Volume Único
Capítulo 5: A vendedora de mochi
— Que fome. — Hiroshi despertou antes do nascer do Sol e essa foi a primeira coisa que disse.
Ele prosseguiu com sua sequência de tarefas diárias, nas quais não deixava de fazer um dia sequer.
Todas as manhãs, logo após levantar da cama, o guerreiro começava o dia lavando o rosto, umedeceu um tecido com água e limpou toda a residência, varreu as folhas que estavam na frente da casa, lavou e estendeu as peças de roupa e, por fim, aplicou um perfume de gengibre que havia conquistado na guerra, um presente do seu chefe militar.
O forte aroma de gengibre ajudava Hiroshi a despertar.
Tendo terminado as suas tarefas domésticas, ele pegou sua katana e foi para fora.
Durante dez minutos, apenas trabalhou sua respiração, enquanto apontava a espada para baixo. Após essa espécie de meditação, Hiroshi, ao invés de começar, olhou para o céu para contemplar o belíssimo nascer do Sol, que tingia de dourado o céu azul, algo que lhe deixava um tanto nostálgico.
Dessa forma, ele retornou à posição de guarda por mais cinco minutos, enquanto respirava fundo, até sacar sua espada da bainha, e, com extrema velocidade, apontando-a aos céus, fazendo movimentos amplos cortando o ar, acompanhados por um forte sopro.
Repetia isso até seus pulmões se esgotarem de ar, mas logo respirava e começava tudo de novo até chegar ao corte número 100.
As massas de ar que Hiroshi movimentava eram perceptíveis ao olhar, devido à rapidez e potência de seus cortes.
Apesar de ter extrapolado o limite humano, esse parecia ser o seu próprio limite. Hiroshi estaria satisfeito com qualquer progresso, mas, em trinta dias, não houve nenhum, o que o deixou bastante frustrado.
Após finalizar os cortes, o guerreiro iniciou uma forma diferente.
A espada apontava para o chão, e o braço direito, relaxado, a segurava.
Ele respirou novamente e com um sopro, saltou e apunhalou o ar com a espada apontada para frente.
Este era a base do segundo movimento — que usou contra Sota — um simples pulo que se limitava a dez metros. Esse movimento também causava estranheza a Hiroshi, afinal de contas, não melhorava há trinta dias, nem mesmo percorrendo meio milímetro a mais.
Como não notou melhora nem não primeiro, nem no segundo exercício, não viu sentido em realizar o terceiro.
Logo, com o tempo que lhe restara, resolveu sentar e examinar os arredores da casa.
A vizinhança era tão calma que chegava a entediá-lo, não havia nada para ver além das árvores de bordo que rodeavam a residência, nas quais, embora fossem lindas, já não causavam o mesmo impacto aos olhos do guerreiro.
“Se ao menos tivesse um lago por aqui, faz anos que não saio para pescar”, pensou ele, imaginando-se segurando um grande salmão.
Hiroshi não costumava pescar e, dessa forma, não tinha a mínima ideia se existiam rios no interior de Kyoto, e também não teve vontade o suficiente de buscar tal informação.
Enquanto se perdia em seus pensamentos, uma mulher aproveitou sua distração para se aproximar e sussurrar em seu ouvido.
— Que vida difícil, hein?
Hiroshi sentiu um arrepio e se virou.
A mulher à sua frente era uma vizinha, Akira, que costumava vender mochi para ele em frente à sua residência, por um valor acessível, todos os dias de manhã.
Akira era alta, tinha cabelos pretos longos, uma pele morena, e, apesar de ter nascido no Japão — como sua pronúncia perfeita indicava — ela não parecia japonesa.
Mesmo esbanjando de um ar amistoso, Hiroshi sabia que, por trás daqueles lábios sorridentes, havia uma mulher que era muito ardilosa com as palavras e extremamente capacitada. Ela possuía extrema determinação e faria qualquer coisa para prover sua família. A imagem de uma raposa de contos que ouvia quando criança vinha à sua cabeça sempre quando a via.
Em conversas anteriores com Hiroshi, ela havia mencionado que, apesar de não ter certeza de onde seus pais eram, a única recordação que tinha era de um colar de pássaro que recebera deles quando criança. Ao investigar o colar, ela chegou à conclusão de que poderia estar relacionado a um deus egípcio, mas não tinha certeza.
— Onde você estava ontem? — perguntou Hiroshi
— Eu te contei… Ou acabei esquecendo?
— Não me lembro de nada.
— Ué, mas eu tinha certeza de que contei… Enfim, ontem, passei o dia no lago com minha filha.
— Que lago? — Ele estava determinado a comprar uma vara de pesca e ir pescar no mesmo dia, dependendo da proximidade, apenas para sanar seu tédio.
— O grande lago Biwa! Lá tem todo tipo de peixe, e até relatos de pessoas que encontraram pérolas lá… Apesar de não ter encontrado nenhum deles. — disse Akira, enquanto tirava a sua bolsa de palha do ombro, e perguntou: — De qual sabor você quer hoje?
— Quero um mochi de morango, por favor. — Hiroshi entregou o dinheiro e prosseguiu: — Então…Onde fica esse lago?
— Fica aqui perto, mas em outra província. — disse ela, entregando um grande mochi rosa.
— Como chego lá?
— É só pegar a estrada que está a nordeste daqui e seguir em frente.
— Entendo, demora quanto tempo?
— Uma hora e meia andando mais ou menos.
— Ah… Obrigado, pelo mochi também. — E assim desistiu de pescar por enquanto, pois estava cansado demais.
— Por nada, tchau, tchau!
Hiroshi mordeu o Mochi e acenou com a mão esquerda. Embora gostasse da companhia de Akira, as conversas entre eles eram sempre breves.
“O que eu poderia fazer agora…”
Ele não tinha nenhum compromisso para o restante do dia, mas também não tinha nenhuma atividade específica para se ocupar. Então, em uma tentativa de se animar, começou a relembrar os passatempos que seus antigos oficiais de guerra praticavam — pois os via o tempo todo sem nada para fazer.
Hiroshi costumava ver seu antigo oficial, Koji, se entreter profundamente na arte do shodō. Ele mesmo possuía uma pequena experiência com a arte, então, após terminar de comer, saiu para comprar papel.
A papelaria estava distante de sua casa, então, Hiroshi, que havia desistido de pescar mais cedo por esse motivo, resolveu enfrentar a caminhada, que durou 3 horas para ir e voltar — o que era relativamente menos tempo do que as 3 horas que a pescaria requereria, somente para chegar ao lago.
Com os cem papéis em mãos, ele acomodou-se no chão, pegou um deles, colocou um peso em formato de peixe, molhou um pouco a pedra de shodo com água, esfregou a tinta nanquim em pedra.
O cheiro de tinta dominou o ambiente e com um pincel feito de bambu e ponta de pelos de animal, passou levemente a ponta no líquido e começou a escrever.
Hiroshi escolheu um Ensō, um círculo perfeito que significa vazio e paz, porque era o mais simples, mas ao fazer, percebeu que usou tinta demais, e o resultado ficou assimétrico.
Após ter cometido o erro inicial, na segunda tentativa, passou o pincel onde não tinha água no recipiente de pedra e, assim, fez um segundo círculo, também desigual.
Hiroshi prosseguiu dessa forma, tranquilo e concentrado, até o círculo cinquenta, onde finalmente achou satisfatório, mas, ainda assim, percebendo espaço para melhorias. Ele resolveu parar e experimentar outro kanji.
— Agora vou fazer… o Kuro. Acho que Yokai o representa melhor… Ou será Yūrei?
Os papeis acabaram, ele acabou fazendo os três, sujando as mãos e a mesa, mas se sentiu realizado após limpar tudo, como se finalmente encontrara uma cura para seu enfado.De forma misteriosa, sua escrita havia evoluído significativamente em pouquíssimo tempo, mas Hiroshi sempre foi assim, com picos de evolução extremamente altos, algo que nem ele conseguia explicar, pois sempre os achou normais.
Se seu oficial possuía um estilo de escrita que transmitia agressividade, diferente, o estilo de Hiroshi poderia ser definido como perfeição, uma perfeição monótona.
— Ah, esqueci de comprar comida.
Já estava tarde. Sua única opção — novamente — era a segunda batata-doce. No entanto, Kuro não compareceu nesse dia. Mas, inspirado pelo ensinamento do dia anterior, repetiu os mesmos processos.
— Primeiro passo, descascar a batata. — Hiroshi ligou seu primeiro fracasso a não descascar, por isso, mesmo sem ver sentido nessa ação, ele descascou a batata.
Ainda estava longe do ideal, mas ainda assim, era melhor que não descascar — como fez da última vez.
— Segundo passo, cortar em cubos.
Dessa vez não havia hexágonos, e sim algum tipo de octógono, ainda com formas estranhas e triângulos, sem nenhum cubo, novamente. Esse foi o passo com menos avanço.
— Terceiro passo…Capacete.
— E Quarto, fritar.
Dessa vez ele estava completamente fissurado nas batatas, porém, na hora de colocar as batatas, o óleo espirrou em sua perna e no tempo em que correu para jogar água, já era tarde demais, havia ganhado uma nova cicatriz.
Hiroshi suspirou e foi limpar seu capacete. Embora tenha sido um desastre, poderia se considerar um desastre levemente melhor. Dessa vez, não foi inteiramente culpa de sua incapacidade na cozinha.
A batata estava com uma aparência duvidosa e um gosto amargo, por passar do ponto e não possuir nenhum tempero, apesar disso, estava comestível. Hiroshi considerou um sucesso.
Pôde-se perceber um tênue brilho em sua nuca, onde estava escondido o que parecia ser um desenho de tartaruga sob seu coro cabeludo.