Volume Único
Capítulo 37: Prato para um garoto doente
Mikhail Pavlov tinha cabelos brancos, olhos vermelhos vibrantes, uma pele pálida e um corpo franzino, consequência de sua saúde frágil, evidente pelos diversos fios ligados em sua pele, conectados com sacos transparentes de soro e sangue. Mas diferente do que se esperaria em um paciente nesse estado, ele mantinha uma expressão serena marcada por seu sorriso sutil e olhos semicerrados.
— Até você sabe japonês? — perguntou Hiroshi, espantado.
O garoto olhou confuso, disse algumas palavras em russo, então retornou a suas anotações.
— Ele apenas aprendeu os cumprimentos básicos, eu vou traduzir a conversa — respondeu a empregada.
— O que ele está estudando?
— Livros medicinais, para tentar descobrir uma cura para sua doença e algumas pautas de música, que ainda está indeciso sobre qual praticar.
— Que instrumento ele toca?
— Violino.
— Eu adoraria escutar um pouco, mas ele parece ocupado agora — Hiroshi começou a caminhar, explorando o interior da estufa, olhando de perto as diferentes plantas e insetos. — Sabe por que o Pavlov... O pai do garoto, me chamou aqui?
— Ele não me disse nada sobre.
— Entendo... O motivo deve ser o óbvio então. — E virou um troco, fazendo os milhares de insetos ali fugirem. — Ele deve querer que eu faça uma refeição para animar ele e ajudar na saúde também.
— Existe alguma forma de fazer uma sopa animadora? Mikhail mal tem forças para mastigar direito.
— Por favor, me leve até o chefe de cozinha. Voltamos aqui mais tarde.
— Dependendo do quão tarde, é capaz dele não estar mais aqui quando voltar.
— Então apenas diga para ele que nos reencontraremos mais tarde.
Hiroshi acenou para Mikhail e saiu apressadamente, seguindo a empregada que não o esperou se despedir
— Ele está na horta subterrânea, certo?
— Isso mesmo.
— O ideal seria fazer algum tipo de carne para ele melhorar logo, mas no estado que ele está eu tenho que me contentar em apenas usar vegetais?...
Eles atravessaram mais portas, saíram da mansão, andaram por algum tempo, rodeando o jardim labirinto e chegaram no que parecia a entrada de uma mina antiga.
A empregada que correu tanto por toda a propriedade parou, olhou para o chão e começou a descer os degraus com cuidado. Hiroshi fez o mesmo.
Depois de passarem por alguns túneis subterrâneos, ainda andando com cuidado, pelos degraus irregulares, íngremes, desnivelados e escorregadios, eles finalmente chegaram em um caminho único, já rodeado por plantações dos mais variados vegetais. E diferente dos outros túneis, esse era bem iluminado e o caminho era mais suave.
Hiroshi sentiu uma pequena energia semelhante com as dos magos e pouco depois, ambos foram recepcionados por uma forte ventania quente, que os empurrava para trás, mas que parou tão abruptamente quanto começou.
— Deveria ficar preocupado? — perguntou Hiroshi.
— Relaxe, isso não é nada fora do comum. O chefe é uma pessoa bastante... Animada.
Após a ventania parar por completo e o calor se dissipar, eles continuaram caminhando em frente, descendo um último lance de escadas.
— Outro mago? Não... isso é só maluquice.
O lugar tinha vegetais e frutas por onde quer que olhasse, em uma variedade impressionante. A empregada traduziu as etiquetas coladas nelas e Hiroshi descobriu que as origens variavam não só entre regiões ou países, mas até continentes.
Onde não havia plantas, havia equipamentos, vidros com líquidos estranhos, medidores, experimentos e no meio de tudo isso, uma enorme fogueira que esquentava um caldeirão prateado, de onde vinha as ventanias.
— Além de chefe, ele é o tradutor mais capaz que eu mencionei antes. Nem mesmo o senhor Pavlov tem ideia de quantas línguas ele fala. — Vendo a expressão que Hiroshi estava fazendo, ela sorriu, se despediu e se virou para ir embora. — O senhor Pavlov disse que pretende começar a mudança em um mês, divirta-se.
E os passos dela se perderam de volta a escuridão.
— Isso é carne? — perguntou Hiroshi.
— Aqui, prove um pouco. — Sem nem olhar, o chefe de cozinha que prendeu sua barba em um saco laranja para não cair cabelos em seus experimentos, ofereceu um prato com quatro cubos transparentes para Hiroshi. Cada um possuía uma etiqueta com um número. — Diga o que achou de cada um.
Hiroshi tentou pegar o primeiro cubo na mão, porém ele se desfez, voltando a ser um líquido.
— Tem algum talher para eu comer isso? — perguntou Hiroshi.
— Então o número um foi uma falha... Prove o segundo!
O segundo cubo não se desfez, pelo contrário, parecia o mais sólido das três amostras. Hiroshi provou um pedaço e acabou mordendo no que parecia um pedaço de pedra, que rapidamente cuspiu.
— Segundo, falha... Prove o terceiro!
O terceiro possuía uma consistência no meio termo entre os dois primeiros, Hiroshi hesitantemente mordeu um pedaço ainda menor, mas surpreendentemente foi uma consistência agradável de mastigar, apesar de não ter nenhum gosto.
— Konnyaku? Não, é um pouco diferente, é mais macio e mais sem graça. Esse é por enquanto, o melhor.
— Bom. Prove o último!
Hiroshi mordeu o último cubo, que tinha um gosto insuportavelmente azedo. Fez uma careta e sinalizou o fracasso.
— Obrigado pela ajuda, meu nome é Victor, o cozinheiro chefe da casa Pavlov! Não há recepção melhor que um bom prato de comida!
— Concordo com você. Meu nome é Hiroshi... — Os dois apertaram as mãos e Victor se surpreendeu com a força de Hiroshi. — Enquanto provei seus experimentos, não consegui parar de pensar no Mikhail... Isso não seria perfeito para ele?
— Decifrou perfeitamente minhas intenções, esse é o propósito do experimento que venho fazendo nas minhas horas vagas.
— Pelos pedaços de carnes boiando nesse caldeirão, não só tem o potencial para ser gostoso e fácil de comer, como é saudável... Eu deveria ter vindo aqui antes de visitar o Mikhail?
— Ele só queria exibir a mansão e mostrar a família dele, não pense muito sobre.
Já era tarde demais, a mente de Hiroshi começou a borbulhar com as milhares de novas possibilidades que surgiram com esse novo ingrediente.
— Posso testar umas coisas com isso? — perguntou Hiroshi.
— Fique à vontade, mas só depois de eu terminar a fases de testes.
— Ainda não está satisfeito com o experimento três?
— Não, vi essa comida uma vez em uma das minhas viagens ao redor do mundo para coletar ingredientes, mas só recentemente descobri o modo de preparo. Ainda está um pouco longe do original...
Os dois se juntaram para aperfeiçoar a gelatina e estudar as possibilidades de novos pratos. Hiroshi, que estava fissurado nisso, mal viu as horas passarem, se divertindo como quando estava no ápice de sua evolução no vazio.
Um prato que superou as expectativas dos dois ficou pronto pouco antes do jantar, dois dias depois de Hiroshi ter chegado.
Nesse tempo, Hiroshi e o chefe de cozinha se tornaram próximos como amigos que se conhecem a anos.
— Ah, é mesmo, faltava eu conhecer uma pessoa. Espero que ela não fique muito brava.