Volume 1
Capítulo 81: Renegados (5)
Semanas depois do atentado à Universidade de Leon, o Palácio Bravo-Leão fervilhou com a incessante chegada de nobres e figurões demandando explicações. Demorou, levou semanas para que o agente encabeçado de averiguar o porquê do atentado regressasse ao imperador.
Mas ele havia terminado suas investigações. Agora mesmo ele pisava no tapete vermelho do palácio, cruzando a antecâmara protegida por duas fileiras de guardas imóveis. A grande porta dupla foi aberta por cavaleiros em armaduras completas. O tapete seguia pela extensa reta, subindo os degraus e terminando aos pés dele.
Nenhuma palavra foi dita pelo recém-chegado em seu uniforme negro e vermelho. O imperador permaneceu quieto em seu trono, assim como a dúzia de cavaleiros que o protegia. A pressa nos passos do agente cessou. Um caminhar vagaroso e incerto o levou até o limiar do primeiro degrau. Então se ajoelhou, olhou para baixo, espiou para cima e viu de relance a mão do imperador gesticulando para que levantasse, o que ele fez. Em seguida retirou o elmo, passou a mão no longo cabelo grisalho e alisou o bigode pontudo antes de se manifestar.
— Eu lhe digo Alexandre: foram os fanáticos da Irmandade que se infiltraram mês passado no campus da universidade…
O Imperador levantou de seu trono. A couraça metálica que vestia por cima do traje tilintou ao se chocar contra as proteções periféricas. Alexandre desceu os seis degraus que o separavam do mais novo agente. Pôs-se em frente a ele, em igualdade, e perguntou olhando em seus olhos:
— Concordo plenamente, Procurador Ronaldo.
Aquelas palavras quebraram todas as expectativas do ex-professor. Não fazia um mês que Ronaldo Rodrigues engrossou as fileiras da Ordem dos Procuradores, apesar disso, todos os seus colegas já o conheciam, sua reputação como conjurador e criador de runas era uma lenda sussurrada nos quarteis e nos acampamentos das tropas. O título de capitão lhe foi agraciado em menos de uma semana, pois seus superiores reconheceram o talento que tinha para lhe dar com problemas de forma um tanto, pragmática.
E os dias alçaram um voo veloz, assim como a sua carreira.
E na terceira semana recebeu um convite de Alexandre, ele queria o capitão como Conselheiro do Império. Ronaldo não hesitou e aceitou assim que leu a bendita carta. Mas o nervosismo persistia quando próximo àquela imponente figura, não podia falhar como agente do Império de Leon. Um plano já foi traçado em sua mente, faltava apenas verbalizá-lo:
— Devo fazer os preparativos para uma caçada? — sugeriu sendo inundado pela nostalgia dos dias áureos.
A capa vermelha do Imperador se arrastou no chão ao caminhar ao redor do novo “amigo”.
— Uma caçada? — Ele levou a mão ao queixo. — Uma caçada ainda não. Acredito não termos informações suficientes para encurralá-los em seus esconderijos.
— Mas eles são uma ameaça! Ainda mais em tempos de guerra.
O tilintar metálico parou, O imperador permaneceu atrás de Ronaldo, mas de costas a ele.
— Eu sei que são um ameaça, passei anos caçando esses desgraçados. Esse ataque foi um ato terrorista, uma tentativa de abalar a paz que eu trouxe as minhas terras.
Ronaldo suou frio. A respiração pesou, mas era dever seu aconselhar o imperador numa hora dessas, ainda mais sobre um assunto desses.
— Perdão majestade, mas acredito que o ataque tenha outro motivo. — O nervosismo soprou a cada palavra.
Alexandre se pôs ao seu lado direito.
— Verdade? Então por favor… compartilhe sua opinião comigo.
Ronaldo engoliu em seco e expôs o que tinha em mente.
— Foi um ataque político, e não somente um ato terrorista contra a imagem de vossa majestade.
O imperador tirou a coroa da cabeça.
— Verdade? — E o encarou.
— Acredito ser um atentado contra as políticas do novo Arquimago, contra as recentes proibições e restrições às manipulações… mais… perigosas.
— Essa tal de Irmandade Rubra sempre teve um amor às artes proibidas, não é mesmo?
— Sim, sim — respondeu solicito.
— Ronaldo — ele o chamou colocando a coroa de volta. — Conhece a história do Feiticeiro Carmesim?
— Walfrido Zeppeli? Conheço sim, o sobrinho dele é… foi meu aluno.
— Verdade? Incrível! — o entusiasmo era legitimo. — Mas continuando, esse maldito conjurador foi responsável por arrastar quase um terço dos Sábios da Ordem dos Magos para a Irmandade. Foi o maior desgraçado que já tive o desprazer em conhecer.
— Vocês se encontraram cara a cara?
— Algumas vezes, mas ele fingia se importar com a Fundação Arcana naquela época. Só depois de eu assumir o trono que ele demonstrou sua verdadeira face.
— Então foi depois do Primeiro Decreto?
— O que você quer dizer com isso? – perguntou impassível.
— Nada, nada, foi apenas uma observação.
— Você está certo, Procurador Ronaldo. Walfrido foi um ferrenho opositor ao meu primeiro decreto. Enviou diversas cartas e mensagens implorando que eu a revogasse o quanto antes. Não demorou muito, e logo após saber das minhas intenções, ele se renegou.
— Isso tudo me faz pensar, é a conjuração uma benção? — Ronaldo lançou ao vento, lembrando-se da conversa semelhante que tivera com o seu aprendiz semanas atrás.
— Uma maldição! — grunhiu o Imperador. — Deixando o passado para trás, você acompanhou de perto o incidente na universidade, tem algo mais a acrescentar?
Ronaldo levou a mão ao queixo. Tentou recuperar alguma memória que de repente se perdeu durante a longa viagem ao Palácio Bravo-Leão.
— Quando eu cheguei à biblioteca, um pequeno grupo tinha raptado a filha do Arquimago.
O Imperador estremeceu.
— Será que…
Mas Ronaldo já previra as palavras do Imperador.
— Não, eu não acho que foi uma ação deliberada. Acredito que apenas se aproveitaram da situação, pois Nathalia costuma ir e vir da universidade sozinha. Não há motivos para invadirem apenas por isso.
Alexandre o encarou com um olhar assustador.
— Ela andava pela rua desacompanhada?
— Você não sabia?
— Pelo Leão! — praguejou Alexandre. — Se Magnus souber disso ele me mata — suspirou e refletiu — Procurador Ronaldo…
— Sim majestade?
— A partir de agora você liderará a guarda particular da senhorita Leonhart.
Era só o que me faltava!