Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 4 – Arco 3

Capítulo 25: Aquilo que Quero e Preciso Fazer

— A verdade é que... Eu não sei a razão de termos nos separado. Porque, antes, nós éramos tão próximos quanto possível. Pra falar a verdade, eu também perdi minha mãe quando novo. Ela faleceu ao dar à luz a minha irmã mais nova.

A conversa que começou a se desenrolar começou calmamente. Ryota, após receber a confiança do príncipe para poder escutá-lo, aguardou em silêncio durante algum tempo até que ele se sentisse confortável para começar a contar.

Ela não ficou surpresa ao vê-lo deduzir que sua mãe havia falecido. O único sinal de expressão foi um erguer de sobrancelhas preguiçoso, seguido de uma clara surpresa.

— Irmã?

— É uma história um pouco... Complicada. Não sei todos os detalhes, mas, aparentemente, minha mãe faleceu bem jovem de forma repentina por conta de sua saúde frágil, e ocorreu um desentendimento entre o médico real e o rei da época.

Ryota piscou, assimilando as informações.

— Uma saúde frágil, né...?

O que veio à sua mente foram os vários momentos em que Stella, sua mãe, também demonstrava sinais de enfraquecimento. Ela era bastante branca, chegava bem perto da pura palidez. A magreza, apesar de comer todos os dias, era difícil. Tinha pouca força também, e sempre precisava contar com a ajuda da filha para resolver os problemas.

Os olhos violeta se apertaram.

— O primeiro parto foi bem difícil pra ela, e quase a deixou de cama. Ela tinha dificuldades para caminhar e fazer tarefas diárias. Era quase esperado que, com o segundo parto, ela... 

— Mas, se sabiam disso, então por quê... Ah...

Ryota engasgou na metade da pergunta, percebendo que seria algo horrível de se dizer.

— Minha irmãzinha nasceu, mas não viveu o bastante pra desfrutar do mundo que minha mãe sonhava pra ela. No fim... Ocorreu o desentendimento do médico real com o rei, e... Eu não lembro direito do que aconteceu. Era muito pequeno, e não estava na sala no momento... Mas...

Edward ficou em silêncio por um instante, pensativo, apertando os lábios.

Então, ele piscou para voltar a falar.

— Tudo o que sei é que minha irmã sem nome faleceu logo depois, e o antigo rei foi condenado pelas suas ações presenciadas por todos no palácio e no reino. Naquela época, a rainha gostava de andar por Hera e conversar com todos... Porque ela já tinha sido um deles. 

Ela não era nobre... Então, o rei se casou com uma plebeia?

— Não me surpreende que não saiba disso — disse o príncipe ao perceber a expressão contemplativa de Ryota — Muitas coisas foram ocultas do povo por muitos anos, incluindo o que te falei. Apenas pessoas próximas sabiam do que realmente aconteceu. Nem mesmo eu sei de tudo, e meu pai dificilmente fala sobre. Tudo, talvez, por conta das consequências que foram trazidas naquela época pela alta exposição dos ocorridos. 

— Então é por isso que não tem nenhuma foto sua... E porque todo mundo ficou tão animado ao te ver pela primeira vez. E também explicaria... O porque de você ter fugido naquela noite.

Edward ainda mantinha aquele sorriso sem qualquer emoção no rosto quando a ouviu refletir em voz alta. E, sim, aquelas coisas faziam sentido agora.

A razão por trás de muitas histórias da família real parecerem estranhas, embora pouquíssimas pessoas soubessem a respeito da verdade. Os livros de história que pouco citavam a conclusão do ocorrido de cerca de dez anos atrás em Hera. A razão do príncipe ter escapado do castelo — não uma, mas provavelmente muitas vezes desde então — a fim de, talvez, relaxar a cabeça. Como ninguém o conhecia, mas também não poderia correr o risco, ele sempre se disfarçava e agia de forma diferente.

Ryota agora entendia parte da estranheza que havia sentido quando o encontrou certa vez. Ele usava kiais estranhos, que ela inclusive esqueceu de se perguntar a respeito, mas não era o momento para aquilo. Não quando Edward se colocou de pé repentinamente, caminhando até o outro lado do quarto para ligar a luz do abajur.

Vendo-o ficar olhando para a parede durante alguns segundos, Ryota fez uma careta para o que ele estava pensando, e logo ergueu uma mão para perguntar o que havia de errado, quando... Ele começou a rir com a garganta.

— “Não precisa se preocupar, minha cara amiga. Nada pode me afetar sob meu território!”

E, de repente, com a mão esquerda sob o rosto, tocando-o com os dedos de forma suave, e o braço direito esticado na direção dela, Edward se virou erguendo o tom de voz de uma forma familiar. Com a mesma confiança e sarcasmo com que ele havia falado com ela na primeira vez.

Um sorriso longe de ser tímido ou sério, como costumava ser, surgiu em seu rosto. A pose que ele fazia era, no mínimo, engraçada.

Ryota estava chocada demais para falar algo.

— ... Ou é o que eu queria dizer — sussurrou ele logo em seguida, o rosto queimando de vergonha ao se encolher completamente.

— ... Ué? Por acaso... Você estava atuando? Tipo, imitando um personagem?

Edward torceu os lábios, olhando-a de forma engraçada por trás dos dedos que lhe cobriam os olhos. E assentiu.

— Aaaaaaaah, que vergonha... — lamentava ele.

— Não, não! Isso é super maneiro!

— Não tenta me convencer do contrário! Eu sei muito bem que isso é-

— Hu, hu, hu…!

Então, após o som de madeira rangendo, então o estrondo de algo batendo contra ela, uma risada ecoou pelo enorme quarto quando uma garota de pose exagerada se pronunciou.

— “É claro, meu caro companheiro… Entretanto!” — e balançou o braço para frente, fazendo outra pose em cima da mesa — “A verdade só pode ser vista por nossos pobres corações humanos.”

— … Não. É… É sério…?

— Você não é o único que gostava dos contos dos Irmãos Estrela, sabia? Pra um conto popular, são poucas as pessoas que não o conhecem. Fora que, lá em Aurora, eu e as crianças… Eh… Eu sempre lia pra eles as várias histórias, e acabávamos brincando juntos… 

Conforme as palavras foram saindo livremente, as memórias de pessoas que eram preciosas, mas que já não estavam mais ali, foram sendo revividas, e a voz da garota foi baixando, assim como seus ombros. 

Ryota abriu a boca outra vez, então parou, inspirando fundo, buscando ao máximo afastar as sombras nos olhos e na alma para voltar a falar, quando a voz de Edward a interrompeu:

— … Entendi — um suspiro lhe escapou, assim como um torcer de lábios que poderia ser interpretado como um sorriso meio sem jeito — Certo, entendi.

Ryota piscou, percebendo a pequena mudança na aura ao redor do rapaz. O que antes era uma melancolia disfarçada de uma brincadeira vergonhosa se tornou um alívio momentâneo.

Ela não sabia exatamente a razão disso, mas podia deduzir.

— Não me diga que… Você achou que era o único no mundo que fazia isso?

— … Uh.

— Ah… Nem ferrando.

Ao ouvi-la fazer a pergunta que tanto temia, Edward apenas deu a ela um olhar culpado, ao que Ryota riu tapando a boca. Era aquele o típico pensamento onde a pessoa fazia algo que irredutivelmente acreditava que ninguém além dela mesma fazia. Mas, no fim, é algo que muitos outros também fazem — o que torna a descoberta não só chocante, mas só a ideia de suspeitar de algo tão besta vergonhosa.

— Mas olha só, vê pelo lado bom: Pelo menos você não passou por essa situação sozinho. Todo mundo já teve essa fase pelo menos uma vez na vida.

— Pára! Só pára de falar! Agora!

Perceber que era fácil provocar o futuro rei de Thaleia fez algo dentro de Ryota se remexer. Era, talvez, a mesma sensação de alegria contagiosa que mantinha alguém fazendo cócegas em uma criança que berrava para parar.

Ryota, aos poucos, recuperou o fôlego e diminuiu o sorriso. Aquele lado mais descontraído de Edward… Quantas pessoas já tinham o visto antes? Considerando que boa parte de seu tempo ele mantinha aquela pose séria, de alguém que costuma pensar em tudo ao mesmo tempo, provavelmente poucos.

Ao mesmo tempo em que isso parecia descolado, algo que ela admirava e gostaria muito de poder ser ao menos um pouco mais dessa forma, parte dela ressentia da clara solidão que isso devia trazer.

As condições em que ambos viveram eram diferentes. Ryota nasceu e viveu sua vida ao lado de pessoas que eram como sua família, ninguém além da própria mãe falecida que era realmente de sangue. Entretanto, nunca nada lhe faltou — isso ela jamais poderia reclamar. Ela foi cercada de felicidade, amor e uma boa infância. Apesar de, às vezes, a maldição se acomodar sobre seus ombros e impedir que mantivesse a naturalidade, a jovem jamais deixou isso lhe abalar ou que notassem isso — todos menos Zero, que a conhecia tão bem quanto ela mesma.

Em contrapartida, Edward nasceu e viveu ao redor de sua família de sangue, mas completamente isolado do mundo lá fora e da possibilidade de crescer, de verdade, ao lado dos pais e verdadeiras amizades. A falta de laços, a necessidade de manter uma máscara constante sobre suas emoções — não só ele, percebeu Ryota, mas também todos que o cercavam — era uma forma dele se manter seguro.

Apertando os lábios para essa percepção, Ryota entendeu o motivo que a fazia ter tanto apreço — ou melhor, consideração — pelo príncipe que mal conhecia diante de si: Ele era muito parecido com o Zero antigo. Em vários e vários sentidos.

— De toda forma, Edward, eu realmente preciso saber se vai cooperar comigo ou não.

Percebendo que recém voltaram ao tema principal, o príncipe endireitou o corpo e enrijeceu o rosto.

— A minha sugestão se mantém de pé. 

Ryota deu um passo lento na direção dele.

— Pode me ajudar a tirar Marie de lá e cumprir com a sua parte antes do planejado, então trabalharemos juntos para te colocar no trono nos seus conformes. Eu realmente não me importo muito com os seus métodos, e política não é muito a minha praia, mas vou te apoiar até que nosso voto se cumpra, e então seguiremos nossas próprias vidas sem remorsos passados — Ryota piscou, esperando que o silêncio que se instalou pesasse — Ou então pode ficar sentado esperando até o fim de nosso voto com seja lá qual for seu plano mirabolante, mas não espere que eu te ajude com nada além do combinado. A decisão — e estendeu a mão direita — é sua.

Uma mão pela outra, foi esse o voto que fizeram. Eles se ajudariam até um determinado momento, e então seguiriam com suas vidas sem pestanejar. Ao menos, era esse o prometido desde o começo.

Trocando olhares intensos com Edward, que permanecia em silêncio a fitando, Ryota se sentiu tensa. Mais do que isso, um enjôo que há tempos se remexia em seu estômago pareceu se agravar. Quase podia sentir uma gota de suor escorrendo pela testa pelo esforço para manter a seriedade — algo que dificilmente fazia.

Geralmente, quando acontecia, ela era a única envolvida. No entanto, naquele momento, o que estava em jogo não era só o seu futuro, mas o de pessoas que eram importantes para ela e seu próprio orgulho vivo. Assim como da vez na mansão Minami, ela precisava dar um jeito nas coisas. Resolvê-las por conta própria e provar para si mesma que era capaz.

Os olhos afinados de Edward desceram para a mão pálida e suada estendida, então se fecharam.

— Apesar de todas as coisas que me disse e ouviu, ainda não consigo acreditar o suficiente em suas palavras. Pela forma com que falou, ficou claro para mim que seus planos estão bastante dependentes de minha ajuda. No mínimo, duvido que consiga cumprir seu objetivo sem chamar uma atenção negativa.

Aos poucos dos muitos pontos das falhas em seu plano e organização, Ryota apertou os lábios a ponto de mordê-los de nervoso. 

— Portanto, por aquilo que precisamos fazer, não vejo problemas em colaborar contigo, minha cara companheira.

— Eh?

Ryota deixou escapar um sibilo de surpresa quando o príncipe pegou sua mão e a apertou, fazendo aquele tom de voz claramente exagerado. Então, deu apertou os lábios no que era um singelo sorriso.

— Para ser bem honesto, eu também estive duvidando de sua fidelidade. Não sabia a onde, ou a quem, seu coração estava depositado. E… Era minha primeira vez firmando um voto com alguém, então fiquei bastante nervoso.

Como que demonstrando esse sentimento, a palma de Edward se apertou ainda mais contra a dela.

E então, o príncipe ergueu o queixo, que até então estava baixo, assim como seus olhos nublados. E piscou, fazendo um brilho de vida voltar às suas belas íris.

— E, bem, talvez dizer estas coisas a você não me torne mais digno de sua confiança, e talvez eu esteja me deixando levar um pouco, mas… — Ele inspirou fundo uma vez, então finalmente ergueu o tom de voz com aquela confiança que Ryota estava acostumada a ouvir — Vamos fazer uma boa parceria juntos, minha cara amiga. Por minha nação, pelo reino que dedicarei minha vida a honrar e comandar, assim decido depositar minha confiança em ti.

Os olhos azuis encontraram os violetas que brilhavam com uma forte determinação, e essa luz quase cegou a garota por um momento. Meio desnorteada com as palavras dele, em partes quase não conseguindo digerir tudo o que foi dito, Ryota engoliu em seco.

— Eu agradeço de coração. Não só pela sua decisão de agora, mas também por me ouvir. Confesso que tava realmente preocupada com a possibilidade das coisas saírem do pior jeito…

— Do pior jeito?

— … Em último caso, se as minhas expectativas em você se desfizessem, e acabássemos nos tornando inimigos com o voto ainda de pé… Seria um problemão.

Edward riu da expressão torta de nervosismo dela.

— De fato, seria mesmo.

— E… Bem… Eu não tenho como honrar nada tão grande como você, mas sempre tento cumprir com as minhas promessas. Ao menos, foi o que decidi fazer. Não importa se foram feitas para mim mesma ou para os outros. Por isso, até que as circunstâncias se tornem impossíveis, até que meu orgulho se desfaça ou meu corpo dê seu último suspiro, juro que vou lutar.

— Palavras fortes para alguém que esteve menosprezando-as até então.

Ryota soltou uma risada sem graça, coçando a nuca.

— E então? Vamos voltar ao assunto principal? Estou curioso para saber dos seus planos.

— Depois de falar desse jeito nada discreto, acho que não tenho como mais te enrolar.

Quando os dois soltaram as mãos que ainda firmavam, relaxaram os ombros tensos e sorriram um para o outro, a dupla finalmente começou a discutir os planejamentos para aquela noite.



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