Volume Único
Capítulo 35: Caminho de volta
De repente, o dia de partir chegou.
— Volte sempre! — disse o mago, apertando a mão de Hiroshi com firmeza.
— E eu? — perguntou Pavlov.
— Ah... Eh, você também... Volte algum dia
Um pássaro bicou a cabeça do mago a mando de Pavlov e voou para a carruagem onde estavam os outros pássaros.
Hiroshi entrou em uma segunda carruagem mais luxuosa, com um banco de couro, cores vibrantes como a casa do mago, janelas de vidro e dirigida por dois cocheiros que revezariam entre si.
Além da carruagem dos pássaros e a que levava os dois, havia mais uma carroça para carregar as malas e mais cinco cavaleiros para a escolta. Hiroshi já havia percebido que Pavlov era um homem rico por suas vestimentas, mas tudo isso superava suas expectativas.
— Deixa eu ver se não esqueci nada... — Depois de vasculhar a carroça das malas, Pavlov subiu na mesma carruagem que Hiroshi e gritou para o mago: — Aparentemente peguei tudo, até mais!
Pavlov deu a ordem para irem e todos começaram a se mover sincronizadamente.
— Pela distância até a sua casa, são dois dias de viagem? — perguntou Hiroshi.
— Por aí, como vamos sem parar, devemos chegar em um dia e meio.
Pavlov começou a ler uma tragédia russa e até ofereceu um livro de fantasia para Hiroshi, mas ele decidiu apreciar a paisagem e dormir durante quase todo trajeto.
— Por que leva tantos cavaleiros? — perguntou Hiroshi.
— Porque o império é um lugar perigoso.
— Por que não fomos de trem? Tinha uma estação por perto.
— O trem não passa por minha casa, moro em um lugar um tanto quanto isolado. É bom para os pássaros.
— O que é essa cruz que carrega em seu pescoço a todo momento?
— É um instrumento de tortura — disse em russo — Herança de família, por parte de pai, uma longa linhagem de torturadores e carrascos, é para lembrar minhas origens...
O cocheiro deu risada e interrompeu a história de Pavlov:
— Pare de brincar com o coitado, ele pode acabar acreditando.
— Era só para melhorar o humor de vocês, ele não entende russo.
— O que vocês disseram? — perguntou Hiroshi.
— Nada que valha a pena traduzir.
— O livro que está lendo é bom?
— É terrível, dói o coração ver os personagens serem tão maltratados pelo autor.
— Então ele teve sucesso em escrever uma tragédia. Se não gosta desse tipo de coisa, por que pegou um livro assim então?
— Recomendação de meu amigo, ele disse para variar um pouco, já que só estava lendo romances.
— Há outros gêneros diferentes de romance, mas que não tem sofrimento.
— Bom, esse era o livro favorito dele. E fiquei curioso para saber se havia uma tragédia sem tragédia e com bastante romance. — Pavlov se abaixou e pegou debaixo do banco uma caixa cheia de livros. — Ainda tenho esperança de que um desses será assim!
— Boa sorte nessa busca.
Hiroshi se espreguiçou, deitou e voltou a dormir.
O som rítmico do trote dos cavalos parou, acordando Hiroshi.
— Chegamos?
— Ainda não, só vamos fazer uma pequena parada para os cavalos descansarem — respondeu Pavlov.
Hiroshi se levantou e olhou pela janela. Eles haviam parado ao lado de um rio, onde os cavalos tomavam água, em frente a uma pequena e rústica ponte de madeira, a única estrutura visível nos arredores, repleto de árvores.
— Está com fome? — perguntou Hiroshi, pulando da carruagem e se arrepiando com o frio singelo demais para congelar as águas, mas ainda considerável.
— Eu trouxe alguns pães! — Pavlov andou para a carroça das malas e retirou uma caixa coberta por um pano branco.
Ele pegou um dos pães para si e entregou outro para Hiroshi, que olhou desconfiado para a comida.
— De quando que é esse pão? — perguntou Hiroshi. — Está com uma cara meio estranha.
— Não sei, meu amigo entregou essa caixa pouco antes de nós saímos — respondeu Pavlov.
Hiroshi tentou dividir o pão em dois, teve dificuldade, fez uma expressão decepcionada e bateu o pão na madeira da carroça. O som da batida ressoou como se fosse uma pedra.
— Acho que esse é o “agradecimento” por ter roubado quase todos os mantimentos de inverno dele — disse Hiroshi.
— Está exagerando... — Pavlov deu uma mordida no pão e mudou de ideia no mesmo instante. — Você está certo, isso não é comestível. Ele estava tentando quebrar meus dentes!?
— Eu posso procurar algo por aqui — sugeriu Hiroshi.
— Pode ir, só não vá tão longe como da última vez — disse Pavlov.
— Por quê?
— Vamos partir em breve.
— Tudo bem. — E Hiroshi adentrou no meio da floresta.
Primeiro ele caçou alguns pequenos roedores e pegou alguns vegetais e cogumelos que pareciam comestíveis.
— Algum desses deve servir...
Depois, ele acelerou o passo e pegou um antílope que parecia uma gazela, se contentou com isso, colocou tudo que pegou em um pano de piquenique, amarrou em seu pescoço e voltou correndo.
— Isso é o suficiente para todo mundo? — gritou Hiroshi quando avistou a carruagem.
— O que não sei é se vai dar tempo de cozinhar tudo isso... — respondeu Pavlov. — Você é bem exagerado, não é?
— É um hábito que peguei por causa de uma amiga faminta. — Hiroshi colocou o pano no chão e foi pegar os utensílios que precisava na carroça. — Pode ir checando o que eu peguei enquanto isso? Posso ter pegado algo venenoso sem querer.
Pavlov pediu ajuda para um de seus cavaleiros, que entendia mais de comida que ele, e os dois separaram um terço dos vegetais e cogumelos, que eram venenosos ou prejudiciais à saúde, além de lavarem os que eram bons no rio.
— Já que vão ajudar com os vegetais, vou direto para o prato principal — disse Hiroshi.
Ele separou os melhores cortes da carne e fez um cozido com o que sobrou.
— Hm! O que é isso? — perguntou um dos cavaleiros. — De onde que veio esse gosto... Apimentado?
— Isso é um pequeno truque que fiz, eu... — Pavlov colocou a mão sobre o ombro de Hiroshi, interrompendo sua explicação. — O que foi?
— O verdadeiro motivo de nós termos parado decidiu dar as caras, tome cuidado. Ele tem nos seguido faz uns vinte minutos.
Hiroshi pegou uma faca de cozinha e ficou em guarda, atento com seus arredores.
— Vá se esconder, você não tem nada a ver com isso — disse Pavlov.
— Como assim? O que está acontecendo? — perguntou Hiroshi. — Tenho confiança em minha força, se forem só ladrões eu...
— Não estou duvidando de sua força, mas os cinco cavaleiros aqui têm uma força além da compreensão humana, eles foram escolhidos pessoalmente pelo próprio Sol Invictus, e provavelmente os inimigos devem ter alguém a altura. Vá se esconder!
Hiroshi seguiu as ordens para não irritar mais o Pavlov, porém, ainda ficou em uma distância em que conseguiria intervir caso as coisas dessem errado.
— Sol Invictus... Sol Invictus... Se ele mencionou que está sendo ajudado por ele, isso significa que o inimigo deve ser o Rovina? — disse Hiroshi, pensando em voz alta. — Se até Will que é confiante em sua própria força me disse para tomar cuidado com ele, o quão perigoso ele deve ser?
Sem nenhum ataque ou tentativa de se esconder, o perseguidor se revelou na frente de todos. Ele possuía uma altura média e aparência chamativa, vestia roupas semelhantes com as de luto, totalmente pretas, usava pedaços metálicos que perfuravam sua pele e seu cabelo preto cobria um de seus olhos.
Os cinco cavaleiros se posicionaram rapidamente, o cercando, mas ele não esboçou reação alguma, nem falou.
— Identifique-se! — gritou Pavlov.
Ele sorriu, revelando uma escrita marcada em seus dentes que Hiroshi não entendeu, mas que irritou profundamente Pavlov.
— Matem ele!
Os cinco cavaleiros avançaram ao mesmo tempo, e finalmente ele decidiu se apresentar.
— Prazer, meu nome é Mário, um humilde servo do único capaz de governar esse mundo, Rovina! — Após esse anúncio, ele desviou graciosamente dos ataques coordenados.
A cada desvio, ele encostava em um cavaleiro, a cada toque, uma morte.
Realmente Pavlov não havia mentido, Hiroshi viu que esse era um monstro além de sua compreensão. O medo o fez hesitar, que resultou em cinco mortes.
— Infelizmente fui ordenado a te deixar vivo, você deve ser bem útil — disse Mário. — Me siga.
Pavlov cerrou seu punho e segurou em seu colar, mas não viu escolha senão o seguir. Aquele homem era perigoso demais.
— Aliás, quem é o cara escondido?
Pavlov gelou, só conseguindo esperar silenciosamente, até a segunda frase sair da boca do subordinado de Rovina.
— Saia daí. — Como Hiroshi não entendia o que eles diziam, ele permaneceu escondido. — Saia daí! Não me faça repetir!
Mas após os gritos, Hiroshi entendeu a intenção.
— Não faço ideia do que disse, mas vamos lá, eu contra você desgraçado! — gritou Hiroshi.