Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 23: Loucura

— Voltei! — gritou Sota, na frente do portão de ferro. — Oi!? Alou!? Alguém? ...Será que aconteceu alguma coisa? 

Após alguns minutos sem resposta, ele pulou o portão e correu até a mansão. 

“Não tem ninguém aqui fora... Será que cheguei na hora da janta?”, pensou Sota, nervoso, tentando se distrair do pensamento mais óbvio.  

Chegando na porta da mansão, ele foi recepcionado com duas espadas, apontadas para seu pescoço. Sota instintivamente soltou a sacola com as lembrancinhas do templo e segurou no cabo de sua espada, mas desistiu de a desembainhar ao ver a armadura preta com o símbolo do Xogum local. 

— Espera! Ele é um convidado! Um Kōhei ainda por cima! — gritou uma das cuidadoras. 

— Um... O que? — perguntou um dos guardas. — Independente de quem ele seja, todos nesse lugar tem que ser interrogados. 

— Você é burro!? Quero dizer... Como não conhece os Kōhei!? — disse com o entusiasmo de um fã. — Poderia nos mostrar a placa dos Kōhei? 

Sota mostrou sua placa de ouro e o guarda se curvou imediatamente. 

— Isso é tudo que precisa para provar sua inocência! Muito obrigado pelos seus serviços prestados a minha vila! 

— Não precisa me agradecer, isso foi um feito da minha família — respondeu Sota. 

— Claro que preciso! A infinita bondade, bravura e enorme ajuda de seu avô serão lembradas através das gerações! — A família do guarda, que havia visto de perto a lendária cena do Kōhei se pondo contra o Xogum, contou essa história de forma bastante exagerada para ele. 

— Eu fico feliz em saber que minha família pode ajudar tanto vocês, podemos conversar sobre isso mais tarde, mas agora... Pode me contar o que aconteceu aqui? 

Ah, eu me empolguei demais. Peço perdão. Estamos investigando um caso de sequestro e assassinato que ocorreu aqui dentro. 

— As crianças estão bem!? 

— Todas, exceto duas garotas, foram levadas para um lugar seguro, 

“Por que o vigia não me avisou disso!?”, pensou Sota. 

— O assassinato então... 

— Não foram as duas. Gostaria de ver o morto? 

“Ele tinha mencionado que já fez parte de uma gangue, será que eles acharam ele?” 

— Sim, por favor. 

— Está no segundo andar. 

A cada degrau da escada, o coração de Sota acelerava.  

“Se o dono daqui fosse a vítima, eles já teriam me dito. Será que...” 

Como suspeitava, Sota se deparou com o corpo frio do ajudante que Will havia emprestado. 

— Onde está o dono desse lugar? 

“ ...Não sabemos. Ele é o principal suspeito. 

— O porão! — gritou Sota, enquanto correu com todas as suas forças para o andar de baixo. 

Pulou os degraus, caindo de forma desajeitada, mas continuou correndo até chegar no porão tampado, onde parou em frente da parede e bateu como se fosse uma porta. O som oco confirmou suas suspeitas. Com seus próprios braços, ele conseguiu atravessar com facilidade, encontrando uma engenhoca que se conectava com um botão para abrir esse esconderijo.  

“Eu sabia que esse lugar estava estranho, por que não chequei isso antes!? Ele até estava esperando por mim nesse lugar! Tenho certeza de que o que ele disse era mentira, só não me matou porque viu que não conseguiria” 

A escada escura continuava, Sota seguiu em frente, mas dessa vez, lentamente e silenciosamente. Mesmo que já tivesse se revelado, se fizesse ainda mais barulho, estaria sujeito a um ataque surpresa.  

Conforme ia descendo, ele notou uma trilha de sangue sutil que aumentava gradativamente. Em pouco tempo, encontrou o primeiro corpo em decomposição, sua constituição era de um adulto, provavelmente um dos caçadores de recompensa que vieram antes. 

“Morto com só uma facada e nem foi em um ponto vital... Talvez veneno?” 

Conforme Sota andava, mais corpos, todos de adultos, iam surgindo. O cheiro pútrido dominou o ar, fazendo com que Sota cobrisse seu nariz e boca com a bandana que usava para prender o cabelo e acelerasse o passo. 

“Nenhuma criança...” 

As escadas e os corpos acabaram, a sua frente estava uma porta de madeira, destrancada. Era possível ouvir sons de passos periodicamente e um pequeno feixe de luz escapava por baixo da porta. Certamente alguém estava do outro lado. Sota amarrou novamente sua bandana em sua cabeça, desembainhou sua espada e abriu a porta. 

— Will? — Sota não podia acreditar em seus olhos, por um momento de silêncio, dezenas de pensamentos sobrevoaram a sua mente. 

Mas logo, uma voz com uma mistura de tristeza e ódio o fez parar de pensar. 

— Você chegou tarde demais, ele fugiu. — A expressão de Will estava furiosa, seu rosto estava inundado por lágrimas, suas mãos tremiam ao segurar o corpo ensanguentado das duas garotas: Yuka e Ayane. Diferente dos outros corpos, as duas estavam com cortes da cabeça aos pés.  

Era impossível duvidar da genuinidade da dor que ele estava sentindo nesse momento. O peso da culpa caiu sobre Sota. 

— Desculpa... — disse Sota com a voz trémula, também começando a deixar lágrimas escaparem. — Eu... Com certeza vou me vingar! Vou destruir aquele desgraçado. 

Will colocou cuidadosamente o corpo das duas no chão, as sombras as levaram. Então andou em direção de Sota, que só pode observar, sem reação. 

 Essa situação trouxe outra a memória. Ou melhor, ele sentia como estivesse vivendo novamente um dos seus maiores traumas do passado. 

O ar se tornou rarefeito, respirar agora era uma tarefa difícil, seu corpo todo tremia, seus sentidos se enfraqueceram, Sota sentiu o verdadeiro peso de sua decisão. 

— D-desculpa... Não me mate! Eu não vou poupar ele novamente! Não vou hesitar nem um segundo! Espere, agora eu percebi! Agora eu sei que eu errei! 

Sota nos últimos segundos, havia mudado sua decisão, mas já era tarde demais. Agora ele tinha atenção exclusiva dos olhos de Will, que o julgava como se estivesse medindo o valor de sua vida em uma balança. 

Cinco longos segundos se passaram, ele o alcançou. 

— Um amigo tão valioso quanto um irmão de sangue, duas crianças inocentes... — Will chutou a barriga de Sota, o fazendo vomitar. — O que eu disse!? Eu te disse para não confiar nele! Olha o que você fez... As vidas deles nunca mais vão voltar, mas o assassino ainda segue solto por aí! Quem sabe o que ele pode fazer agora que foi descoberto... Saiba que tudo isso é culpa sua, sua irresponsabilidade, hesitação e pena por aqueles que não merecem! 

Will o chutou novamente, arremessando Sota para a parede, fazendo as estruturas da mansão tremerem. Sota estava à beira da morte, todas as suas costelas estavam destruídas, o sangue cobriu todo seu corpo, essa dor insuportável o fez soltar um grito ensurdecedor, mas Will, sem nem hesitar, arrancou seu próprio dedo indicador com seus dentes e colocou o sangue na boca de Sota, o restaurando completamente.  

— Quantas vidas terão que pagar para uma aulinha sua!? É tão difícil aprender o óbvio!? 

Will agarrou seu pescoço, o enforcando até quase desmaiar, para o acordar com um soco em sua face. Ele arrastou seu corpo pelo pescoço, então o arremessou novamente na parede. Sota desmaiou e foi curado. 

— Pare de achar que pode julgar os outros você mesmo! Você é só uma criança, uma criança que mal sabe o que acontece no mundo! Perceba sua própria inutilidade e aceitei aprender com os outros! — Will segurou as mãos de Sota e em um aperto, quebrou todos os ossos de suas mãos, então o curou novamente. — Não ouse se esquecer do que fez! 

Will retirou o corpo das duas garotas e as colocou no colo de Sota. 

— Se lembre todas as noites e peça perdão todos os dias, porque você sozinho acabou com o futuro delas. Sempre que ousar poupar alguém daquele tipo, se lembre do sangue que escorre em suas mãos. O que você fez é imperdoável. — As sombras levaram novamente os corpos e Will chorou por um longo tempo. — Quer saber... Basta de ficar brincando de ser um guerreiro, eu mesmo vou acabar com isso, vou matar ele e depois você vai para sua casa. Nunca mais pense em... 

— Es...pere. Me diga onde ele está... Eu vou fazer ele sentir mais que o inferno! Eu estava sendo muito piedoso, ele não pode morrer sem sofrer! 

Will encarou Sota e limpou suas lágrimas. 

— Essa é a sua última chance. Mas saiba que lembrarei para sempre do que você fez. 

E Will desapareceu. 

— Nossa que ator — disse Kuro. — Por que treina ele de um jeito tão... Ineficiente? 

— Porque é divertido — respondeu Will. 

— Não pode se divertir de um jeito menos caro? Eu compro uma bebida para você. 

— Já tentei todas as bebidas do mundo, nenhuma serve para um vampiro da minha idade. Sentir qualquer emoção é mais que um luxo para alguém como eu, é o que me mantem vivo. 

— Eu não me importo desde que faça o que deve fazer. — E Kuro desapareceu quando Will se encontrou com o assassino. 

Will desamarrou o diretor do orfanato da corda que o prendia. 

— Eu matei duas crianças que você cuida, tente provar o contrário para ele — disse Will, gargalhando e engolindo um pedaço de carne.  

— ...O que diabos você está comendo? 

— Quer um pedaço? — disse Will, oferecendo um braço humano. 

O assassino vomitou.

— V-você é louco...

— Acertou! 



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