir uma pequena energia fluindo em seu coração. Aos poucos, começou a senti-la fluir por todo o seu corpo. Depois de 40 segundos naquele estado, começou a sentir aspectos fora do seu corpo, a grama que o cercava, depois a brisa do vento que passava entre seus cabelos e, por último, os respingos de água que caíam das folhas.

Ele se manteve assim por mais um minuto e meio, até que, estressado, decidiu abrir os olhos, gritando: — Isso não func — Parou subitamente ao perceber que não estava mais no campo de treino.

Seus pés tocavam a água, que estava presente por todo lugar. O ambiente era mais escuro, com uma fina névoa cinza.

“Isso... É meu cérebro?”

Olhou para todos os lados e percebeu que, distante à sua frente, havia uma luz vermelha. Ele seguiu andando em direção a ela por 40 segundos. Quando estava em uma distância considerável de seu local de origem, percebeu em direção a ela um corpo de dragão já morto.

— Tem alguém aí? 

Dos fundos ecoou uma voz.

— Lashan trokai druva yoreth

— O que?.

— Mukaiano Yoreth Tasiren Thalor — A voz rouca começou a repetir incessantemente. — Mukaiano Yoreth Tasiren Thalor.

Já sem paciência, juntou as mãos e tentou lançar um ataque de sangue, que falhou.

“Como?”

Quando enfim decidiu dar mais um passo, uma linha cinza surgiu no horizonte e atravessou seu coração. Sem ter tempo para reagir, Louis foi atingido e começou a sentir seu corpo cair lentamente na água, desmaiando em seguida. Três segundos depois, ele abriu os olhos novamente, desesperado, pondo a mão no peito. No entanto, percebeu que havia voltado ao ponto inicial, onde estava a um minuto atrás.

“Eu morri! Eu tenho certeza, senti meu corpo parar de responder..”

Ainda com receio, Louis pensou em ir até a luz novamente, mas, dessa vez, tentou ir correndo, ignorando a voz ou qualquer outra distração. Novamente, a linha em alta velocidade ultrapassou seu coração.

Louis repetiu esse ciclo por mais de cinquenta vezes, tentando alcançá-la de diversas formas possíveis.Em determinado momento ele parou de lutar contra aquele local e tentou replicar o que estava fazendo com a Mika, porém dessa vez decidiu fazer a meditação em pé.

O símbolo que fez com a mão, nunca havia feito antes, mas instintivamente começou a fazê-lo naquele momento, assim ele começou novamente os mesmos passos de antes, sentindo dentro de si e expandindo para as coisas ao redor. 

A voz que estava dizendo diversas palavras sem sentido para ele, começou a se transformar.

Lashan troika druva yoreth — Se transformava — As sombras enfrentam o ritual do dragão.

Mukaiano Yoreth Tasiren Thalor — Virava — Morte, Ritual, Mukai, Louis.

Abriu um sorriso ao entender agora, porém algumas delas ainda não possuíam sentidos completos. Quando abriu seus olhos novamente se viu em outro local, em sua frente uma casa, que lhe era estranhamente familiar.

Ele se aproximou da janela na parte direita da casa, ao visualizar o que havia dentro, de seus olhos saíram lágrimas. Ele visualizou seus pais e a si mesmo a 8 anos atrás, confuso, porém feliz ele avançou em direção à porta.

Entretanto, percebeu que seu corpo não estava presente fisicamente ali. Quando ele se virou para sair da casa, sentiu uma faca passando por seu coração e quando se deu conta, todo o ambiente mudou novamente, mas dessa vez retornou ao dia do incidente.

Ele caiu de joelhos, visualizando toda aquela destruição e relembrando das mortes.

— Por que?! — gritou — Que droga de lugar infernal é esse?!!

Quando abriu os olhos novamente, retornou ao local de origem. A voz cessou e Louis começou a ouvir passos se aproximando vindo de perto do dragão.

— Thalor, como espera compreender a si, sem enfrentar o passado? — disse a voz rouca.

— Que droga é você?

— Isso não importa.. Thalor — Enfim, Louis visualizou; a voz possuía uma aparência totalmente cinzenta.

— Que merda é Thalor?! — Tentou se levantar com grande esforço — Seu covarde! O que você quer com isso?

— Thalor ser você — A sombra se aproximava lentamente — Vamos venha.

— Thalor? Meu nome é Louis, mas isso não importa, então é você quem eu preciso meter a porrada para sair daqui?

— Hihi — gargalhou estranhamente — Thalor a garota lá fora é uma tola, “enfrentar sua própria sombra” — Aumentou a intensidade da risada — Você achou que iríamos lutar?

— Eu já falei, meu nome não é Thalor. Se você não quer lutar, problema é seu, já eu estou tempo demais nesse inferno. — Começou a avançar.

— Louis, nome dado por humanos; Thalor, nome verdadeiro.

Louis parou no meio do caminho e, apenas continuou a escutar a voz.

— Thalor Mater Scratch Bellmore, você demorou a confrontar a si mesmo.. Ignorou a possibilidade de um duplo passado.

— Que porra você tá falando?!

— Hihi.. Você entenderá em breve. Agora, se deseja retirar o Trokai, por algum motivo vocês chamam de “trava”, se quiser tê-lo precisa passar pelo ritual do dragão. — Ela parou no intermédio entre o Louis e o dragão morto e disse: — Deseja iniciar o ritual? 

Louis sem passar duas vezes respondeu instintivamente: — Sim.

A sombra deu um último sorriso e desapareceu, no instante seguinte chamas vermelhas apareceram nos olhos do dragão e de repente ele se levantou dando um grande rugido. Quando se deu conta da presença de Louis, se aproximou o encarando nos olhos.

— Thalor, nas câmaras sombrias do passado e nos ecos do destino, ouça atentamente o sussurro do dragão:

“Minha primeira respiração é o eco de lágrimas, revelando segredos há muito esquecidos. Minha segunda respiração é o trovão da tempestade, desencadeando tormentas emocionais que clamam por redenção.”

“Sou a sombra que dança nos corredores do seu ser, um reflexo distorcido do que foi, do que é e do que será, mas afinal.. O que sou eu?”

“Nem fodendo! Um enigma?!” pensou “ Mas por que isso?..”

Louis levou a mão ao queixo em sinal de pensamento.

— Você é o tempo. — disse entusiasmado.

— Errado! Resposta correta; eu sou a emoção. Punição — O lado direito de Louis ficou totalmente cinza.

— Que droga é essa? Que coisa maldita…

— No recanto sombrio onde as lembranças andam e os gritos do passado ecoam, Thalor, preste atenção ao sussurro do dragão:

“Minha primeira alvorada é a chama que arde na vela do tempo, iluminando o caminho de ontem. Minha segunda alvorada é a bruma que paira sobre o espelho das escolhas, obscurecendo o horizonte do amanhã.”

“Sou a sombra que projeta suas dúvidas nos muros do presente, um eco de suas próprias perguntas sem respostas. O que sou eu?”

“Eu sou horrível nestes enigmas, mas parece ser o único jeito..”

— Sou o.. Ixi.. Esqueci.. 

— Sou a reflexão! Punição. — O lado esquerdo de Louis também ficou cinza, restando apenas sua cabeça.

“Então esse é o fim? Morrer por causa de um par de enigmas haha..”

— Último desafio. — O dragão soltou um sopro cinza ao seu lado, dele emergiu três portas cinzas e assim o dragão iniciou novamente: — três portas, cada uma esconde um fragmento do seu ser. A primeira, um reflexo do passado; a segunda, um vislumbre do presente; a terceira, uma sombra do futuro.

“Na escuridão, encontro minha luz, Na quietude, ouço meu clamor. Qual é o eco que ressoa no coração da sombra, Thalor?”

— Eu mesmo — suspirou.

Ao responder a porta do meio se abriu e dela se revelou um enorme brilho que cegou Louis por alguns instantes. Quando conseguiu abrir os olhos novamente se deu conta, seu corpo estava restaurado, porém ele e o dragão, estavam em um local quente, de frente a um belo palácio feito de mármore branco. Nos arredores, apenas um amontoado de folhas queimadas e árvores mortas.

O dragão sinalizou para que Louis tentasse subir. Sem questionar, ele subiu rumo ao palácio por uma longa escadaria. Ao alcançar o topo, deparou-se com a construção totalmente quebrada.

“Ela parecia inteira lá de baixo..”

Quando se virou para olhar mais atentamente, viu uma silhueta completamente coberta por um manto preto.

— Errado.. SAIA! — gritou estendendo as mãos e lançando o Louis com força para o início da escadaria. 

— Não.. Essa merda de novo não! Me diz por favor, o que eu faço aqui?

— Observar as escadarias você deve, nove degraus, nove atitudes.

Novamente ele foi em direção ao primeiro degrau, e quando pisou, sentiu um estranho sentimento, mais se assemelhava a algum tipo de ressentimento. Quando foi para o próximo sentiu um novo sentimento “Arrogância”. Conforme ele avançou pelos degraus foi entendendo seu objetivo.

“Revisitar atitudes.. Deve ser isso.”

Degrau a degrau, as memórias de cada uma de suas atitudes passaram por sua mente e o obrigaram a visitá-las e compreendê-las antes de avançar para o próximo.

Louis repetiu esse ciclo por mais de 103 vezes, sem ter qualquer noção de quanto tempo teria se passado ao lado de fora. Quando, enfim, na tentativa de número 104, ele ultrapassou o nono degrau e, ao observar o palácio, desta vez ele estava inteiro e não havia qualquer sinal da silhueta.

Por dentro, era completamente branco. Seu chão era tão limpo que refletia tal como um espelho.

Mais adentro do palácio, grandes pilastras também de mármore se erguiam e ao fim delas, um gigante corredor cheio de quadros, quando se aproximou e visualizou o primeiro quadro, Louis deparou-se com uma pintura exata de quando teve seu primeiro machucado na infância, ao seguir a próxima, sua primeira vez andando de Krag — Um tipo de mamute dócil comum na capital. 

Conforme avançou, mais momentos de sua vida passaram diante de seus olhos, até o dia em que aconteceu o acidente que mudou sua vida por completo.

A hora exata em que Louis se manteve naquele “mundo” não lhe era concebida, mas na verdade para ele isso sequer importava.

Ele seguiu observando mais e mais momentos, até enfim chegar ao fim do corredor, lá havia um quadro maior do que qualquer outro que já viu na vida. Frente a frente com ele, uma linda pintura, porém igualmente assustadora; se tratava dele mesmo cercado por uma nuvem negra e muito sangue por todo seu corpo, enquanto a seus pés apareciam os corpos de não conhecidos e conhecidos. Ao fundo havia uma pessoa de pé com olhos vermelhos, porém ele mal se atentou a esse detalhe.

Louis deu um passo para trás e sentiu em suas costas uma mão fria e áspera e então ouviu o recado:

— Retorne! Isso é demais para você agora. Quando precisar novamente sabe como retornar…

Mal teve tempo de responder e um enorme clarão o cegou novamente, quando conseguiu reabrir os olhos, lá estava ele de volta em uma noite de lua cheia. Ao se levantar sentiu uma coisa em si, se tratava de uma capa branca desgastada.

“Será que isso é… Só pode ser?” Pensou sorrindo.

Ao olhar para sua direita, Mika estava sentada em um tronco de costas para Louis, segurando uma lamparina enquanto observava a lua.

— É lindo, não é? — questionou — eu sinto como se a luz da lua fosse mais poderosa até mesmo do que a do sol, não necessariamente em intensidade, mas em sua natureza.. Ela é bela e serena. — Se virou para Louis com um sorriso discreto — Então você conseguiu.

Louis retribuiu o sorriso e disse: — Você estava me esperando até agora? Quanto tempo se passou?

— Claro que não! — suas bochechas rosadas lhe entregavam — se passaram 11 horas. Por que demorou tanto? Não vai me dizer que apanhou para a sombra também?.

— Foi confuso. — Se aproximou do tronco e se sentou ao seu lado — não sei explicar, a sua como foi?

— Faz alguns anos, eu acordei na minha antiga vila natal. Revivi… Enfim, não importa! No final uma sombra com aparência de um velho conhecido apareceu e eu quebrei o pescoço — falou de peito estufado orgulhosa.

— Acho que cada experiência é exclusiva.

— Ninguém nunca comenta sobre o que acontece lá dentro, por algum motivo eu também não tenho tantas memórias a não ser sobre a sombra que enfrentei — Se alongou — Devo ter algum tipo de amnésia — Sorriu observando o céu.

— Não quer procurar saber?

— Revisitar o passado apenas trará dor já abandonada de volta, estou bem como estou.

Louis se levantou apoiando-se no tronco e se virou para Mika.

— Agora fiquei curioso sobre sua historia.

— Talvez um dia eu busque relembrar, vamos voltar. — falou Mika dando um tapa nas costas de Louis.

Os dois caminham juntos até que Louis escutou um pequeno sussurro vindo da mata.

“Thalor…”

Ele se virou abruptamente dando um leve susto em Mika.

— O que foi?

— Nada… Pensei ter escutado algo, vamos embora.



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