Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 35: Caminho de volta

De repente, o dia de partir chegou. 

— Volte sempre! — disse o mago, apertando a mão de Hiroshi com firmeza. 

— E eu? — perguntou Pavlov. 

Ah... Eh, você também... Volte algum dia  

Um pássaro bicou a cabeça do mago a mando de Pavlov e voou para a carruagem onde estavam os outros pássaros. 

Hiroshi entrou em uma segunda carruagem mais luxuosa, com um banco de couro, cores vibrantes como a casa do mago, janelas de vidro e dirigida por dois cocheiros que revezariam entre si. 

Além da carruagem dos pássaros e a que levava os dois, havia mais uma carroça para carregar as malas e mais cinco cavaleiros para a escolta. Hiroshi já havia percebido que Pavlov era um homem rico por suas vestimentas, mas tudo isso superava suas expectativas. 

— Deixa eu ver se não esqueci nada... — Depois de vasculhar a carroça das malas, Pavlov subiu na mesma carruagem que Hiroshi e gritou para o mago: — Aparentemente peguei tudo, até mais!  

Pavlov deu a ordem para irem e todos começaram a se mover sincronizadamente. 

— Pela distância até a sua casa, são dois dias de viagem? — perguntou Hiroshi. 

— Por aí, como vamos sem parar, devemos chegar em um dia e meio. 

Pavlov começou a ler uma tragédia russa e até ofereceu um livro de fantasia para Hiroshi, mas ele decidiu apreciar a paisagem e dormir durante quase todo trajeto. 

— Por que leva tantos cavaleiros? — perguntou Hiroshi. 

— Porque o império é um lugar perigoso. 

— Por que não fomos de trem? Tinha uma estação por perto. 

— O trem não passa por minha casa, moro em um lugar um tanto quanto isolado. É bom para os pássaros. 

— O que é essa cruz que carrega em seu pescoço a todo momento? 

— É um instrumento de tortura — disse em russo — Herança de família, por parte de pai, uma longa linhagem de torturadores e carrascos, é para lembrar minhas origens...  

O cocheiro deu risada e interrompeu a história de Pavlov: 

— Pare de brincar com o coitado, ele pode acabar acreditando.  

— Era só para melhorar o humor de vocês, ele não entende russo. 

— O que vocês disseram? — perguntou Hiroshi. 

— Nada que valha a pena traduzir. 

— O livro que está lendo é bom?  

— É terrível, dói o coração ver os personagens serem tão maltratados pelo autor. 

— Então ele teve sucesso em escrever uma tragédia. Se não gosta desse tipo de coisa, por que pegou um livro assim então? 

— Recomendação de meu amigo, ele disse para variar um pouco, já que só estava lendo romances. 

— Há outros gêneros diferentes de romance, mas que não tem sofrimento. 

— Bom, esse era o livro favorito dele. E fiquei curioso para saber se havia uma tragédia sem tragédia e com bastante romance. — Pavlov se abaixou e pegou debaixo do banco uma caixa cheia de livros. — Ainda tenho esperança de que um desses será assim! 

— Boa sorte nessa busca. 

Hiroshi se espreguiçou, deitou e voltou a dormir. 

O som rítmico do trote dos cavalos parou, acordando Hiroshi. 

— Chegamos?  

— Ainda não, só vamos fazer uma pequena parada para os cavalos descansarem — respondeu Pavlov. 

Hiroshi se levantou e olhou pela janela. Eles haviam parado ao lado de um rio, onde os cavalos tomavam água, em frente a uma pequena e rústica ponte de madeira, a única estrutura visível nos arredores, repleto de árvores.  

— Está com fome? — perguntou Hiroshi, pulando da carruagem e se arrepiando com o frio singelo demais para congelar as águas, mas ainda considerável. 

— Eu trouxe alguns pães! — Pavlov andou para a carroça das malas e retirou uma caixa coberta por um pano branco.  

Ele pegou um dos pães para si e entregou outro para Hiroshi, que olhou desconfiado para a comida. 

— De quando que é esse pão? — perguntou Hiroshi. — Está com uma cara meio estranha.  

— Não sei, meu amigo entregou essa caixa pouco antes de nós saímos — respondeu Pavlov. 

Hiroshi tentou dividir o pão em dois, teve dificuldade, fez uma expressão decepcionada e bateu o pão na madeira da carroça. O som da batida ressoou como se fosse uma pedra. 

— Acho que esse é o “agradecimento” por ter roubado quase todos os mantimentos de inverno dele — disse Hiroshi. 

— Está exagerando... — Pavlov deu uma mordida no pão e mudou de ideia no mesmo instante. — Você está certo, isso não é comestível. Ele estava tentando quebrar meus dentes!? 

— Eu posso procurar algo por aqui — sugeriu Hiroshi. 

— Pode ir, só não vá tão longe como da última vez — disse Pavlov. 

— Por quê? 

— Vamos partir em breve. 

— Tudo bem. — E Hiroshi adentrou no meio da floresta. 

Primeiro ele caçou alguns pequenos roedores e pegou alguns vegetais e cogumelos que pareciam comestíveis. 

— Algum desses deve servir... 

Depois, ele acelerou o passo e pegou um antílope que parecia uma gazela, se contentou com isso, colocou tudo que pegou em um pano de piquenique, amarrou em seu pescoço e voltou correndo. 

— Isso é o suficiente para todo mundo? — gritou Hiroshi quando avistou a carruagem. 

— O que não sei é se vai dar tempo de cozinhar tudo isso... — respondeu Pavlov. — Você é bem exagerado, não é? 

— É um hábito que peguei por causa de uma amiga faminta. — Hiroshi colocou o pano no chão e foi pegar os utensílios que precisava na carroça. — Pode ir checando o que eu peguei enquanto isso? Posso ter pegado algo venenoso sem querer. 

Pavlov pediu ajuda para um de seus cavaleiros, que entendia mais de comida que ele, e os dois separaram um terço dos vegetais e cogumelos, que eram venenosos ou prejudiciais à saúde, além de lavarem os que eram bons no rio. 

— Já que vão ajudar com os vegetais, vou direto para o prato principal — disse Hiroshi. 

Ele separou os melhores cortes da carne e fez um cozido com o que sobrou.  

Hm! O que é isso? — perguntou um dos cavaleiros. — De onde que veio esse gosto... Apimentado? 

— Isso é um pequeno truque que fiz, eu... — Pavlov colocou a mão sobre o ombro de Hiroshi, interrompendo sua explicação. — O que foi? 

— O verdadeiro motivo de nós termos parado decidiu dar as caras, tome cuidado. Ele tem nos seguido faz uns vinte minutos. 

Hiroshi pegou uma faca de cozinha e ficou em guarda, atento com seus arredores. 

— Vá se esconder, você não tem nada a ver com isso — disse Pavlov. 

— Como assim? O que está acontecendo? — perguntou Hiroshi. — Tenho confiança em minha força, se forem só ladrões eu... 

— Não estou duvidando de sua força, mas os cinco cavaleiros aqui têm uma força além da compreensão humana, eles foram escolhidos pessoalmente pelo próprio Sol Invictus, e provavelmente os inimigos devem ter alguém a altura. Vá se esconder! 

Hiroshi seguiu as ordens para não irritar mais o Pavlov, porém, ainda ficou em uma distância em que conseguiria intervir caso as coisas dessem errado. 

— Sol Invictus... Sol Invictus... Se ele mencionou que está sendo ajudado por ele, isso significa que o inimigo deve ser o Rovina? — disse Hiroshi, pensando em voz alta. — Se até Will que é confiante em sua própria força me disse para tomar cuidado com ele, o quão perigoso ele deve ser? 

Sem nenhum ataque ou tentativa de se esconder, o perseguidor se revelou na frente de todos. Ele possuía uma altura média e aparência chamativa, vestia roupas semelhantes com as de luto, totalmente pretas, usava pedaços metálicos que perfuravam sua pele e seu cabelo preto cobria um de seus olhos.  

Os cinco cavaleiros se posicionaram rapidamente, o cercando, mas ele não esboçou reação alguma, nem falou. 

— Identifique-se! — gritou Pavlov. 

Ele sorriu, revelando uma escrita marcada em seus dentes que Hiroshi não entendeu, mas que irritou profundamente Pavlov. 

— Matem ele! 

Os cinco cavaleiros avançaram ao mesmo tempo, e finalmente ele decidiu se apresentar. 

— Prazer, meu nome é Mário, um humilde servo do único capaz de governar esse mundo, Rovina! — Após esse anúncio, ele desviou graciosamente dos ataques coordenados. 

A cada desvio, ele encostava em um cavaleiro, a cada toque, uma morte. 

Realmente Pavlov não havia mentido, Hiroshi viu que esse era um monstro além de sua compreensão. O medo o fez hesitar, que resultou em cinco mortes. 

— Infelizmente fui ordenado a te deixar vivo, você deve ser bem útil — disse Mário. — Me siga. 

Pavlov cerrou seu punho e segurou em seu colar, mas não viu escolha senão o seguir. Aquele homem era perigoso demais. 

— Aliás, quem é o cara escondido?  

Pavlov gelou, só conseguindo esperar silenciosamente, até a segunda frase sair da boca do subordinado de Rovina. 

— Saia daí. — Como Hiroshi não entendia o que eles diziam, ele permaneceu escondido. — Saia daí! Não me faça repetir! 

Mas após os gritos, Hiroshi entendeu a intenção. 

— Não faço ideia do que disse, mas vamos lá, eu contra você desgraçado! — gritou Hiroshi. 



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