Volume 11 – Arco 4
Capítulo 46: O Voto da Sabedoria
— Estou impressionada. Desde a última vez que conferi, não lhe mandei um convite para entrar.
A voz jovial ecoou pelo espaço preenchido de escuridão, onde pequenos pontos de luz cintilavam por todas as direções como vagalumes. Eram estrelas em um mar de sombras, mundos, possibilidades e a grande beleza do infinito que tornava o Empíreo sublime, bem como as outras mulheres no ambiente.
Aquela que lhe direcionou a voz estava sentada em uma cadeira diante de uma mesa cheia de aperitivos, onde outras três se reuniam. Em comparação, seus comportamentos divergiam umas das outras, onde duas pareciam educadas, enquanto as demais expressavam uma animosidade contagiante.
— Eu entrei por vontade própria, senhora Sofia.
— Ora, e quem lhe deu a chave?
— Não preciso de uma.
A beldade arqueou um pouco as sobrancelhas finas com o mesmo sorriso presunçoso na face. Apesar do convidado indesejado ter sido previsto, era apenas parte de sua personalidade fazer aquelas perguntas para que as demais em sua presença também o soubessem.
A Sabedoria também podia ser compassiva com suas companheiras.
— Ah, ah! É aquele moleque que morreu agorinha pouco, não é? Que feeeeeio! Como foi? Como foi? Eu morri poucas vezes antes, mas doeu bastante!
— Pára de gritar, sua idiota! Vou ficar surda!
— Eu não tô gritando! Você que tá!
— Meninas, um pouco de educação seria bem-vindo.
— Cala a boca!
Em menos de um minuto, a Insanidade disparou palavras de empolgação, acompanhada pelas reclamações usuais da Imoralidade e as censuras do Destino, que foram completamente ignoradas pelas duas primeiras, erguendo a voz em uníssono.
Enquanto o trio de Entidades erguia a voz umas com as outras em um burburinho desnecessariamente alto, a Sabedoria soltou um suspiro e inclinou levemente a cabeça.
— Sinto muito. As anfitriãs estão cheias de energia após a provação mais recente.
— Aparentemente, se divertiram bastante.
— … Sim, suponho.
A Sabedoria hesitou um instante ao responder, e o convidado franziu a testa. Não era necessário quaisquer palavras para expressar seu desgosto, e certamente nenhuma daquelas presentes se importariam com os sentimentos dele.
Não era por isso que estava ali.
— E a que devo sua visita, Dyonis?
— Por favor, não me chame assim, senhora Sofia.
— Não posso me referir ao seu nome?
— Eu não sou Dyonis.
O convidado firmou a voz, enfurecido, e a beldade riu com o nariz. Apesar da diversão nos olhos azuis-esverdeados, a Sabedoria suspirou quando os burburinhos das outras à mesa ficaram gradativamente mais altos.
— Aaaaah! Sofiaaaa! A Kakia tá fazendo bullying comigo!
— Chega de escândalo, garota! Se enxerga!
— Há, há, há, há! Ela tá chorandooo! Que ridícula!
Aparentemente, a discussão entre a Insanidade e a Imoralidade voltou-se contra o Destino, que estava escondendo o rosto nas mãos e choramingando como uma criança ao som da revolta de uma e das gargalhadas de outra.
— Acho que está na hora de uma pequena pausa.
Tão rapidamente quanto as palavras saíram, a Entidade estalou os dedos delgados e as três mulheres escandalosas desapareceram. Em um piscar de olhos, ao som de um tilintar de sinos no fundo de sua mente, o convidado observou as desintegrarem no ar como se nunca tivessem estado ali antes.
Era um poder que apenas a principal anfitriã poderia possuir, e todas as Entidades tinham um acordo de respeito para com a Sabedoria dado sua grande importância. Apesar da grande diferença em escalonamento de habilidades no campo de batalha, o intelecto daquela beldade se equiparava à brutalidade da Insanidade, ao egocentrismo da Imoralidade, ao propósito do Destino e aos horrores da Justiça.
— Muito bem. Agora, poderia me contar a respeito de sua visita, Dyonis?
— … Faça um voto comigo.
Após um exalar, o convidado revelou suas intenções, não causando mais do que um leve arregalar de olhos por parte da mulher.
— Disserte.
— Não há necessidade de explicações, senhora Sofia. Está ciente de minhas condições, e também de meus desejos. Preciso que faça isso rápido e por isso imploro para que faça um voto comigo.
Apesar da firmeza da voz, a beldade o observou dobrar os joelhos e se abaixar diante dela. A Entidade não moveu um músculo de seu assento quando o convidado encostou a testa no chão, curvando-se o máximo possível.
— Então, essa foi sua decisão?
— Essa sempre foi minha decisão.
— Até onde estou ciente, a sua vontade era-
— Minha vontade nunca desviou-se do caminho original, e nunca se desviará. Mas…
A conversa entre anfitriã e convidado apenas poderia ser compreendida por eles, mas a tensão que se instalou no ar era rasa e ríspida. A Sabedoria, ainda que ciente de cada pensamento, permitiu que ele erguesse o rosto do chão e a fitasse, íris áureas como ouro fitando as azuis-esverdeadas.
— … Estou disposto a dar o passo final.
A Entidade calou-se por um longo instante antes de murmurar, suavizando as expressões bonitas com um ar quase gentil:
— Como sempre, sua determinação é imoral e imortal, Dyonis.
O convidado permaneceu na posição mais submissa ao qual poderia se submeter, onde nem uma faísca de orgulho, raiva ou resignação restavam em seu ser.
Aquilo desapareceu há muito, muito tempo.
Tudo o que restou em seu âmago foi o desejo de cumprir suas origens, e nunca voltar atrás com a promessa que fez à ela. E, desde aquele dia, esteve procurando, viajando, vagando e trabalhando para este dia. Agora que foi capaz de encontrá-la, jamais se permitiria desviar do caminho ou do juramento ao qual fez ao se tornar Dyonis.
E ciente daqueles sentimentos, daquela força de vontade que chamuscou nas íris como ouro, a Sabedoria abriu um sorriso leve que raramente mostrava.
— Presto meu mais profundo respeito a você, Dyonis, Autoridade da Imoralidade. E em meu direito como Entidade da Sabedoria, farei contigo o voto que desejas.
Uma expressão de alívio surgiu na face do garoto, que devolveu o sorriso leve, cheio de uma felicidade melancólica que poderia ter chegado ao coração da Sabedoria.
Ele se perguntou se foi por saber de tudo que a beldade afastou as companheiras, na tentativa discreta de demonstrar compaixão de sua própria forma.
— Vocês dois são realmente parecidos…
A Entidade manteve a expressão doce e reflexiva quando viu os pensamentos do garoto áureo, e ergueu-se de seu assento para caminhar até o local onde ele ainda se curvava.
— Faça o juramento a mim, e diga em alto e bom tom o seu desejo.
Erguendo completamente o rosto na direção da beldade que estendeu a palma esquerda — do coração, da alma, da vida — sobre sua cabeça, Dio abriu os lábios e começou a falar.
E, quando terminou, uma grande luz preencheu o Empíreo.