Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 10: O Debute | Parte 1

A trajetória entre o ponto do teleporte e a grande muralha que envolvia a capital real era pequena. Logo quando o grupo se situou em um campo aberto, Fuyuki tomou a frente e começou a caminhar, guiando todos os seus guardiões logo atrás. Seguiam conforme o que se esperaria: A mestre na frente, a postura ereta e expressão imponente, a formalidade e nobreza estampada em sua aparência, forma de andar e fala. 

Logo atrás, os dois assassinos mantinham seu porte e andavam um de cada lado da duquesa; Sora Akai à direita, e Kanami Akai à esquerda. Mais frios do que nunca, jamais se atentavam aos outros e aos arredores mais que o necessário, mantendo-se próximos de Fuyuki e em um silêncio afiado. Apenas um olhar fazia — ou melhor, fez — qualquer guarda ao redor deles estremecer. Todos os reconheciam por sua aparência, mas, principalmente, por seus olhos cor de sangue.

O gêmeo voltou-se para trás apenas por um momento, observando o colega guardião em silêncio completo, mas, ao contrário dos outros três, não demonstrava qualquer hostilidade, apesar da expressão séria. Talvez ele nem precisasse se forçar a demonstrar, imaginou Sora, já que seus olhos eram afiados o suficiente para qualquer um que o encarasse entender que não queria conversa.

O dia estava um pouco mais quente que o normal. O sol iluminava com suavidade a cidade lotada, recheada de sons, cores e pessoas. Para a sorte de Sora, que detestava misturar-se numa multidão, sua mestre parou logo na esquina, onde uma carruagem os aguardava. Decorada em tons de prata, dourado e branco, era perceptível que se tratava de um transporte solicitado e enviado pela família real para seus convidados nobres. 

Fuyuki trocou um aceno rápido de cabeça com o cocheiro e entrou na carruagem, sentando-se logo ao lado da janela. Sora e Kanami fizeram o mesmo, sem encarar o homem curvado, que apenas aguardava todos entrarem para começar a guiá-los até o palácio. Sora virou o olhar um pouco, apenas para observar Zero sorrir para o cocheiro antes de subir, embora o homem não o tivesse retribuído por uma razão muito específica chamada discrição. 

Eles não trocaram palavras enquanto a carruagem seguia pela rua asfaltada, passando por uma quantidade imensurável de pessoas de todos os tipos, lojas, carros, e tantas outras coisas. O silêncio não era desconfortável, mas, naquele ponto… Ou melhor, naquele mês em especial, era estranho não ter alguém puxando assunto. Não que qualquer um dos gêmeos fosse fazê-lo, e Fuyuki não parecia disposta a isso também, uma vez que dificilmente o fazia. Apesar disso, ela tinha desmanchado um pouco sua expressão fria e se permitiu olhar com tranquilidade para fora. 

Sora, sentado logo ao lado da mestre, olhou para frente, onde sua irmã mantinha-se sentada do jeito mais comportado possível, os olhos fechados. Ela parecia estar desfrutando de um momento de silêncio tanto qualquer um deles ali. Já Zero apoiava o cotovelo na janela, pensativo.

Ou procurando por alguém, ponderou Sora.

Por alguém… 

Havia alguém que Sora teria de encontrar em Hera, e foi por isso que, apenas um pouco antes de começarem a se preparar para partirem, conversou com a irmã a respeito e pediu para que permanecesse em Puccón até seu retorno.

O assassino estreitou os olhos, uma pontada de dor de cabeça o incomodando. A conversa, que posteriormente se tornou mais uma discussão, pois Kanami discordou completamente da ideia de esperá-lo lá, acabou os separando. Ao menos, um pouco. Ele não sabia dizer, e nem queria relembrar a conversa. Sua irmã não tentou falar ou interagir com ele em nenhum momento, apenas continuou a atuar como o braço esquerdo da duquesa, e assim continuariam a se portar até o final do evento.

Ao menos, era o que Sora esperava. Mas, no fim das contas, quando seus olhos se ergueram para o grande palácio à frente, assim que desceram da carruagem, teve certeza de que as coisas não seriam tão simples assim.

***

Zero avistou Eliza antes mesmo que ela o fizesse.

A curandeira, com as mãos unidas no peito, procurava com os olhos âmbar agitados a duquesa e quase suspirou alto de alívio quando a própria seguiu até ela. Era possível perceber que estava ansiosa, talvez até mais do que isso. Eliza era uma pessoa que, após tanto tempo tentando se portar como uma adulta, finalmente conseguia se passar por uma sem grandes dificuldades. Manter a compostura em meio a tantas pessoas era uma coisa, mas fazê-lo ao lado de alguém era totalmente diferente. Ficava muito mais fácil de atuar, principalmente quando boa parte — senão praticamente todos — os reunidos ali eram maiores de idade.

E Eliza mal estava perto de completar quinze anos.

Todas as carruagens deram meia volta pelo grandioso espaço do jardim e foram embora, atravessando o portão de barras, que se fechou logo depois. Os olhos de Zero passaram do grandioso jardim para todos os que estavam ali reunidos. Era possível, apenas de olhar, distinguir os mestres de cada uma das elites.

— A corte está finalmente reunida — comentou Kanami baixinho, no pé do ouvido de Zero, os olhos duramente fixados no horizonte. Ela parecia apenas não estar prestando atenção em nada, quando, na verdade, podia ver muito mais do que parecia.

Zero mordeu os lábios, abrindo a boca para fazer uma pergunta, quando o som de algo se arrastando pelo chão chamou a atenção de todos. Os olhos se voltaram para o topo da escadaria prateada, enfeitada com uma quantidade exorbitante de flores e plantas com formatos decorativos. Mas o que realmente chamava a atenção era o bordado dourado do brasão da família real na grande porta que se abriu para fora pelos dois guardas uniformizados: Um trevo de quatro folhas.

Como que já cientes de seus postos e do que deveriam fazer, os cinco mestres colocaram-se na frente de seus guardiões, organizados em fila atrás deles. Então, quando o homem de cabelos longos passou a passos lentos pelo portão, todos o reverenciaram. 

Ele desceu os degraus com um sorriso casual no rosto, parecendo olhar não para súditos, não para a sua corte, mas para sua família. Era um homem magro, do tipo que não parecia se exercitar, mas não necessariamente fraco. As pequenas rugas denunciavam um pouco sua idade, porém, ele possuía o tipo de beleza que muitos homens gostariam de ter. Ao menos, daqueles que desejavam possuir um físico e rosto que poderiam ser considerados delicadamente lindos. Seus olhos e cabelos tinham uma tonalidade alaranjada, bem próxima de um creme, e os longos e lisos fios eram amarrados todos para um lado, o mesmo caindo sobre seu ombro. Suas vestes eram todas das cores de sua casa: dourado, prateado e branco, o brasão da família real gravado nos menores detalhes de sua roupa. Em especial, no topo da sua coroa de ouro, que parecia banhada e abençoada pelo próprio sol.

Graça e penhor ao Pequeno Sol — entoaram todos.

Hosana — respondeu o homem, e todos os que estavam curvados perante ele se colocaram de pé novamente — Sejam muito bem-vindos ao Palácio de Hera.

Assim gesticulou o rei, fazendo suas longas e largas vestes balançarem no ar, abrindo um grande e inocente sorriso. Quando Zero avistou uma figura nas sombras do palácio, logo ao lado da porta, achou ter ouvido Sora estalar a língua com raiva logo ao seu lado.

O som de palmas batendo três vezes chamou sua atenção.

— Ceeeerto, pessoal! Vamos, entrem, entrem. Não sejam tímidos! Uma ótima recepção os aguarda, e temos muito o que conversar! — exclamou o soberano, esfregando as mãos uma na outra numa expressão sorridente. Era quase possível ver uma aura feliz e flores girando ao seu redor de tão animado que estava, o que era completamente… Diferente do que esperavam ver de alguém da sua patente.

Ao menos, além de Zero, alguns outros ficaram igualmente em choque com seu pedido feito com a voz doce. Entretanto, parecendo alheio a tudo isso, o homem deu alguns passos mais para perto e tocou com suavidade as mãos nas costas de Fuyuki e de outro rapaz com pele escura muito bem vestido.

— Vamos, vamos! 

— Vossa Majestade, por favor, demonstre um pouco mais de austeridade.

Quando uma figura repentinamente surgiu atrás de Zero, a voz fria e baixa como se sussurrasse em seu ouvido, os pêlos de sua nuca se eriçaram. Um homem estava parado com os braços atrás do corpo, logo ao lado do soberano, com cabelos negros e olhos vermelho sangue estreitados.

— Ora, ora. Acho que me precipitei um pouco. Peço perdão por isso.

O olhar afiado do homem para o rei indicava apenas um pouco do quão incomodado estava com aquela situação. Era bastante… Informal que um soberano se portasse daquela forma, principalmente diante de sua corte, que há tempos não se reunia.

— E lembro que deveria se referir a mim de outra forma, não acha, Miura?

O homem de cabelos negros e porte indiferente, Miura, soltou um suspiro cansado. Estava claro que ele não queria dizê-lo, provavelmente achando uma falta de respeito, mas não poderia negar um pedido do rei. Então demonstrou um grande esforço ao grunhir:

— … Senhor Fanes.

— Sim! Isso mesmo!

— De toda forma, por gentileza, me acompanhem para o palácio — Ignorando por completo as exclamações de Fanes, Miura assim tomou a frente perante os demais. — Os guiarei até o salão. 

O soberano deu um sorriso tímido quando assentiu e incentivou todos a segui-los, uma ventania forte balançando seus cabelos e roupas quando seus olhos de cores cornalina cintilaram num brilho leve e faiscante.

***

Fanes, flanqueado por Miura, guiou todos até o grande salão, localizado num dos corações do palácio. O soberano mantinha seu sorriso suave no rosto, trocando sussurros inaudíveis com seu guardião. À frente e na retaguarda, um grupo de guardas os acompanhavam, os passos ecoando conforme passavam pelos corredores altos e largos. 

Como era de costume, tudo o que pertencia à determinada família nobre possuía seu brasão e cores. A família Minami possuía o brasão de um floco de neve, e eram representados pelas cores azul e branco. Tanto as casas e mansões sob seu domínio, quanto suas próprias vestimentas sempre incluíam tais características, embora isso não obrigasse seus guardiões e todos que lhe serviam a fazer o mesmo, a menos que o mestre quisesse. No caso da duquesa, ficava claro que ela não se importava muito com o que os outros vestiam, e, aparentemente, a família real também não.

Tudo o que os olhos tocavam era banhado e escolhido com base nas três cores da família real — dourado, prateado e branco —, embora ainda houvesse outras cores secundárias que preenchessem o ambiente. O palácio era belíssimo, e, pelo visto, enorme também. O grande salão ao qual foram designados a chegarem era tão grande quanto a própria mansão de Fuyuki em Puccón, senão maior. Era claramente um lugar para que os visitantes pudessem relaxar, acompanhados de seus anfitriões, numa provável rodada de bebidas e aperitivos pela grande quantidade de mesas de vidro, cadeiras e poltronas, além das escadarias em círculo que levavam para o segundo andar cheio de janelas. Um grande lustre pendia no centro, e Zero podia jurar que era feito de cristais e diamantes.

— O Debute está muito próximo de ocorrer, e os preparativos já estão finalizados — disse Fanes, abrindo os braços — Portanto, gostaria de pedir que todos fossem até seus respectivos quartos e se dirigissem aos seus postos o quanto antes. 

O soberano bateu palmas de novo, o som ecoando pelo salão.

— Então nos reuniremos nos camarotes — concluiu uma voz arrastada e aguda, acompanhada de um riso.

— Exatamente, dona Sofia — respondeu prontamente Miura, dando-lhe um olhar. 

A mulher de cabelos e olhos verde-água tinha um sorriso educado no rosto delicado. Com o cotovelo apoiado na mão esquerda, ela levou os dedos ao queixo, piscando devagar para o soberano. A impressão que Zero tinha dela era a de uma moça jovial, mas não particularmente chamativa, embora sua voz fosse encantadora. 

Então essa é a mestre de Sasaki… Sofia, a reitora da Instituição Gnosis.

Zero se perguntou o motivo de sua ausência, uma vez que a mulher era acompanhada por somente uma guardiã um pouco mais alta, as roupas inteiramente pretas e postura ereta. Ela não era a única acompanhada de somente um guardião, entretanto. Não era um costume que o mestre trouxesse a sua elite, mas, em um evento grandioso como aquele, de certa forma, demonstrava o quão imponente e preparado era. Os rostos daquelas pessoas, apenas uma vez ou outra vistas em rede internacional, ainda mais presencialmente, eram chamativos o suficiente para serem marcados pela eternidade.

Por o que pareceu um momento, a guardiã que acompanhava Sofia e Miura trocaram olhares, mas não reagiram ou sequer pareceram interagir silenciosamente. Zero não era estúpido para conectar os pontos, principalmente quando os gêmeos pareciam tensos à sua frente, os corpos enrijecidos — principalmente Sora, que evitava olhar qualquer um ali, a expressão parecendo mais carrancuda do que séria.

O assassino pareceu não tentar estremecer quando uma outra voz, a de um homem velho, mas imponente, disse:

— Vamos parar de perder tempo. 

— Ora, parece ansioso esta manhã, senhor Shin.

Sofia, sempre rindo entre uma frase e outra, assim comentou ao homem do seu lado esquerdo, a separando de Fuyuki — a única que pareceu manter-se em silêncio. O homem era baixo, tinha os cabelos — ou o que restava deles — mais prateados que brancos, e uma barba grande o suficiente para alcançar seu umbigo. Ele se apoiava em uma espécie de muleta improvisada, aparentemente feita com um material de madeira revestido em algo, talvez uma espécie de pedra, que Zero não sabia qual era.

O batuque dele andando era chamativo no salão silencioso. Ao contrário de tudo o que se esperava, o velho — Shin — estava sozinho. 

— Ahá! — exclamou uma terceira voz, vinda da extremidade da direita, ao lado de Fuyuki. — E não estamos todos, hm?!

— … Sim, de fato estamos, lorde Al-Hadid — respondeu Sofia, ajustando o livro no colo. 

Lorde Al-Hadid era um homem alto, de pele escura e de ótimo físico. Apesar do clima não estar particularmente quente, sua vestimenta toda vermelha e dourada, com o peito exposto, indicava outra coisa. A primeira impressão que Zero teve dele era a de um nobre bastante excêntrico, tão incomodado com as leis e formalidades quanto o próprio soberano.

Ao contrário de Fanes, no entanto, o guardião que o seguia, seu braço direito, prontamente reagiu à sua falta de disciplina, cometendo um ato que seria um tanto desonroso: Ele deu um chute na parte de trás do joelho de seu mestre, o fazendo conter um grito e quase se ajoelhar. Mas Al-Hadid não o reprimiu por isso, apenas sorriu abertamente para ele, como se já estivesse acostumado com isso.

— Não há necessidade de tanta comoção, bando de tolos. Quem deve aguardar são eles, não nós. 

O último a se pronunciar foi o homem do outro lado, na esquerda, vestido com o que parecia um uniforme de general de cores bordô, preto e branco. A voz era carregada de uma autoridade que não deveria ser dirigida a outros nobres, mas apenas Shin e a guardiã de Sofia pareceram se incomodar com isso.

— Enquanto estamos discutindo temas tão superficiais, poderíamos já estar a caminho do Debute. Se me dão licença, não gostaria de perder mais tempo.

— Ora, ora, há um ainda mais ansioso do que todos nós juntos. 

Sofia cobriu os lábios rosados com a mão, mas foi Al-Hadid quem respondeu, cruzando os braços e estufando o peito:

— Ahá! É verdade! 

— Eu concordo com o senhor Juan.

A voz fria de Fuyuki soou bastante distante, quase incerta para Zero e os guardiões, que já estavam acostumados com sua forma de falar. A pupila de Sofia dilatou, parecendo interessada no atrevimento da duquesa, que continuou:

— Quanto antes nos postarmos, antes terminaremos o Debute e estaremos livres para aproveitar o evento como bem quisermos. Ao contrário de alguns, estou ocupada, então, se me dão licença também. — Fuyuki voltou-se para Fanes, e o reverenciou, fazendo seus guardiões a imitarem. — Vossa Majestade, agradeço em nome da família Minami e da Elite Galáxia por sua hospitalidade. 

A duquesa seguiu para as escadarias logo adiante, os passos ecoando pelo salão e corredores. O silêncio parecia uma navalha cortante, mas, mesmo que a duquesa se esforçasse para demonstrar confiança, os gêmeos podiam ver perfeitamente o nervosismo transparecendo em suas pequenas ações. Ela mantinha os punhos fechados, parecendo suar. A expressão séria era claramente uma atuação forçada, o rosto rígido.

— Mas é mesmo uma menina insolente… — ouviu Shin dizer, ao longe.

— Estão exagerando! É apenas uma jovem com muito potencial! Ahá! 

As vozes começaram a se misturar quando o grupo começou a subir, o grito de Al-Hadid ecoando baixo, provavelmente por conta de outro golpe de seu guardião. 

Por mais que o silêncio de Sofia fosse surpreendente, ele pareceu mais complicado de suportar que qualquer coisa que a mulher pudesse ter dito, pois seus olhos estreitados a seguiram até que a duquesa desaparecesse por completo da vista dos demais nobres. 

Zero deu apenas um olhar para trás, apenas para perceber que tanto Miura quanto Shin seguiam os gêmeos com os olhos, um brilho violento quase imperceptível em seus olhares vermelhos sangue que quase o fez tropeçar, mas ele se conteve a tempo. 

O Debute estava apenas começando… 



Comentários