Volume 1
Capítulo 65: Duelos (1)
Quando a semana do torneio de esgrima chegou, os estudantes da universidade não falavam sobre outra coisa. Nathalia e Anna imaginavam ser um evento importante, mas não a este nível. As duas contemplavam o suntuoso pavilhão de eventos decorado para a ocasião. Bandeiras foram erguidas e cartazes estendidos com variados símbolos e brasões.
Mas algo chamou a atenção da garota do cabelo dourado. Em uma bandeira estendida na janela frontal, um leão bordado sobre um fundo branco a encarava, era idêntico ao brasão em sua bolsa. Contemplar aquele símbolo grande e familiar na bandeira, a desanimou.
— Que foi Nat, por que essa cara? — Anna perguntou.
Em vez de responder, ela mostrou o brasão em sua bolsa. Anna não percebeu logo de cara, mas sua amiga apontou o indicador para a bandeira estendida na janela do pavilhão.
— Entendi — A razão lhe atingiu como um raio. — Mas não fica triste não tá, vamos lá ver o Dario e o Ronan apanhar dos veteranos.
Nathalia não se conteve e uma risada escapou entre seus lábios. Anna a puxou pelo braço e as duas foram a passos largos até a entrada, onde dezenas de alunos se aglomeravam na porta, tentando passar todos de uma vez.
Após muitas cotoveladas as duas entraram e pararam mais uma vez, mas agora para contemplar o interior. Enormes arquibancadas de madeira foram construídas ali dentro para os alunos assistirem a competição. Cada nível era espaçoso. A madeira espessa proporcionava uma sensação de segurança para quem sobre elas, se apinhava.
Nathalia avistou um espaço vazio, largo o suficiente para as duas sentarem. Ela pegou na mão de amiga e a conduzia para o lugar avistado. Lá de cima, quase no topo da estrutura, as duas contemplaram a arena quadrada construída sobre uma base de madeira, onde os competidores digladiariam a qualquer instante.
Brincando com uma das suas franjas, Nathalia comentou:
— Você não acha que uma competição dessas ser sediada numa universidade de manipuladores… é algo um tanto… nada a ver? Não deveria ser uma disputa de conjuração?
Anna refletiu por um tempo, mas algo veio a sua mente.
— Não seria muito perigoso um duelo entre conjuradores?
— Seria, mas com as regras certas ela não seria assim tão perigosa quanto um torneio desses.
— A diferença é que não da pra tirar o fio de uma conjuração, também não há armadura que garanta a segurança contra as manipulações autorizadas.
— É só criar uma runa defensiva, né.
— Mas você precisaria mantê-la ativada. Além do mais, não deve ter cinquenta alunos capazes de criar uma runa forte o bastante para isso.
Nathalia a encarou com os olhos semicerrados, seus lábios se contraíram num biquinho debochado.
— Você é muito chata, sabia?
Anna deixou escapar um riso.
— Não é culpa minha se você não pensa direito.
Nathalia vingou-se desferindo um soco no ombro dela, forte o bastante para fazê-la chiar de dor.
— Sua desgraçada, você me paga.
Como duas crianças elas trocaram tapas e socos de brincadeira. Os veteranos ao redor fitaram o desenrolar até elas se tocarem do ridículo. Com as bochechas coradas, viraram para frente, esperaram a vergonha passar e riram daquilo tudo. Pouco depois, no palco lá em baixo, um rapaz vestindo um conjunto de couro marrom anunciou o inicio da competição:
— Antes de tudo, muito obrigado a todos vocês por terem comparecido a este evento sediado pelo Clube de Esgrima da Universidade de Leon. Como Presidente do Clube organizador, eu gostaria de lhes dar as boas vindas. Espero que todos vocês se emocionem e se divirtam com as lutas a seguir. — O locutor virou-se para frente da entrada da arena, por onde os rapazes adentraram. — Por favor, uma salva de palmas para os nossos bravos combatentes.
Como se movidos por uma paixão desportiva febril, as palmas das centenas de espectadores se chocaram para rufar um aplauso que tragou o salão em histeria, uma histeria capaz de estarrecer as desprevenidas garotas da turma A-102. Imobilizadas por tamanha torcida, elas aquiesceram em um contemplar sublime, que aos pouquinhos foi transformando o medo retumbante naquele sentimento apaixonante das centenas de entusiastas do esporte.
Após um vislumbrar vago e despretensioso, Anna fez sua observação:
— Deve ter mais de cem competidores lá embaixo.
Nathalia admirou-se ao ver a arena lotada de combatentes vestidos em trajes de couro, todos portavam uma espada modelo padrão que aparentava ter menos de um metro e meio de altura, somando a guarda e a empunhadura.
Anna percebeu que de tão longe as armas pareciam afiadas e prontas para cortar seus adversários, ela estremeceu só pensar. Olhou para um rapaz que se destacou naquela multidão.
— Nat! — chamou cutucando sua amiga.
— O que foi?
— Olha aquele lá. — Ela apontou para um rapaz de cabelo loiro curto e arrepiado, com um queixo quadrado, se destacando ainda mais por sua alta estatura. — Ele deve ter quase dois metros — concluiu entusiasmada.
— Aquele homem? — Nathalia repetiu com sarcasmo. — Cuidado viu! Você vai deixar o Ronan enciumado.
Em ver de rir ou repreender sua amiga pela brincadeira, Anna permaneceu em silêncio. Seus olhos semicerrados e seus lábios contraídos chamaram a atenção de Nathalia, que se aproximou e a envolveu em seus braços.
— Ainda incomodada com seu “amigo de estudos”.
Um aceno tímido foi à resposta.
Nathalia via aquela birra como a coisa mais fofa do mundo, e com um abraço de urso a reconfortou:
— Alguma hora ele vai cair na real tá, pode apostar…
Um tímido sorriso se formou no rosto de Anna, que empurrou com gentileza sua amiga para o lado.
— Você é uma criança mesmo. — Tentou abafar um riso com a mão. — Uma criança que brinca com fogo ainda por cima.
— Sou mesma. — Nathalia cruzou os braços e as pernas, inclinou a cabeça para cima e jogou o cabelo para trás. — E admito com orgulho. — Então se virou para Anna e piscou de um olho só.
Quando as duas voltaram a prestar atenção no evento, apenas o organizador permanecia em pé sobre a arena. Pelo que parecia, elas acabaram de perder a explicação das regras e o primeiro embate estava para começar.
Lendo um rolo de papel em sua mão, o organizador anunciou o primeiro embate:
— O duelo de estreia será entre… — ele esticou o pescoço e espremeu os olhos —… Dario Zeppeli, do segundo semestre, contra… Joske Brando, do sétimo semestre e terceiro colocado do torneio passado.
— Manda vê mano! — berrou um empolgado Jonas Brando, não muito longe das duas colegas de sala.
As duas se entreolharam e miraram o oponente de Dario mais uma vez. O irmão de Jonas não era tão alto, mas sua postura demonstrava graça e confiança ao entrar na arena. Dario entrou em seguida, apensar de ser chamado primeiro. Nathalia não conseguiu segurar o riso ao vê-lo naquele traje acolchoado enquanto segurava a espada como um amador. Ele ficou com o lado direito da arena, mas teve ir até o centro para cumprimentar seu oponente com um aperto de mãos.
Feitas as devidas cerimônias, o organizador deu o sinal.
— Boa sorte a ambos e que o melhor vença… Valendo!
— Acaba com ele — gritou Jonas mais uma vez.
Tomada por uma empolgação misteriosa, Nathalia também entrou na brincadeira, ela levantou-se, e berrou:
— Manda vê, Dario cabeça de vento! — E fitou Jonas com um sorriso brincalhão. — Aposto dez moedas que seu irmão vai perder.
Empolgado pela aposta, o garoto respondeu:
— Fechado.
Ela voltou a sentar, olhou para a amiga e viu aqueles olhos castanhos arregaladíssimos.
— Que foi isso Nat?
— Quero ver o irmão do Jonas se ferrar.
— Sei…
O tilintar do metal se chocando fez as duas voltarem sua atenção para a arena. Foi Dario quem começou na agressiva, apesar de não ser um espadachim maravilhoso, ele sabia não abrir a guarda o suficiente para tomar um contra-ataque. Os golpes desferidos eram simbólicos, não tinham o objetivo de derrubar o oponente, apenas fazê-lo se mexer para explorar alguma abertura.
Joske Brando desviava e aparava com facilidade, sua expressão facial não se alterava muito a cada movimento. Por outro lado, Dario fazia caras e bocas a cada golpe desferido, algumas vezes até sua língua sobrava para foda.
— Tá difícil? — perguntou Joske.
— Só se for pra você — Dario respondeu confiante.
Com a guarda alta os duelistas se estudaram. A plateia observava o impasse na ponta do assento. Quando a tensão passou a ceder à monotonia da passividade, os mais ousados verbalizaram sua insatisfação para que todos ouvissem:
— Queremos uma luta e não uma dança entre dois velhacos!
Estes e outros comentários arrancaram risadas da plateia.
Joske avançou num instante. Dario esquivou com um salto para trás, mas ao pôr o pé direito no chão, sentiu o corpo envergar e o pé torcer, por sorte manteve o equilíbrio, mas a dor proporcionada pelo quase deslize o fez cambalear.
Estava acabado.
Joske não perdeu tempo, avançou mais uma vez e repetiu o golpe. Dario conseguiu apará-lo, mas a estocada subsequente veio rápido demais e uma pontada fez se sentir em seu braço esquerdo, onde a lâmina sem fio o espetava.
Que forma merda de ser desclassificado.
O arbitro invadiu a arena para anunciar:
— E o vencedor do primeiro embate é… Joske Brando.
Urros satisfeitos e aplausos acalorados trovejaram das arquibancadas que comemoravam a vitória de um querido veterano. Acompanhado pelo intimidante barulho das massas, Dario mancou até o oponente vir ao seu encontro após ver seu estado deplorável.
Os dois apertaram as mãos e o vencedor se ofereceu a ajudá-lo, Dario aceitou o gesto de amizade e com ajuda de um ombro amigo, saiu da arena.
Lá em cima da arquibancada, Jonas esticou o pescoço para encarar sua colega.
— Tá me devendo 10 moedas.
Nathalia virou a cara e fingiu não ter ouvido.
Jonas não se daria por vencido.
— Ei! Na-tha-lia! — berrou para que todos ouvissem.
Anna pegou na manga do casaco da amiga e começou a puxá-lo.
— Ai Nat, para com isso e fala com ele de uma vez!
— Não vou…
Jonas levantou-se e com as duas mãos ao redor da boca, ele berrou:
— Nathalia Leonhart, você me deve 10 moedas! Traga amanhã, ouviu? — E apontou na direção dela.
— Cala a boca pivete irritante — gritou um veterano visivelmente irritado.
A raiva contraída na feição de Nathalia se esvaiu ao ver a cara embasbacada de Jonas, envergonhado por sua tática ter se voltado contra ele.
A próxima luta ocorreria em breve.