Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 14: Lenda urbana

No último mês, uma série de assassinatos ocorreram de uma forma única, todas as vítimas eram homens que morreram a noite, encontrados com suas mandíbulas completamente arrancadas, mas sem um pingo de sangue em todos eles

Rumores sobre esse caso se espalharam rápido, e logo, histórias foram criadas. Histórias exageradas, supostos relatos, supostas origens de quem causou isso. Essas histórias mais exageradas se reuniram em formato de conto e se espalharam por todo Japão. Eventualmente chegaram ao ouvido de alguém que tinha experiência em lidar com casos do tipo. 

— Comandante do esquadrão de investigação paranormal, número vinte e quatro, setor independente. Prazer monstro, gostaria de tomar o caminho mais simples e se render logo? Juro que não te mato, apenas vou fazer... Alguns experimentos e depois disso você está livre. 

— Que proposta nada tentadora! — disse outra voz feminina, com seu corpo escondido pela escuridão da noite, dando risada. 

— É uma mera formalidade, nunca aceitam. 

— O que vai fazer se eu recusar? Me matar com esse brinquedinho de pólvora? 

A caçadora de monstros tinha uma tatuagem de aranha no pescoço, usava dois brincos de duas joias diferentes, um colar budista, um sobretudo ocidental, segurava um ofuda com a mão esquerda e um revólver visivelmente modificado com a mão direita. 

Ela amassou o ofuda que segurava, apontou o revólver para o peito do monstro e atirou. 

O monstro gritou e caiu no chão enquanto a caçadora continuou a atirar, se aproximando entre cada disparo. 

A munição acabou, ela soltou o ofuda no chão e pegou uma adaga de seu bolso. Ela escutou um passo, arremessou sua adaga, mas só acertou o tronco de uma árvore, colocou a mão em seu bolso e escutou um passo vindo de trás, tentou se virar, mas o monstro já segurava seu pescoço. 

— Caiu nesse truque tão óbvio?

A porta abriu. 

— Quer biscoito? — perguntou Hiroshi. 

— Ah! Você é... S-sim obrigado. — O morador pegou dois biscoitos e fechou a porta rapidamente.  

— E essa foi a última casa! — disse Fuyuki. 

— Ainda falta metade da cesta. — disse Hiroshi. 

— Hm... A gente pode ir para aquela outra vila aqui perto, mas é meio... 

— Ou a gente pode dividir e levar o resto para casa... 

— Vamos para outra vila! É bom conhecer outros lugares — disse Fuyuki, pegando a cesta. 

Ele saiu correndo, mas foi diminuindo o passo e parou pouco tempo depois. 

— Você sentiu isso? — perguntou Fuyuki. 

— O que? 

— Um arrepio, um sentimento estranho... Sei lá. 

Hiroshi se concentrou por alguns segundos. 

“Se tivesse uma pessoa nos seguindo eu teria percebido...”, pensou Hiroshi. 

Então começou a olhar para lugares distantes, atrás de árvores, no céu, pela janela das casas, mas não achou ninguém suspeito. 

— Não senti nem vi coisa alguma — respondeu Hiroshi. 

— É mesmo? Eu devo ter me enganado então... — E deu cinco passos, mas parou novamente. — Não, definitivamente tem alguma coisa de errado. 

“Será que os biscoitos são tão ruins que só de ficar perto fazem mal a saúde?” 

Fuyuki entregou a cesta para Hiroshi. 

— Ah! Agora eu senti. — disse Hiroshi. 

— Igual um objeto amaldiçoado...  

— Não. É intenção assassina. — Esse sentimento já havia salvado Hiroshi diversas vezes no campo de batalha, avisando sobre ataques surpresa, flechas vindas de pontos cegos e até em lutas onde sua visão estava prejudicada. 

— Os biscoitos ofenderam alguém tanto assim?

— Está vindo do lado oposto da vila, volte para sua casa. 

Fuyuki viu Hiroshi desaparecer na frente de seus olhos, em um salto. 

Hiroshi correu por alguns minutos, mas não encontrou a fonte desse desconforto que aumentava a cada passo. 

“Como alguém consegue ver de tão longe?” 

Hiroshi entrou na floresta e começou a sentir um cheiro forte de sangue.

— Ei! — gritou uma voz que vinha da sombra de uma árvore. 

Hiroshi virou seu pé de lado, desacelerou enquanto deslizava, jogando terra para o alto. Então, se virou para a direção dessa voz feminina e segurou o cabo de sua wakizashi que estava dentro de sua roupa. 

“Dois metros? Não, um pouco mais”, pensou Hiroshi. 

Sentada, com suas costas encostadas no tronco da árvore, ela usava um grande cobertor que protegia todo seu corpo do sol, deixando a mostra apenas seus hostis olhos vermelhos e parte de seu chamativo cabelo loiro, apagado por estar malcuidado e sujo de terra, mas beirava o branco, de tão claro, em seu estado natural. 

— Quem é você? — perguntou Hiroshi.  

“Será que ela é a pessoa que o Kuro avisou?”, pensou. 

Ela riu e disse:

— Quem sou eu? Olhe você mesmo! — Retirando o cobertor de seu rosto, foi revelado uma bela aparência negligenciada, sobreposta por uma enorme cicatriz que ia do canto de sua boca até o fim de seu rosto, o que junto de uma considerável quantidade de sangue seco por toda sua boca, criavam a imagem amedrontadora do terrível monstro que protagonizava os inúmeros contos de terror por toda região. — O que vai fazer? Correr? Lutar em vão? Esperar a própria morte? Hahaha! 

Hiroshi, porém, não conhecia nenhuma dessas histórias e já havia sido amigo de figuras mais assustadoras que ela, vendo que não parecia ser a pessoa que Kuro alertou, ele decidiu não lutar. 

— Sua boca está suja, pegue isso — disse oferecendo um lenço. 

— Haha...Ha...Ha... Hã? Ah, sim, obrigada... — Surpreendida por essa reação incomum, seu riso se tornou um ruído de confusão, silenciosamente ela pegou o lenço e tentou limpar o sangue. — O que?  Você não tem... Medo? 

— Medo do que? — Hiroshi viu que o sangue não saiu, então ofereceu também um pouco de água para molhar o pano. 

— Sei lá, de mim, dos meus rumores, das cicatrizes, de onde veio o sangue... Você realmente não me conhece!? 

— E você, sabe quem eu sou? 

— Não?... 

— Então isso não importa, quer biscoito? 

— Eu quero. — Apesar de deixar escapar sua verdadeira intensão, pelo susto, ela voltou atrás. — Não! Quero dizer... Eu não quero! Espera... Mas é comida de graça... Então eu quero! Não, não vou aceitar, deve ter alguma coisa errada... 

Sua barriga faminta e sua racionalidade duelavam fervorosamente em sua mente. 

— Não tem — respondeu Hiroshi. 

— ...Você realmente não tem nem um pingo de medo de mim? 

— Por que eu teria? — Ela devolveu o lenço e Hiroshi continuou oferecendo. — Quer biscoito? 

— Que estranho, nunca cheguei nessa parte... Aliás por que fica me oferecendo isso? Se quer me ajudar mesmo, então corte sua mão e... — Hiroshi desembainhou sua wakizashi e fez um grande corte em seu braço. — Mas o que!? Você é maluco? 

— Meu nome é Hiroshi. 

Smile ficou mais perplexa ainda, e estava começando a ter medo da falta de noção de Hiroshi, mesmo assim, ela tomou o sangue. 

—Por que quer tanto que eu coma isso? Deve ter algo nesse biscoito. — Sua voz ficou mais animada, ela se levantou e começou a se alongar. 

— Claro que não. — Hiroshi pegou um biscoito e comeu. — Viu? 

Ela analisou Hiroshi de cima para baixo e começou a pensar. 

“Hiroshi, Hiroshi... Ah, será que é ele?...” 

— Ah, quer saber, me dá um aí! — Sua fome venceu sua racionalidade e medo. 

— Pode pegar. 

Incialmente ela cuidadosamente pegou um biscoito e mordeu com delicadeza, mas subitamente de forma selvagem, ela foi enchendo sua mão com biscoitos e enfiando tudo na boca até não caber mais e engolindo, continuando nesse processo até que não restasse mais nenhum. 

— Estava com fome mesmo. — Hiroshi que cumpriu seu objetivo ia indo embora, mas foi impedido. 

— Eu sou uma quase empresária de passagem, pode me chamar de Smile. 

— Confiou em mim agora? 

— Você é o demônio de Tokyo, não é? 

— Sou, mas me chame de Hiroshi, demônio é meio... 

— Um louco confia no outro! Ainda mais se cozinha bem... — Engolindo o último biscoito, agradeceu. — Obrigado pela comida, estava delicioso! 

Ao elogiar a comida, Smile se virou para ir embora pela floresta, mas Hiroshi a impediu dizendo. 

— Espere, acho que você é uma das primeiras pessoas que comeu uma das minhas comidas por vontade própria... Quer ser minha testadora de comidas? 

— Biscoitos de graça? 

— Sim. 

— Não quero. 

E ela se virou e preparou para ir embora. 

— Eu faço outras comidas também. 

Smile parou. 

— Por exemplo...  

— Pães, carn- 

— Eu aceito! Onde fica sua casa? 

Smile se cobriu por completo e voltou cantarolando, enquanto Hiroshi permaneceu no seu típico silêncio. 



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