Volume 1
Capítulo 60: História Arcana (1)
Os alunos da turma A-102 comemoraram a chegada da sexta-feira. E após muito implorarem, a professora Catarina Grivaldo cedeu à pressão da turma e prometeu fechar a semana letiva com uma aula tranquila e descontraída.
Debruçado sobre a bancada, Ronan reviveu em sua cabeça a conversa que tivera com Anna no dia anterior, quando saíram da Oficina após a fatídica aula com Ronaldo Rodrigues.
Uma fala em particular ficou encravada em sua mente “Esse é o problema Ronan, você não fez nada”.
Mas o que isso quer dizer?
Deixando isso de lado, outra questão que o consumia por dentro veio à tona: a piscadela e o sorriso de Nathalia quando se despediu. Mas ela não era de fazer aquilo, a não ser para cravar uma faca em suas costas logo em seguida, como já fizera no início do semestre passado, mas ela havia mudado desde então.
Estaria Nathalia gostando de mim? Pensar nisso o fez afundar ainda mais em devaneios.
— Ronan! — chamou a professora, puxando o garoto para o mundo real. — Pare de sonhar acordado e preste atenção na aula.
A turma abafou o riso.
As bochechas de Ronan coraram, mas enrubesceram quando flagrou Anna e Nathalia viradas para trás, para descobrir porque ele fora repreendido pela professora. Anna o encarava impassível, já Nathalia tentava segurar o riso com a mão na boca, como o resto dos colegas.
— Então turma. — Catarina chamou atenção para si. — Como eu ia dizendo, neste semestre vamos continuar nossos estudos sobre História, mas nos focaremos em como as Artes Arcanas moldaram a nossa sociedade, como ela influenciou a politica. E claro, como um Arquimago apontado por um imperador pode colocar em cheque a estabilidade conquistada bravamente por seu antecessor.
— Vai com calma professora, a filha dele estuda com a gente — disse Dario.
Nathalia virou para trás e fuzilou-o com os olhos.
— É verdade! Eu tinha me esquecido. Nathalia Leonhart, não é? — a professora perguntou para a aluna.
— Isso mesmo — ela respondeu de braços cruzados.
— Peço desculpas adiantadas, mas teremos de falar sobre o seu pai durante essa disciplina. Eu não posso me abster como professora de História diante um assunto como este, além do mais, eu tenho uma notícia um tanto desagradável para contá-los.
Nathalia pôde pressentir o que estava por vir.
— Por ordem do novo Arquimago, o ensino da manipulação do fogo foi banido de todas as instituições do continente. E pelo que me recordo de quando eu fiz a leitura do decreto, apenas membros da Ordem dos Magos podem aprendê-la de agora em diante. E se não me engano, eles planejam fundar uma nova instituição aqui em Leon, responsável por ensinar estas conjurações para aqueles dignos de confiança.
Uma das antigas amigas de Anna levantou-se abruptamente para intervir.
— Isso é um absurdo! Por acaso eles pretendem monopolizar o ensino e acumular o poder entre eles?
Uma das garotas sentadas ao seu lado também se manifestou, mas não chegou a se levantar.
— Só pode né…
Dario balançou a cabeça e acrescentou:
— Seu pai pisou na bola mesmo, Leonhart.
Nathalia virou-se para trás.
— Cala a boca Zeppeli! — rugiu.
Ronan assustou-se ao ver o rosto enrubescido da colega cujas lágrimas desenhavam pequenos riachos ao fluir sobre a palidez da pele.
Desde então a turma não se conteve. Todos esbravejaram seus protestos insatisfeitos. Os mais ousados redirecionaram sua raiva contra a filha do Arquimago, que não conseguiu mais se conter e passou a chorar copiosamente, com lágrimas brotando em abundância.
Seus lábios finos tremeram ao tentar conter o soluçar.
Nathalia tentou contra argumentar, mas não conseguiu ser ouvida, pois ninguém se importou com o que tinha a dizer. Todos, com exceção dos mais próximos só queriam expressar sua indignação perante o decreto do senhor Leonhart.
Ronan queria ajudar, mas não conseguia sequer reunir iniciativa suficiente para intervir de alguma forma e apenas observou a situação piorar.
Anna tentou reconfortá-la com palavras doces, mas elas de nada serviram quando chamas emanaram dos punhos da amiga, consumindo aos poucos bancada onde ela se apoiava.
— Pare com isso agora, senhorita! — ordenou a professora.
Foi então que um dos alunos desabafou.
— É sempre assim professora. Ela faz besteira, fica braba quando alguém briga e depois começa a pirar invocando essas chamas. Que nem aquela vez quando queimou o braço da Anna enquanto brigava com o Dario.
Silêncio.
Tudo o que pôde ser ouvido era o crepitar do fogo consumindo a madeira. Nathalia assustou-se ao presenciar suas lágrimas cristalizarem. Tentou se acalmar, respirou fundo para desfazer a manipulação involuntária. Todos a observavam assustados, com medo do que estava por vir.
E o mesmo garoto irrompeu mais uma vez:
— Tá vendo, ela vai matar a gente, que nem quando ela tentou matar o Dario semestre passado.
E a sala inteira surtou.
— Chega! — alguém esbravejou.
Foi como se um tornado surgisse no meio da sala, arremessando as lágrimas cristalizadas de Nathalia contra a parede, partindo-as em centenas de minúsculos fragmentos.
As chamas outrora vivas e ameaçadoras foram asfixiadas pela potência do turbilhão que as impediu de consumir a madeira, ou de fazer a combustão da energia arcana convertida.
Os alunos precisaram se segurar nos balcões para não serem arrastados por aquela força da natureza.
Os fios dourados do cabelo de Nathalia pararam de tremular e com graça caíram em seu rosto, mas aqueles que ficaram em frente aos olhos, foram umedecidos pelas lágrimas remanescentes.
Devagarinho ela olhou por trás do ombro e viu Dario em pé. Não disse nada. Apenas se levantou e caminhou em direção à saída em meio ao silêncio fúnebre que se instaurou.
Nathalia olhou para o chão, evitou os olhares recriminadores dos colegas, acelerou o passo e fugiu porta a fora, chorando mais uma vez. Anna e Karen correram atrás dela, ignorando a aula e a professora omissa.
Dario não tinha terminado, e com raiva em sua voz, ele repreendeu Catarina Grivaldo.
— Que tipo de professora deixa uma coisa dessas acontecer em aula? Até o professor Felix demonstra alguma empatia por seus alunos. O que o pai dela fez é errado, todo mundo sabe disso, mas como você pôde nos deixar culpá-la por uma frustração sua?
As palavras do aluno atingiram a professora como um chicote, um chicote manuseado pela verdade. Ela levou uma mão ao rosto, e admitiu:
— Tens razão… eu me deixei levar. — O arrependimento era evidente. — Vou encerrar a aula da manhã por aqui. Vejo vocês no período da tarde.