Volume 1
Capítulo 69: Presentes e Problemas (1)
Na manhã do dia 16 de agosto, uma quarta-feira, um mensageiro cavalgava pelas ruas da capital em busca de uma residência em particular. O movimento era intenso. Encontrar uma passagem retilínea provou-se um luxo além do alcance. Para se locomover, o mensageiro precisou ziguezaguear por moradores, padeiros, ferreiros e soldados empunhando hastes pontudas e lâminas afiadas.
As construções ao seu redor iam de casebres cujas tábuas apodrecidas pareciam prestes a despencar, a extensos casarões cercados por muros vigiados por soldados particulares. O olhar do mensageiro encontrou uma casa simples de material, cercada por uma mureta, localizada entre um casebre e um casarão.
Um longo suspiro extravasou o estresse acumulado.
Por fim, após muito procurar ele estava em frente à residência dos Briggs. O mensageiro desceu do cavalo e enrolou em seu braço esquerdo a corda que prendia o cavalo. Em seguida, revirou o largo alforje de couro preso à montaria e retirou o que buscava: um objeto embrulhado em um grosso tecido marrom. O mensageiro se aproximou da mureta, encheu os pulmões de ar, mas antes que pudesse chamar o destinatário, um rapaz de mochila nas costas abriu a porta da frente.
— Tchau mãe, tchau pai, não esqueçam que eu chegarei mais cedo hoje.
De dentro da casa vieram duas respostas.
— Tchau, boa sorte — disse uma voz fina e suave.
— Boa viagem — respondeu uma voz entroncada.
O mensageiro encheu os pulmões mais uma vez e cumprimento o rapaz:
— Bom dia.
Ele estremeceu, girou nos calcanhares e vislumbrou quem o assustou.
— Pois não? — ele perguntou após recuperar a compostura.
— Perdão pelo susto. Você que é o… — parou, puxou um bilhete guardado no bolso da camiseta, leu o conteúdo e prosseguiu: —… Ronan Briggs?
O rapaz confirmou com um breve menear.
— Ótimo, tenho algo para você. — O mensageiro estendeu o embrulho em sua mão.
Ronan permaneceu quieto, pegou a entrega e desenrolou as camadas de tecido. Uma superfície de couro brotou em meio ao emaranhado de fios. A extremidade mais próxima revelou ser uma empunhadura de madeira nobre, protegida por uma guarda semicircular prateada. Entre a guarda e a bainha havia um bilhete, que para retirá-lo, Ronan precisou desembainhar a lâmina.
O mensageiro estremeceu e recuou dois passos.
— Ah… desculpa, é que eu preciso tirá-la da bainha para ler a mensagem. — Ele apontou para o bilhete espetado na lâmina.
O homem suspirou aliviado.
Ronan puxou o pedaço de papel e leu a mensagem escrita por uma caligrafia deslumbrante:
Parabéns Ronan, você merece!!!
Com carinho,
Nat.
Levou um tempo para processar aquilo tudo.
Como ela conseguiu? Porque ela fez isso? Estava ele encrencado? Será que Reiner já planejava sua vingança? Nathalia estaria afim dele? Todas essas dúvidas vieram a sua cabeça. E ele esperava mais do que tudo, que a última fosse verdade.
Com um sorriso no rosto, Ronan agradeceu o mensageiro.
— Obrigado.
— Boa sorte jovem e não deixe os estudos para última hora.
Após proferir tamanho comentário genérico, o mensageiro subiu em seu cavalo e partiu.
Ronan deslizou a lâmina do florete de volta à bainha e retornou para sua casa.
— Como é que vou explicar isso a eles — murmurou para si mesmo.
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Com o tempo perdido ao tentar explicar aos seus pais como um florete daquele lhe foi presenciado, Ronan acabou perdendo o inicio da aula. Pelos corredores quase desertos da universidade ele disparou arfando a cada passo. As escadas foram galgadas três degraus de cada vez. Ao chegar ao primeiro andar do Prédio A, o coração parecia prestes a saltar pela boca devido à intensidade das palpitações.
Ronan parou ali mesmo, levou as mãos aos joelhos e descansou até a respiração retornar ao ritmo natural. Calmo e exalando tranquilidade, virou-se para a esquerda e avistou a plaquinha escrita “A-102”. Caminhou até lá, parou e respirou mais uma vez, levou a mão à maçaneta e a girou no sentido anti-horário, abrindo-a para dentro.
Quando entrou na sala, Nathalia logo o encantou com um sorriso misterioso. Anna desconfiou daquela entreolhada e sussurrou no ouvido da amiga, que murmurou algo de volta. Ronan ignorou os olhares dos colegas e foi se sentar em seu lugar, na coluna do meio, na penúltima fileira.
— Aconteceu alguma coisa? — o professor Fernando Valadar perguntou para o recém-chegado.
Ronan se levantou e levou a mão ao peito em posição de sentido.
— Desculpe General, tive um pequeno imprevisto no caminho.
— A vontade soldado.
Risos encheram a sala A-102 de alegria. Brincadeiras desse tipo surgiram espontaneamente já na primeira semana, mas fez pouco tempo que elas ganharam a atenção da turma.
Ronan retirou o material da mochila. Ao levantar a cabeça para ver as anotações rabiscadas no quadro, foi surpreendido pelo olhar de Nathalia, que se virou para encará-lo com o sorriso de antes.
— Gostou do presentinho?
Ronan se lançou à frente para respondê-la:
— Você me deve muitas explicações — falou baixinho.
Como ela sentava na frente de Dário, ficou impossível ele não se intrometer.
— Do que vocês estão falando?
Nathalia o fuzilou com um olhar irritado.
— Não se mete. — E voltou para Ronan. — Lorde Reiner mandou suas sinceras desculpas a você… Aiii! — guinchou quando algo atingiu seu rosto.
E um pedaço de giz caiu na bancada.
— Nada de conversa durante a explicação, senhorita Leonhart — o professor repreendeu.
Massageando a bochecha alvejada, ela se desculpou:
— Perdão general.
— Isso serve para você também, Ronan. De todos aqui você é o que mais precisa dessa aula de revisão.
— Sim general, juro que vou me empenhar mais — respondeu como se toda a desanimação do mundo fosse absorvida para si.
Fernando Valadar levantou seu dedão num sinal de joia.
— Esse é o meu garoto. Nunca devemos desistir, não importa qual for o desafio.
Seguindo a instrução do professor bem humorado, Ronan prestou atenção na aula de revisão. Era frustrante, já sabia a matéria de trás para frente, mas por alguma razão obscura, não vinha conseguindo manipular a energia arcana no estado puro. Tremeu ao pensar que poderia ficar para trás dos colegas que aos poucos vinham progredindo na nova manipulação. Abstendo-se em pensamento da aula revisória, Ronan torceu para desencalhar do lamaçal que chafurdava.