Volume 1
Capítulo 70: Presentes e Problemas (2)
Horas depois, Dario, Anna e Nathalia estavam sentados no gramado do Centro de Práticas Arcanas, testemunhando em primeira mão o sofrimento do colega.
— Você consegue, só precisa se concentrar mais.
— Eu estou te falando professor, eu não consigo, eu não entendo. Eu já li o livro de cabo a rabo, pratiquei em casa, pesquisei na biblioteca, mas não consigo manifestar essa porcaria de energia pura.
— Você também teve dificuldades com a manipulação do vento, não é verdade? — perguntou o professor.
— Sim, mas isso é diferente. Já faz mais de um mês… que eu estudo e pratico todos os dias, mas de alguma forma… — sua face contraiu numa expressão feroz —… de alguma forma eu não consigo — grunhiu irado.
Com as pupilas dilatadas o rapaz contemplou os demais colegas. Cada um tinha as mãos envoltas numa discreta aura azul que dançava conforme o ritmo ditado pela canalização. Até Jonas, o menos empenhado da turma inteira já se divertia com o brilho irradiado por suas mãos. Ronan então olhou para as suas, idealizou-as irradiando como as de todos os colegas, mas tudo o que via era a cor da sua pele, numa tonalidade pálida, sem graça alguma.
Tudo isso em vão? Todo o tempo perdido estudando e praticando para nada?
Anna engatinhou para perto de Ronan.
— Eu posso te ajudar. Podemos parar com a minha pesquisa por um tempo. É o Mínimo que posso fazer depois de toda ajuda que você me deu até hoje.
Ele levou a mão aos olhos, secou alguns princípios de lágrimas e agradeceu a oferta:
— Obrigado — sua voz saiu um pouco tremida.
O professor entusiasmou-se com a demonstração de solidariedade.
— É isso que eu gosto de ver, amigos se ajudando em momentos de necessidade e retribuindo o espírito de seguir em frente.
Enquanto Anna ajudava Ronan com seu problema, Nathalia Aproximou-se de Dario e puxou a manga do casaco dele.
— Vem comigo, precisamos conversar. — Ela levantou e o arrastou para um canto.
Após chegarem a um espaço onde ninguém poderia ouvi-los, Dario a questionou:
— E agora?
— Você já sabia que ele tinha dificuldades, não é mesmo?
Notou que ela não estava para brincadeiras.
— Fiquei sabendo faz uma semana.
— Mas você fez alguma coisa para ajudá-lo desde então?
Ele amaldiçoou em sua cabeça aquela pergunta e respondeu pausadamente com um sorriso falso:
— Eu, não sou bom, com esse tipo de coisa.
— É a sua cara mesmo, mas ajude-o como puder. Não suporto ver o coitado sofrendo. Ainda mais após a derrota no torneio.
Dario irritou-a quando irrompeu em risadas.
— Você esta rindo do que?
— É muito esquisito te ver tão preocupada com ele. Não faz seis meses que você queria ferrar com nós dois. Achei essa ironia engraçada, foi só isso. — A gola do seu casaco foi puxada contra ela.
— Eu estou falando sério. Deixa essa infantilidade de lado uma vez na vida e faça um favor a esse coitado. Seja útil, nem que for só uma vez.
A feição bem humorada no rosto dele sumiu para uma seriedade destoante toar seu lugar.
— Desde quando você se importa com nós dois mais do que a sua amiga? — disse apontando para Karen, ela treinava sozinha ali perto. — Eu já entendi o que você quis dizer, não precisa continuar me ameaçando. — Desvencilhou-se da mão que o segurava pela gola. — Se não gosta de como eu lido com problemas, eu não posso fazer nada. E me perdoe se eu não sou tão arrogante quanto você é com os outros. — Então deu as costas a ela, mas pouco antes de dar o primeiro passo, olhou por detrás do ombro.
— Você está melhorando — suspirou. — Continue se esforçando. — E voltou para o espaço onde Ronan continuava treinando sob a supervisão de Anna.
De pé, mas agora sozinha, Nathalia suspirou, fechou os olhos e sussurrou ao vento:
— Francamente.
▼
A espada permanecia na bainha, repousando na mesa onde o ferreiro guardava suas inúmeras ferramentas. Ian tirou-a de lá e a desembainhou com um sorriso no rosto.
— Eu não acredito…
— Não vai dizer que ela é falsificada — Ronan resmungou num bocejo.
— Pelo contrario, fui eu que a forjei.
— Impossível. Ela foi presenteada ao vencedor do torneio.
Em vez de falar o ferreiro mostrou o detalhe talhado na guarda do florete. Os olhos de Ronan se arregalaram ao ver as iniciais: “I.S.” dentro da proteção da guarda.
Ian relembrou com saudosismo:
— Eu lembro bem daquele dia. Foi a minha primeira encomenda de grande valor. Talvez porque que meus últimos trabalhos chamaram a atenção das pessoas certas. — Ian alargou o sorriso. — E tudo graças ao seu livrinho abençoado.
Ronan não sorriu, pelo contrário.
— Queria eu estar deslanchando na minha carreira.
— O que aconteceu? Transformasse algum professor em sapo?
— Não!
— Transformasse alguém em sapo?
— Também não.
— Transformasse alguém em alguma outra coisa?
Ronan sacudiu a cabeça.
— Dei de cara no muro. Não consigo manipular a energia arcana nem ferrando.
Tais conceitos confundiram a cabeça do ferreiro.
— Mas você já não consegue fazer feitiçaria?
Aquele termo arrancou algumas risadas de Ronan.
— Eu consigo manipular o vento. Mas agora estamos aprendendo a manifestar a energia em seu estado puro.
— Estado puro? — Ian coçou o queixo.
— Esquece! Vai por mim, a ignorância é uma benção.
— Desculpe, mas devo discordar. Se não fosse por você eu estaria me matando em forjar besteiras a um preço meramente simbólico. E olha só. — Ele estendeu os braços para demonstrar seu ambiente de trabalho renovado. — Agora eu posso fazer pausas quando eu bem quiser. Até nunca mais longas e malditas jornadas sem descanso. — Então encarou o amigo com seriedade. — Me prometa que não irá desistir.
— Tá bom pai, eu prometo — pigarreou. — Mudando de assunto. Eles vieram a você pedindo por uma espada, assim, sem mais nem menos?
— Bem — Ian começou coçando a nuca. — Não foi bem assim. Na verdade foi aberta uma competição aqui no bairro para ver quem forjava a arma mais elegante e eficiente ao mesmo tempo.
— E você ganhou?
— Não exatamente. Eu terminei em segundo. O primeiro lugar ganhou o prêmio em dinheiro. Era uma maça de uma mão. Ela foi entregue a um aristocrata que eu desconheço. Mas pensando bem, foi até melhor eu não ter ganhado. Ver minha criação em suas mãos é… como eu posso dizer… gratificante.
— Então como ela terminou como o prêmio do torneio?
— Veio aqui um tal de Rafael. Ele já parecia saber sobre o florete que eu inscrevi na competição, então me ofereceu mil moedas de ouro por ele, não tive como recusar né.
— Mil moedas? — disse Ronan erguendo a voz. — Uau, incrível…
Entusiasmado pelo sucesso do amigo de infância, Ronan prometeu seguir o exemplo dele, e não desistir por pior que tudo pareça.